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23/04/2024



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Azeite Fanadol

 Azeite Fanadol

Um dos meus avós se chamava Frederico Schöll, imigrante alemão que, do seu jeito, foi um visionário e realizador. Foi o criador da Indústria de Azeite Fanadol (Sim. Era azeite mesmo, pois não se chamava óleo, como hoje), a primeira grande indústria de óleos vegetais do Sul do Brasil, localizada na região onde teve início o bairro do Portão, do outro lado da Av. República Argentina, em direção ao bairro Lindóia. Esse lado ainda era mata nativa e só havia a Madeireira Bettega e algumas casas esparsas.

Tudo começou com um sonho! Meu avô Frederico veio da Alemanha com a irmã e seus pais antes da Primeira Guerra Mundial. Tinha o mesmo nome do pai, o bisavô Friedrich Schöll, mas ao chegar aqui, o setor de imigração abrasileirou para Frederico, como era de costume. Para não confundir pai e filho, meu avô ficou como Frederico Schöll Júnior, mas como não gostava do ‘Júnior’ no nome, tratou logo de tirá-lo.

Na Alemanha, eles moravam numa cidadezinha chamada Wilhelm, e lá tinham um armazém, porém as coisas já não iam bem. Soldados começavam a chegar na cidade e não pagavam o que levavam. Foi então que resolveram vender e comprar terras no Brasil, que era o que outros alemães já estavam fazendo.

Fizeram uma longa viagem de navio e desceram no Porto de Santos. De lá, deslocaram-se para o Paraná, onde compraram terras em Porto Vitória, região próxima de Porto União. E foi ali que teve início a ‘nova vida’. Começaram a trabalhar com a terra e animais. A ideia inicial era trabalhar com a extração de madeira, mas por algum motivo não ocorreu como o combinado, então restou-lhes plantar. O trabalho na terra era feito pelos dois filhos que, consequentemente, não podiam estudar, pois havia muito trabalho a fazer. A atividade exclusivamente braçal gerou descontentamento no meu avô que queria estudar.

Quando minha bisavó ficou doente, o biso a levou até a cidade mais próxima para consultar um médico e lá veio a falecer. Como o biso a enterrou em local ‘não-santo’, meu avô ficou revoltado e abandonou tudo e saiu em busca de uma vida melhor. Veio parar em Curitiba, onde começou a trabalhar em uma oficina mecânica que ficava na Rua João Negrão, entre a Pedro Ivo e a José Loureiro. O proprietário era o alemão Waldemar Bueken. Mais tarde, essa oficina mudou para o Alto da XV e o filho, com o mesmo nome do pai, deu continuidade. Quando o bisavô viu que seu filho não iria mais voltar, resolveu vender as terras e veio embora com a outra filha, pois ‘sem braços’ para trabalhar nas terras, não fazia sentido ficar por lá. Ficou sabendo do paradeiro do filho através da Imigração.

Em Curitiba, o biso acabou conhecendo uma senhora viúva e casou novamente. Pai e filho se encontravam eventualmente. O vô continuou trabalhando na oficina de automóveis. Certo dia, quando tinha uns 20 anos, o Sr. Raimundo de Castro Maia – que era um industrial importante do Rio de Janeiro, dono de uma fábrica de sabão, a Carioca Industrial, convidou-o para trabalhar com ele no Rio Grande do Sul. Meu avô aceitou e foi sozinho dirigindo uma motocicleta, daquelas antigas. Como havia poucas estradas na época, atravessou matas, rios, picadas e serras, com a orientação apenas de um mapa e uma bússola. Levou sete dias para chegar em São Leopoldo, que era o seu destino.

Lá foi trabalhar em uma pequena fábrica caseira de extração de óleo. Alguns meses depois conheceu minha avó Martha Renner, que era muito passeadeira e divertida, como diziam. Depois de um tempo, economizou dinheiro e decidiu voltar para Curitiba e abrir uma indústria de óleo, já tendo como sócios investidores os Srs. Bruno Kliche e Raimundo Castro Maia, o mesmo que o tinha levado para o Rio Grande do Sul.

Seria construída, então, a primeira fábrica de óleo vegetal comestível do Paraná. Na época que começaram a montar a fábrica, Vô Frederico já era casado com a Vó Martha e tinham duas filhas, de 2 e 4 anos, Magda e Márcia.

 

A filha Magda Schöll Romanó, com o filho James S. Romanó, na fábrica de óleo, tendo ao fundo o silo de grãos e à esquerda um dos barracões

 

Inicialmente, moraram numa pensão localizada em frente à Praça Santos Andrade, na esquina das ruas XV de Novembro com a Conselheiro Laurindo (local onde posteriormente foi construído o primeiro edifício residencial de Curitiba – Edifício Marumbi).

Durante o período que moraram nesta pensão, aproximadamente dois anos, vô Frederico comprou um terreno no bairro Portão e construiu a fábrica e uma casa anexa para a família morar. A área foi comprada da família Hauer, que era proprietária de 700 alqueires nas regiões que compreendem hoje os bairros Hauer, Vila Fanny, Vila Lindóia entre outros. Toda a estrutura interna da fábrica foi planejada pelo próprio Frederico, de forma a permitir a correta colocação das máquinas e um bom fluxo das atividades industriais. Pode-se dizer que acompanhou a colocação de cada tijolo, cada peça, sempre atento e tentando visualizar a operacionalidade. Construiu a caldeira, a chaminé, os barracões, o silo, sem esquecer de criar um ambiente agradável, iluminado, arejado e que trouxesse prazer aos que iriam trabalhar lá. Depois de todas as paredes erguidas e cobertas, começou a etapa de importar as máquinas da Alemanha para se produzir o óleo a partir do amendoim e da soja. Uma máquina que separaria as cascas, outra que quebraria os grãos, a prensa, as esteiras, a centrífuga, o extrator, o clarificador, as tubulações para o silo. Essa etapa levou um bom tempo para ser concluída.

Enquanto a fábrica e a casa estavam sendo erguidas, vó Martha cuidava das filhas na pensão. Sempre levava as crianças no Passeio Público para brincar durante o dia. A hospedagem era muito boa, mas como era o costume, havia somente um banheiro no final do corredor que servia a todos os ocupantes dos quartos, além do penico de louça debaixo da cama para as necessidades noturnas. E assim que a fábrica e a casa foram construídas, a família se mudou para o bairro do Portão. Realizava-se o sonho do meu avô em construir uma grande indústria de extração de óleo vegetal (amendoim, de soja, de girassol…).

 

Chaminé da fábrica ao fundo, barracões, depósito de lenha para alimentar a caldeira e meus pais, Ney Romanó e Magda Schöll Romanó

 

E a indústria cresceu, prosperou e gerou empregos a muitas pessoas. As famílias dos trabalhadores foram adquirindo lotes e se instalando próximas à fábrica, que se localizava onde hoje há um conjunto de edifícios, próximo ao Supermercado Muffato e ao Shopping Palladium. Na época, só havia a Madeireira Bettega (onde hoje é esse supermercado) e o restante era mato. A Fanadol foi a segunda grande construção.

Se conversarmos com antigos moradores do bairro, alguns se lembrarão da Fanadol e terão histórias para contar, desde o cheiro característico que saía da fábrica, sobre as latas de óleo de amendoim que viravam canecas, até das cascas de amendoim que muitos moradores da região juntavam para alimentarem seus fogões. Outras pessoas lembrarão que alguns parentes trabalharam e se aposentaram lá ou até mesmo do trem que passava rente à fábrica. Havia uma estação nas proximidades, a Estação do Portão, que era um importante terminal ferroviário e direcionava os trens e cargas para as cidades do interior do Paraná e Santa Catarina. Quando chegava nessa estação, aqueles trens enormes ficavam muito tempo parados, pois ali acoplavam ou desacoplavam os vagões, antes de seguir para outras estações. E os trens parados sobre os trilhos bloqueavam o único acesso à fábrica. Era comum o vô aguardar os funcionários pela manhã, em frente à porta principal da fábrica, de onde seu olhar alcançava a linha do trem até a Estação do Portão. Assim, não seria pego desavisado pelos funcionários que chegavam atrasados e que tinham o costume de alegar: “– Foi o trem!”

Ele sabia de tudo o que acontecia naquela fábrica e ninguém o pegava de ‘calça curta’, como se dizia.

Exatamente neste terreno, onde estão todos esses prédios, ficava a Fanadol

Karin Romanó gosta muito de contar o que sabe ou vivenciou da Curitiba de outrora e o faz de maneira muito pessoal. Utiliza linguagem espontânea e simples. Seu olhar observador está sempre atento aos cenários que encontra, nas caminhadas frequentes que faz pela cidade. A autora escreve normalmente fazendo a associação de três categorias de crônicas: a memorialistica, a descritiva e a lírica. Aliás, o texto lírico, carregado de sentimentos, é sua característica principal. Mais do que relatar algo, o propósito que a move é despertar sentimentos e provocar reflexões no leitor. É nítido seu amor pela cidade.

A partir de hoje, Karin passa a dividir com os leitores do HojePR esse amor e essas extraordinárias histórias da Curitiba de outrora. Bem vinda!

13 Comments

  • Que bela história!! Nos insere a tempos e contos como se fizéssemos parte .

  • Beleza. Viemos, no final de 1955, de uma casa alugada no Pilarzinho para a Vila Fanni onde o pai construiu nossa casa. um ou dois anos mais tarde o pai comprou uma bicicleta suissa para minha irmã. Como ela usava pouco, queM mais andava era eu. Então a mãe me mandava comprar uma lata de azeite (20 litros) direto da fábrica, que eu trazia no bagageiro. Era azeite de soja FANADOL. Que boas lembranças.

  • Parabéns por resgatar esta bela História.
    Morei em 1983 , bem próximo da Fábrica da Fanadol, que
    ainda esta em atividade, trabalhava-se 24 horas ,e o cheiro da fabricação dos óleos na verdade um perfume, que se espalhava por toda a região. Sinto não ter registrado em fotos a Fábrica em pleno funcionamento, mas tenho fotos de quando ela estava sendo desmontada, para dar lugar aos prédios atuais, que guardo com muito carinho. Ainda moro perto, que saudades da Fanadol, Madeireira Bettega e do trem.

  • Texto maravilhoso, adorei cada detalhe! Uma pena a fábrica não existir mais.

  • Adorei saber mais sobre a história da fábrica e os ricos detalhes!! Muito bem escrito! Pena a fábrica não existir mais.

  • Adorei a história e os ricos detalhes!!

  • Textos incríveis

  • Excelente

  • Iniciativa maravilhosa da HojePR em ter a Karin Romanó a frente desta coluna. Escritora brilhante que nos prestigia diariamente com histórias de Curitiba
    que nos fazem viajar no tempo e em nossas memórias. Valiosa contribuição. Sou sua seguidora. Muito sucesso a Karin!

  • Adoro suas histórias sobre o passado de Curitiba!

  • Ótimo texto!!
    Adoro as histórias da nossa cidade.
    Parabéns, Karin.

  • Parabéns ao Portal. Grande Iniciativa. Sucesso!

  • Muito bom! Histórias incríveis! Parabéns!

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