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Juiz suspeito de vender sentenças recebeu R$ 750 mil da mulher e diz que usou parte com pai de santo

31/05/2025
juiz

estadão

O juiz Ivan Lúcio Amarante, de Mato Grosso, alvo da Operação Sisamnes por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na Comarca de Vila Rica, recebeu R$ 750 mil de sua própria mulher, Mara Patrícia Nunes Amarante. Os repasses foram realizados de forma fracionada, 43 depósitos ao todo, entre 8 de setembro de 2023 e 30 de julho de 2024, indica a quebra do sigilo do magistrado.

A Polícia Federal suspeita que o dinheiro teve origem em propinas por venda de sentenças e que Mara seria “intermediária” dos repasses para o marido. O juiz tem uma outra explicação. Segundo ele, sua mulher é empresária e transferiu os valores para bancar despesas suas, inclusive em sessões com pai de santo.

O Estadão busca contato com Amarante, via assessoria do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

“De mais a mais, os valores repassados por Mara foram para o meu desenvolvimento espiritual e religioso”, alegou o magistrado em defesa prévia à Corregedoria Nacional de Justiça, que decretou seu afastamento das funções em outubro do ano passado, medida agora reiterada pelo Supremo Tribunal Federal.

Ele citou gastos que teria tido em sessões com pais de santo na Alta Magia Sociedade Religiosa Zé Pelintra do Catimbó e no Centro Espírita/Terreiro Nossa Senhora do Rosário.

Na quinta-feira (29), Amarante foi alvo da oitava fase da Operação Sisamnes – juiz corrupto, segundo a mitologia persa -, por ordem do ministro Cristiano Zanin, do STF.

Zanin é o relator das investigações sobre suposto esquema de venda de sentenças que se teria instalado nos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul e alcançado gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça. O ministro decretou o bloqueio de R$ 30 milhões de Amarante e de outros investigados.

As suspeitas sobre o juiz surgiram a partir da quebra de sigilo do celular do advogado Roberto Zampieri, conhecido como o “lobista dos tribunais”, executado a tiros na porta de seu escritório de Cuiabá, em dezembro de 2023.

Cinco suspeitos pelo assassinato foram presos na quarta, 28, na sétima fase da Operação Sisamnes. Eles são acusados de integrarem o “Comando 4″, suposto grupo de extermínio baseado em Mato Grosso.

O celular de Zampieri foi encontrado ao lado de seu corpo. Diálogos recuperados pelos investigadores no aparelho do lobista revelam “amizade íntima” com o juiz. Na avaliação do corregedor nacional da Justiça, ministro Mauro Campbell, o juiz da Comarca de Vila Rica era “subserviente” a Zampieri.

A Corregedoria põe sob suspeita a versão de Amarante para a origem do dinheiro em sua conta. “Os valores depositados ocorriam, não raro, em montantes idênticos e elevados, estando, portanto, completamente dissociados da eventual atividade econômica por ela (Mara) desempenhada”, aponta a Corregedoria.

Chave Pix

Em uma conversa no WatsApp de junho de 2023, o juiz encaminhou ao lobista a chave Pix da mulher, o que reforçou as suspeitas de que ela teria sido usada como um canal de propinas para o marido.

Amarante nega. Segundo ele, “as transferências realizadas por Mara Patrícia são oriundas da conta bancária da pessoa física, e não jurídica”. “As menções e suposições sobre as empresas pertencentes a Mara Patrícia não possuem correlação com as transferências realizadas.”

Sobre o recebimento de R$ 750 mil, por meio de 43 depósitos, ele afirmou. “Tratou-se de transferências de menor valor, condizentes com a realidade fática jurídica, sem qualquer indício de irregularidade ou ilegalidade, pois o que se verifica são meras suposições e conjecturas.”

conversa
Juiz passou chave Pix da mulher para lobista. Foto: Reprodução/processo judicial

A quebra do sigilo bancário de Amarante indicou todo o seu fluxo financeiro. Ele se considera alvo de uma “pescaria probatória” (fishing expedition) realizada pelos investigadores. À Corregedoria, o juiz citou os nomes de pelo menos três pais de santo com os quais teria usado parte do dinheiro que a mulher repassou para sua conta.

“Em verdade, excelência, é público e notório que o sr. Fernando Cesar Parada é pai de santo e dirigente do Centro Espírita/Terreiro Nossa Senhora do Rosário, localizado na cidade de São Paulo.”

Amarante ressalta “contemporaneidade” com recebimentos de Mara Patrícia e pagamentos ao pai de santo, “afastando qualquer suposição que possa incidir em irregularidade/ilegalidade ou infração ética-disciplinar”.

Indagado sobre transferências para Marcio Ney Dias Ferreira, Silvio Fernandes e Aline Melo da Silva, o juiz explicou, por meio de sua defesa. “É público e notório que o sr. Marcio Ney também é pai de santo e dirigente de terreiro, há mais de 30 anos, localizado na cidade de Cuiabá.” A mesma atividade ele atribuiu a Silvio e a Aline.

Ainda em sua defesa, o juiz detalhou que Mara Patrícia “possui graduação”. “Ao que se sabe, para ser empresária no Brasil, não é preciso possuir maior escolaridade e/ou conhecimento pleno do ramo de atuação, até porque, atualmente, encontra-se em franca expansão e atividade de empresas que apenas terceirizam suas atividades, inclusive no ramo de logística e transporte.”

Em relação a depósitos que fez para uma mulher residente na fronteira do Brasil com o Uruguai, Amarante informou que “iniciaram um relacionamento extraconjugal’ e que ela o ‘acompanhou em evento realizado pelo Afroconesul, em salão do Hotel Cassino, no Uruguai, no ano de 2021″.

Segundo o juiz, a mulher precisava comprar um veículo, “a saber um Jeep Renegade”, em Porto Alegre e ele emprestou o dinheiro.

Detalhamento de transferências fracionadas ao magistrado. Foto: Reprodução/processo judicial

Ex

Uma ex-mulher do juiz, Mônica Araújo Moreira Amarante, também é citada na investigação. A Polícia Federal encontrou no celular do lobista Roberto Zampieri um comprovante de transferência de R$ 12,5 mil em nome dela, identificada como a primeira de duas parcelas.

Outra ex do magistrado, Jucimara de Souza Amarante, foi implicada na Operação Sisamnes. A empresa dela, a J.S.A. Logística e Transportes Ltda, transferiu R$ 208 mil ao juiz. O repasse também foi fracionado, em 10 transferências, entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023.

Assim como Jucimara, Mônica e Mara constaram como sócias de empresas do ramo de logística e transportes. As companhias, segundo a investigação, existiram apenas no papel e podem ter sido usadas para “incorporar” propinas por sentenças.

Os CNPJs nunca tiveram funcionários cadastrados, diz a investigação. As empresas encerraram as atividades em 2024.

Venda de fumaça

O juiz requereu, por meio de sua defesa, acesso a todas as “informações digitais”. Ele questionou o rompimento do lacre do celular do lobista Zampieri no âmbito da 12.ª Vara Criminal de Cuiabá, “comprometendo a cadeia de custódia da prova extraída, induzindo, por esta razão, sua nulidade”.

Sobre o conteúdo de mensagens no aplicativo do lobista, Amarante negou que esteja envolvido com esquema de venda de sentenças. Ora alega que “tendo em vista o tempo que se passou, não se recorda das conversas”. Sobre uma frase de Zampieri que indica pagamento de R$ 200 mil “para nosso amigo de Vila Rica”, o juiz afirma que não recebeu nada.

“Não posso ser responsabilizado pela irresponsabilidade de advogado que se utilizou do meu nome indevidamente e sem o meu conhecimento”, diz.

Também argumenta que tomou decisão “contrária aos interesses de Roberto Zampieri”.

Em uma ocasião, após ser acionado por telefone pelo advogado, ele teria respondido. “Ótimo…vou ver se resolvo isso aí ainda hoje dr!!!!”. A defesa nega que essa frase caracterize alguma irregularidade. “Perceba que este ( o juiz), nada mais fez, responder o causídico e dizer, em outras palavras, que iria analisar o pedido”. “Vou ver, não há nada garantido, negado ou supostamente acertado.”

Amarante assevera que nunca favoreceu o lobista ou dele “recebeu qualquer vantagem indevida, em nome próprio, ou por intermédio de terceiros”. Salientou que, ao compartilhar o contato de sua mulher, “o fez com distinto propósito, não havendo o escopo de partilhar qualquer chave Pix com o causídico”.

Sobre a sucessão de conversas com o lobista, explicou. “Se tratam de conversas estritamente profissionais ou, então, em que terceiros, estranhos a mim, utilizaram-se de seu nome, totalmente sem seu conhecimento e sem seu consentimento, muito possivelmente na tentativa de se realizar a tão falada ‘venda de fumaça’ e/ou exploração de prestígio, utilizando-se, ilegalmente, do meu nome.”

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