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SERGIO-CABECA-COLUNA

Emílio de Menezes

05/06/2025

Em 1980, tive acesso a um livro que mantenho até hoje na minha pequena biblioteca: “Emílio de Menezes – Obra Reunida”, publicado pela Livraria José Olympio Editora, com patrocínio do Estado do Paraná, governado à época por Ney Braga. Assim, pude conhecer a obra de um dos maiores poetas curitibanos de todos os tempos, que dominou o Rio de Janeiro e o Brasil com seus sonetos parnasianos, mas, principalmente com sua poesia satírica. Este livro é a fonte de boa parte das informações desta matéria.

Emílio Nunes Correia de Menezes nasceu em Curitiba, no Largo da Matriz (atual Praça Tiradentes), a 4 de julho de 1866. Suas primeiras letras foram aqui mesmo, como aluno do professor João Batista Brandão Proença. Em seguida, foi matriculado no Instituto Paranaense, onde teve, entre outros colegas, Dario Veloso, Nestor Victor e Leôncio Correia.

Quando adolescente era magro, muito comprido, tendo recebido o apelido de “Dr. Mosquito”, devido ao tipo físico. Por volta dos 14 anos foi admitido como empregado da farmácia do cunhado, o “Requiãozinho”, onde, vendia raízes medicinais, desenvolvendo seu gosto pela botânica. Segundo o escritor Humberto de Campos, “foi nesse ambiente, com certeza, no convívio do prússico, da macélia, da nux-vomica, da genciana e da centáurea menor, que o seu espírito se impregnou do amargo violento e dos princípios corrosivos que o haviam de particularizar, mais tarde, sua obra satírica. O convívio dos venenos havia de, fatalmente, envenenar-lhe a ironia.”

Começou a publicar seus versos no Dezenove de Dezembro, primeiro jornal do Paraná, cuja característica, resultante da orientação de seu fundador, sempre foi dar pouca ênfase à literatura. Em Curitiba, deixou ainda textos esparsos na Gazeta Paranaense.

Humberto de Campos, seu sucessor na Academia Brasileira de Letras, assim descreve essa fase de Emílio: “aos dezoito anos, influenciado pelo movimento literário a que dava início o entusiasmo de Rocha Pombo, Emílio de Menezes constituía, pela originalidade da sua figura e dos seus hábitos, uma das curiosidades de Curitiba. As suas roupas, feitas sob as recomendações diretas do seu capricho, traduziam-lhe a esquisitice do gênio, a bizarria das maneiras, a singularidade da imaginação. A calça, larga e comprida, escorria-lhe pelas pernas finas de cegonha humana, repousando em botas enormes, de cores extravagantes. O paletó de comprimento incomum, descia-lhe pela ossatura delgada, com abundância de fazendas e de medidas. A gravata, em borboleta, era um escândalo, que o chapéu de feltro, de abas largas, aplaudia e completava. Possuía poucos amigos, repudiava as orgias, e raramente era visto entre rapazes joviais. Mesmo quando se reuniam, de semana em semana, para a missa do seu ideal Estes, entretanto, o respeitavam e queriam, pela novidade da sua palestra, entrecortada, sempre, de vivacidade maligna, ferina, escandalizante.”

Descendente de um casal pobre (o pai, ainda por cima, era poeta), gerador de oito mulheres e um homem, que era ele, sentiu muito cedo, a necessidade de abandonar sua província natal, pequena demais para suas ambições. E aos 21 anos de idade, portanto em 1887, resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro, chegando com cartas de apresentação, inclusive uma de Nestor Victor dirigida ao Comendador Coruja, renomado educador. Assim, não enfrentou grandes embaraços e, instalado na casa do Comendador, depois de um ano acaba casando com sua filha mais moça, Maria Carlota Coruja. Após ocupar um lugar modesto no Banco do Brasil, cargo conseguido através do sogro, decidiu dedicar-se ao jornalismo, colaborando na Gazeta de Notícias. Logo começa a ganhar popularidade nos meios literários, comparecendo às rodas de Paula Ney e Olavo Bilac. Em 1889, nasce o único filho do poeta, batizado com o nome de Plauto Sebastião.

Em 1890, embarca para Paranaguá como escriturário no Departamento da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, para trabalhar no recenseamento do local. Não se adaptando às novas funções, retorna ao Rio e volta a frequentar as rodas boêmias, inclusive participando, ao lado de Emiliano Perneta e Leôncio Correia da criação do jornal Folha Popular.

Com o encilhamento (programa econômico elaborado pelo Ministro da Fazenda Ruy Barbosa) envolve-se em negócios na Bolsa de Valores, enriquecendo sem muito esforço. Abandona a esposa e vive como um milionário, mantendo palacete em Petrópolis e vestindo-se de maneira ostentatória. Tinha até um carro de luxo, onde se acomodava elegante com o seu feltro de Mosqueteiro e os seus plastrons extravagantes, em que brilhava, sempre, uma pedra de preço. Começou a engordar: a prosperidade econômica fizera-se acompanhar da prosperidade das banhas. E quando a primeira fugiu, a segunda, mais persistente, mais firme, não abandonou o boêmio. Neste período compõe os poemas que integrarão Marcha Fúnebre e que foram publicados inicialmente em “O Álbum” (1891).

Publica contos na Gazeta de Notícias e começa a padecer a pobreza que se seguiu à breve prosperidade econômica conseguida graças às contingências do momento. Porém, seu sucesso literário começa com a publicação do primeiro livro, ainda em plaquette, em 1893, intitulado “Marcha fúnebre”. Desde logo é bem recebido pela crítica, que já aponta em seus versos as qualidades da perfeição parnasiana e a estesia dos simbolistas.

Em 1894, a roda que frequentava a Pascoal, na Rua do Ouvidor, desloca-se para a Confeitaria Colombo, uma espécie de terreno neutro da boêmia que fora dispersada com a revolta da Armada. Na Colombo, Emílio de Menezes instala seu “escritório de trabalho” e para a Rua Gonçalves Dias é dirigida toda a sua correspondência, sendo ali uma das figuras mais populares e já gozando a fama de poeta satírico. Autor de versos mordazes, eivados de críticas das quais não escapavam os políticos da época, mestre dos sonetos, Emílio de Meneses é portador de uma tradição – iniciada com o Brasil, em Gregório de Matos.

Em 1897, conhece D. Rafaelina de Barros, mulher sensível e culta, que será seu grande amor e companheira do resto da vida. 1901 é o ano dos “Poemas da morte”, obra que edita pela Laemmert & Cia., recebida pela crítica com entusiasmo. Vivendo a época da grande transformação do Rio de Janeiro provocada pelo Governo Rodrigues Alves, Emílio não cansa de revelar seu entusiasmo pela obra do prefeito Pereira Passos, tendo registrado em suas sátiras as figuras mais destacadas da época. O desastre do Aquidabã, ocorrido em 1906, vai propiciar-lhe um longo poema, “Dies irae”, publicado em O Malho e, posteriormente, sob forma de plaquette.

Sua vida pessoal desenvolve-se entre as rodas da boêmia; o gosto pelos negócios e o cargo de Fiscal de Clubes e Mercadorias lhe permite participar intensamente das ocorrências políticas, sempre registradas através de seus textos satíricos. É o caso da Campanha Civilista, quando se envolve no entusiasmo que tomou conta da nação. Como partidário da candidatura de Hermes Fontes, satiriza Ruy Barbosa nos versos das Mortalhas, que publicou na revista Fon-Fon.

Em 1915, ei-lo junto ao grupo da Sociedade Brasileira de Homens de Letras, ao lado de Goulart de Andrade, Bastos Tigre, Olavo Bilac, Luís Edmundo, gozando de grande prestígio, sobretudo depois da publicação de “Poesias”, ocorrida em 1907.

Neste período fez várias viagens a São Paulo, sempre recebido com homenagens pelo grupo formado por Dolor de Brito, Amadeu Amaral, Oswald de Andrade e outros, participando da revista O Pirralho, editada por este último. Já combalido pela enfermidade que se manifestava há anos, motivando inclusive uma viagem a Curitiba, em 1909, publica suas “Últimas Rimas” (1917), onde entre outros textos destaca-se a tradução de “O Corvo”, de Edgar Allan Poe.

Apesar de eleito para a Academia Brasileira de Letras, para a cadeira 20, na vaga de Salvador de Mendonça, em 1914, ainda em 1918 não havia sido empossado. Sua posse, protelada por questões de saúde e pela polêmica em torno de seu discurso, acaba ocorrendo sem formalidades oficiais, pois alega achar-se “graveménte enfermo”, em carta dirigida à ABL, datada de 24 de abril de 1918.

A 6 de junho daquele ano, falece de uremia, sendo enterrado no Cemitério São João Batista. Porém em 1927 seus restos são trasladados para Curitiba, e hoje encontram-se no Cemitério Municipal da capital paranaense. Os epitáfios humorísticos já foram moda no Rio de Janeiro e Emílio de Meneses chegou a compor para si próprio o seguinte epitáfio:

Morreu em tal quebradeira
Que nem pôde entrar no céu,
Pois só levou cabeleira,
Bigode, banha e chapéu.

Folclore à parte, sua influência continuou por anos depois de sua morte.

Na biografia “Oswald de Andrade – Mau selvagem”, Lira Neto conta que:

“Foi pelas páginas d’A Gazeta que Oswald de Andrade lamentou, em junho, a morte de Emílio de Menezes. O parnasiano morrera aos 52 anos, magro e abatido pelo excesso de bebida — “uisquite aguda”, conforme o autodiagnóstico. Na ocasião, Oswald revidou o discurso do vereador paulistano Joaquim Marra, que se opusera ao projeto apresentado na Câmara Municipal para rebatizar a rua Guaianazes, no centro da capital paulista, com o nome do poeta. Para Marra, a obra de Emílio ainda não teria alcançado suficiente relevo nacional para ele vir a ser homenageado com nome de logradouro em São Paulo.

“O comentário do vereador provocou ondas de protestos na imprensa.

“Em uma “Carta aberta ao sr. Joaquim Marra”, publicada na primeira página da Gazeta, Oswald vociferou:

“”O sr. é um representante do povo, não tem o direito de ser tolo nessa proporção ou, cousa pior, de se fazer passar por tal, a fim de cuspir fel sobre quem morre; e quem morre indiscutivelmente glorioso e honestamente pobre.””

A amizade entre Emílio e Oswald, outro grande satírico, foi sedimentada por episódios como este: em uma cervejaria de São Paulo, cujo soalho, como era de praxe nos estabelecimentos do gênero, achava-se coberto de serragem, bebiam, certa vez, Emílio de Meneses e alguns amigos, entre eles Oswald de Andrade, quando um conhecido engenheiro, falando de arte, começou a louvar Florença, e a influência dos florentinos na Renascença. No auge, porém, do entusiasmo, pôs-se de pé, afastou a cadeira, e, ao tentar sentar-se de novo, projetou-se de costas no chão. Levantou-se sujo de serragem e quis insistir.

— Sim, é aos florentinos que devemos todo esse patrimônio artístico…

– Homem, – interveio Emílio de Meneses, – deixa os florentinos…

E limpando-lhe a serragem:

— Tu agora estás “à milanesa”…

Outro grande amigo de Emílio, Bastos Tigre, assim falou sobre o mestre:

“Encontram-se nas do Emílio — nessa alegre e inimitável “obra” falada que chamamos Emilianas, todas as gradações de humor, desde o simples mot pour rire, inocente e leve, até o sarcasmo, a sátira mais contundente e ferina; do trocadilho sem outro intuito que o confundir as ideias com as palavras, a ironia profunda e sutil, indo mais longe que a expressão verbal que a traduzia. A “miscelânea do humor”, assim se podem definir as Emilianas.

“Um íntimo de Emílio, que conservou de cor algumas delas, colhidas muitas vezes no momento em que lhe surgiram, de improviso, no correr da palestra, resolveu registrá-las no D. Quixote, para que se não percam ou deturpem, contadas em linguagem menos lídima ou com tempero ordinário e barato que soem misturar-lhes os recontadores de anedotas.

“Ele mesmo costumava protestar, indignado, contra a paternidade que lhe emprestavam de tudo que aparecia, com pretensões a espírito, nas rodas de letras e de imprensa.

“— Eu não sou Sapucaia das perfídias alheias sem graça e sem gramática! – clamava ele.

“Contando algumas das do Emílio, faremos o possível de conservar-lhes a exatidão das ideias e das palavras. O que elas perdem, entretanto, é aquela graça irreproduzível da expressão verbal com que o Emílio as dizia, cofiando os vastos bigodões grisalhos e ponteando-as, por fim, com a longa reticência de uma sadia e estrépita gargalhada.”

Mendes Fradique, no Prefácio de “Mortalha – Os deuses em ceroulas”, escreveu o seguinte:

“Os que conheceram Emílio de Menezes ainda estão a vê-lo, com aquela bigodeira à Vercingectórix e aquele amplo chapéu, ora brandindo o bengalão retorcido, a expedir raios sobre a iniquidade dos pigmeus que o irritavam; ora sufocado num riso apopléctico de intenso gozo mental, rematando uma sátira com que, destro, arrasava a empáfia dos potentados e a impertinência dos presunçosos; ora bonacheirão, carinhoso, entalando uma fatia de pão de ló na boca de um de seus fiéis cães de raça; ora ainda transfigurado, olímpico, dizendo, com inspiração extraterrena, ‘Os Três Olhares de Maria’ ou o ‘Ibiseus Mutabilis’.”

Num dos episódios mais controversos de sua carreira literária, Emílio veio finalmente a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras em 15 de agosto de 1914, onde recebeu vinte e três votos, enquanto o escritor Virgílio Várzea obteve quatro votos e Gilberto Amado apenas um. Ele veio a ocupar a cadeira de número 20, cujo patrono é Joaquim Manuel de Macedo, e na qual jamais veio a tomar assento, falecendo em 1918. Seria saudado por Luís Murat. Como sucessor, foi escolhido o amigo de Emílio, o escritor maranhense Humberto de Campos, muito popular na época, que tomou posse em 1919.

Na versão oficial, disponível no site da ABL, Emílio deixara de ser empossado por conta da sua teimosia em manter críticas no discurso de posse. Aqui reproduzo o início da sua famosa fala:

CONFRADES E MESTRES.

“Fastidioso vai ser este quarto de hora em que sois forçados a ouvir-me.

“Circunstâncias de ordem íntima e, por isso mesmo, imperiosas, vão levar-me a um discurso personalíssimo em que falarei mais de mim que do meu ilustre antecessor nesta cadeira. Tal procedimento traria a eiva de exibição ou vaidade, não fora o desejo ardente de um desabafo; não fora o aproveitamento da oportunidade única que se me apresenta para esclarecer pontos da minha pobre vida tão mal julgada, pontos, aliás, que não elucidaria, não se relacionassem eles com a nunca sonhada honra da minha eleição para membro desta Casa.

“Faço do momento, que tão propício se me depara, um acantábolo para arrancar espinhos que de há muito me pungem.

“Dizer-vos que nunca desejei fazer parte da vossa nobre agremiação, seria mentir à minha própria consciência. Afirmar, entretanto, o emprego dos esforços desairosos que se me atribuem para a conquista da insígne distinção de ser dos vossos, sobre ser um meio de escapulir aos limites da verdade, é transbordar dos da decência.

“Fundada a Academia, se eu a não recebi com as irreverências e até torpezas, cuja paternidade me foi dada, não tive para com ela, é certo, grandes e entusiásticos aplausos. Influências múltiplas da época fizeram tomar, à primeira vista, o novo instituto literário como um enxerto, uma cópia, uma espécie de naturalização de hábitos infensos às nossas tradições e usanças.”

Emílio compôs um discurso de posse em que revelava nada compreender de Salvador de Mendonça, nem na expressão da atuação política e diplomática, nem na superioridade de sua realização intelectual de poeta, ficcionista e crítico. Além disso, continha trechos considerados, pela Mesa da Academia, de “aberrantes das praxes acadêmicas”. A Mesa não permitiu a sua leitura e o sujeitou a algumas emendas. Emílio protelou o quanto pôde aceitar essas “sugestões”, e quando faleceu, quatro anos depois de ter sido eleito, ainda não havia tomado posse de sua cadeira.

Sobre o episódio do discurso de Emílio, o Imortal Afrânio Peixoto, que por muitos anos presidiu a Casa, consignou:

“Emílio de Meneses quisera descompor a Oliveira Lima, ao que se opôs Medeiros e Albuquerque, que então presidia, ordenando a supressão dos tópicos alusivos e ofensivos: à insistência do neófito, em dizê-los, ameaçou-o com o comutador da luz elétrica, desde aí ao alcance da mão do presidente. Não foi preciso usar deste obscuro meio coercitivo, porque o acadêmico recalcitrante não chegou a ser recebido, e seu discurso apenas tardiamente publicado nos jornais, razão por que não figura na coleção da Academia.”

Não teria chegado a hora da Academia Brasileira de Letras, que ultimamente tem estado mais moderninha, com o ingresso de acadêmicos como Fernanda Montenegro, Antônio Cícero e Gilberto Gil, de rever este posicionamento e reabilitar o nosso Emílio de Menezes?

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