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19/04/2024



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Lei do Lixo: os tortuosos caminhos de um estranho projeto

 Lei do Lixo: os tortuosos caminhos de um estranho projeto

André Lopes

 

Uma análise nos documentos que levaram à aprovação do Projeto de Lei que permite ao Paraná receber lixo de outros Estados revelam que as decisões tomadas nas várias instâncias por onde ele percorreu, dentro da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), foram tão estranhas quanto a rápida derrubada, pela própria bancada governista, de dois vetos do governador Ratinho Jr. ao projeto.

De autoria do deputado Tião Medeiros (PP), o projeto tem data de 8 de março de 2022. Nesse dia, recebeu o número 67/2022. Na justificativa, a necessidade de regulamentar as atividades de licenciamento, implantação e operação de aterros sanitários e industriais, bem como dispor sobre as atividades de gerenciamento de resíduos.

No mesmo dia, a servidora Danielle Requião, da Diretoria Legislativa, alertou, por meio do documento de número 3539/2022, que a proposta do deputado Tião Medeiros guardava “similitude com a Lei nº 20.607, de 10 de junho de 2021”, ou seja, o Paraná já dispunha de lei semelhante à proposta pelo deputado.

A lei 20.607 dispõe sobre o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Estado do Paraná e foi, na íntegra, anexada ao processo. Mesmo assim, o projeto seguiu adiante, conforme revela o despacho 2272/2022, assinado pelo diretor legislativo Dylliardi Alessi, que o encaminhou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 14 de março.

 

CCJ aprova em apenas um dia

Apenas um dia depois, em 15 de março, o presidente da CCJ, deputado Nelson Justus (União), e o relator da CCJ, deputado Paulo Litro (PSD), assinaram a aprovação da tramitação do projeto. Uma semana depois, em 21 de março, foi encaminhado para a Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais.

Dois dias depois, em 23 de março, talvez preocupado com a demora da análise pela Comissão, o deputado Tião Medeiros pede, conforme proposição de número 549/2022, regime de urgência na tramitação do projeto, aprovado na sessão plenária daquele dia.

Com o regime de urgência aprovado, a Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais teria que acelerar a análise do projeto. Nesse ponto as coisas começam a ficar cada vez mais estranhas.

 

Entidades reprovam o projeto

Três análises técnicas foram recebidas pelo presidente da Comissão, deputado Goura (PDT). Uma da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB/PR), assinada pela presidente da Comissão de Direito Ambiental Clarissa Bueno Wandscheer, com data de 27 de março; outra da Associação dos Engenheiros Ambientais do Paraná (Apeam), assinada pelo presidente da entidade, Luiz Guilherme Grein Vieira, com data de 25 de março; e a terceira, emitida pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo (CAOPMAHU), do Ministério Público do Paraná, com data de 25 de março, assinada pelo promotor de Justiça Alexandre Gaio, pela Química Ellery Regina Garbelini, pela engenheira ambiental Letícia Uba da Silveira Maraschin, pela assessora jurídica Alessandra Galli Apra, e pela auxiliar técnica Paula Broering Gomes Pinheiro, ambas da CAOPMAHU.

Todas as análises alertaram para a necessidade de debates mais profundos e fizeram críticas a vários pontos do projeto do deputado Tião Medeiros.

“Os itens em destaque, merecem um maior debate entre os representantes do Poder Legislativo do Estado do Paraná”, ressaltou a análise da OAB, que salientou vários erros no projeto.

Em igual sentido opinou a Apeam, alertando sobre a necessidade de discussões com entidades especializadas. “A proposição de um Projeto de Lei para a definição de critérios de licenciamento ambiental de Aterros Sanitários no Estado do Paraná deve ser procedida de discussões junto a entidades e conselhos profissionais; organizações ambientalistas; órgãos públicos; instituições de ensino; e sociedade civil organizada interessada no tema, devido ao potencial poluidor da atividade, fundamental para a regularização de áreas de disposição final de resíduos no Estado”, escreve a entidade.

A Apeam ainda sugere que a Assembleia Legislativa do Paraná promova “audiências públicas e debates técnicos antes da apreciação do referido PL por seus pares”.

Já o Ministério Público foi mais enfático, recomendando a “rejeição do referido Projeto de Lei e seu arquivamento, seja em razão da impropriedade de suas justificativas, seja em virtude da afronta à legislação estadual e federal e do desrespeito à Constituição do Estado do Paraná e à Constituição da República, seja ainda em razão do princípio da vedação do retrocesso ambiental”.

Apesar dos resultados e dos alertas preocupantes das três análises técnicas, jamais foram feitas as audiências sugeridas pelas entidades, nem tampouco qualquer debate técnico, assim como não houve o arquivamento do projeto.

 

Uma comissão, dois pareceres

Diante dessas análises, em 29 de março, o deputado Goura emitiu um documento, chamado Parecer de Comissão, de número 1008/2022, manifestando-se contrário à tramitação do projeto.

No dia seguinte, contrariando o parecer de Goura, o deputado Gugu Bueno, relator da Comissão, emite outro documento, também chamado de Parecer de Comissão, com o número 1029/2022, aprovando o trâmite do projeto.

Uma avaliação minimamente sensata, diante de dois pareceres completamente distintos, deveria propor uma maior discussão do projeto, com mais tempo, ouvindo entidades e técnicos, ou, até mesmo, o arquivamento. Ao contrário, não foi o que aconteceu. No dia 30 de março, o documento 3909/2022 informava que o parecer contrário de Goura havia sido rejeitado pelos demais membros da Comissão e o relatório, em separado, do deputado Gugu Bueno havia sido aprovado, liberando o projeto para seguir o trâmite, sendo encaminhado para a Diretoria de Assistência ao Plenário.

 

Emenda é rejeitada rapidamente

No dia 4 de abril, o projeto do lixo recebeu uma emenda, durante a sessão plenária, forçando uma nova análise, dessa vez da emenda, pela CCJ, presidida pelo deputado Nelson Justus. Novamente, de forma extremamente rápida, a Comissão precisou de apenas um dia para analisar e rejeitar os oito pedidos de supressão de artigos do projeto.

Se há alguma vitória aos deputados de oposição, eles conseguiram, também no dia 4 de abril, aprovar a mudança da emenda anterior de supressiva para subemenda substitutiva geral. Esgotados os trâmites nas comissões, o projeto estava liberado para ser votado em plenário.

 

Projeto é aprovado em votação simbólica

Nenhum argumento das entidades técnicas foi capaz de convencer os deputados paranaenses da necessidade de mais discussão sobre o projeto.

A sessão que aprovou a redação final do projeto ocorreu em 2 de maio deste ano, na 36ª sessão ordinária, e em votação simbólica. Logo, não há registro, no site de transparência da Alep, da votação individual dos deputados. No mesmo dia foi encaminhado à Casa Civil do Governo do Paraná para sanção do governador.

A rapidez com que um projeto tão importante para o Paraná tramitou é assustadora. Foram pouco mais 50 dias entre o protocolo do projeto de Lei e o envio ao governador que, preocupado com o meio ambiente e com a qualidade de vida dos paranaenses, devolveu o projeto à Assembleia no dia 23 de maio com dois vetos. Estranhamente, o documento 4833/2022, de 26 de maio, diz que a lei foi sancionada parcialmente pelo governador, já em 23 de maio, bem antes da votação dos vetos.

 

Deputados do governo ignoram vetos do governador

Os vetos do governador Ratinho Jr. ao projeto mereciam uma análise mais atenta dos deputados governistas. Ao contrário, foram derrubados em poucos minutos. No documento enviado à Assembleia, Ratinho Jr. mostra-se preocupado com os efeitos da proposta do deputado Tião Medeiros. “Justifica-se a necessidade de veto do referido dispositivo por tratar-se da liberação da recepção pelo Paraná, de resíduos que foram proibidos de destinação para o nosso Estado, conforme estabelecido na Resolução nº 109/2021 do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEMA. Isto porque, tratam-se de resíduos classificados como perigosos e de difícil tratabilidade e que, na maioria dos casos, são de difícil disposição no Estado de origem devido a restrições estabelecidas pelo respectivo órgão ambiental”, argumenta o governador.

Em outro trecho do documento, o governador reforça que a liberação da entrada de lixo de outros Estados no Paraná “acarretará em possíveis impactos ambientais significativos, inclusive com prejuízos aos critérios de sustentabilidade que apontam o Paraná como o Estado mais sustentável do Brasil, afrontando o interesse público”.

Ratinho lembrou, ainda, que a proposta “contraria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, pois a não proibição da destinação final desses resíduos em aterros no Estado do Paraná, acabará por incentivar tal prática”.

Os apelos do governador não sensibilizaram os deputados governistas, empenhados em aprovar uma lei que contraria a Constituição do Paraná, ambientalistas, entidades de preservação do meio ambiente e a sociedade civil como um todo.

Os vetos do governador foram apreciados, e aprovados, pela CCJ no dia 7 de junho. No dia 25 de julho, na sessão 72ª ordinária, sem qualquer discussão e de maneira rápida, 29 deputados da base do governo não tomaram conhecimento dos apelos de Ratinho Jr. e, como um trator, derrubaram os coerentes vetos do governador. 13 deputados de oposição votaram pela manutenção dos vetos e 12 não votaram.

A lei está valendo. Deputados de oposição prometem ir à Justiça para barrá-la. Até que isso aconteça, o Paraná poderá receber, em qualquer aterro do Estado, lixo de qualquer natureza proveniente de qualquer lugar do Brasil.

O HojePR vai ouvir as entidades citadas nesse texto, além de outras também importantes, para conhecer a opinião delas em relação à lei aprovada. O portal está disponível, ainda, para esclarecimentos dos deputados citados.

 

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