Os medicamentos da classe dos análogos do GLP-1, como o Wegovy (semaglutida) e o Mounjaro (tizerpatida), revolucionaram o tratamento da obesidade, mas, se o tratamento é interrompido, é comum que o peso volte, e isso pode ocorrer em menos de dois anos, conforme mostrou uma pesquisa recente. Mesmo pacientes que são submetidos a cirurgias bariátricas, procedimento que consiste em uma “redução do estômago”, podem voltar à obesidade — isso pode ocorrer com até 15% dos pacientes de cinco a dez anos após a intervenção, de acordo com este estudo.
“O reganho de peso é um problema sério, que precisa ser resolvido de alguma forma. Pacientes que interrompem o uso dos análogos do GLP-1 voltam a ganhar, e ganham até mais do que tinham no início (do tratamento). Nesse processo, recuperam mais massa ‘gorda’ do que magra”, alertou Licio Velloso, professor de Clínica Médica e coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante o XXI Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, realizado entre os dias 29 e 31 de maio em Belo Horizonte.
Em painel sobre os possíveis mecanismos envolvidos no reganho de peso, Velloso e outros especialistas discutiram como a manutenção do peso vai muito além do “coma menos, se movimente mais” e explicaram como ela pode ser sabotada por vias complexas e sofisticadas, que passam pela inflamação em uma pequena estrutura do cérebro, hormônios intestinais desregulados e a “memória” do tecido adiposo.
Hipotálamo
O interesse pelo hipotálamo, uma pequena estrutura cerebral localizada na base do encéfalo, remonta ao final dos anos 1990, quando foi descoberta a leptina, um hormônio importante para o balanço energético (ingestão x gasto calórico), ao sinalizar ao corpo quanta energia já está armazenada na forma de gordura.
A quantidade de leptina acompanha a de gordura corporal. Para executar sua função, o hormônio precisa se ligar a receptores, que, nesse caso, estão justamente no hipotálamo. Essa ligação pode levar à redução da fome e ao incentivo do gasto de energia, ou ao contrário.
Como a leptina é produzida pelas células de gordura (adipócitos), era de se esperar que estivesse aumentada no sangue de pessoas com obesidade. Isso realmente acontece, mas o cérebro parece não responder bem ao sinal que ela traz, como se criasse uma “resistência” a ela, impedindo a ligação.
Por quê? É essa exata pergunta que movimenta Velloso e a equipe dele desde o início dos anos 2000. Ao tratar camundongos com uma dieta rica em gordura, perceberam a ativação de uma resposta inflamatória no hipotálamo.
Depois, em busca de qual componente da dieta estava desencadeando a inflamação, perceberam que eram os ácidos graxos saturados de cadeia longa, um tipo de molécula de gordura – entre eles, o ácido palmítico – presente em carnes, laticínios e óleo de palma. “O que foi uma má notícia”, afirmou ele.
Isso porque a gordura saturada é um dos principais componentes das dietas ocidentais. “Em algumas delas, aproximadamente 60% da gordura que se come é ácido palmítico”, disse.
Os estudos do grupo apontaram que pouco tempo de exposição a esses fatores nutricionais já era suficiente para ativar a resposta inflamatória. Em poucas semanas da dieta rica em gordura, camundongos já chegavam a apresentar morte neuronal. Perdiam justamente neurônios responsáveis pela redução de fome, gerando um desequilíbrio.
Boa parte dessas descobertas foram obtidas após sacrificar esses camundongos e fatiar o hipotálamo deles — com autorização do comitê de ética. Mas somos diferentes de camundongos. O estudo em humanos tem sido feito com ressonância magnética.
Uma pesquisadora do grupo dele, por exemplo, analisou, utilizando técnicas de neuroimagem, como diferentes pacientes respondiam a infusões de glicose, e descobriu que aqueles que vivem com obesidade têm uma resposta menor a ela do que pessoas magras. A perda de peso ajuda a melhorá-la, mas não totalmente, apontou o estudo.
Estudos, principalmente em camundongos, mas também em humanos, que tentam, de diversas maneiras, solucionar a inflamação, têm conseguido resultados positivos, conta Velloso. O grupo dele, por exemplo, está dedicado à neurogênese, isto é, à recuperação daqueles neurônios que reduzem a fome.
Velloso acredita que a inflamação do hipotálamo é um dos importantes fatores para o ganho de peso após o emagrecimento. “Por que não posso bater o martelo? Temos poucos dados em humanos.”
‘Memória’ do tecido adiposo
Também no painel sobre o tema, o doutor em Ciências Biológicas e pesquisador Marcelo Alves da Silva Mori destacou como a relação entre obesidade e mudanças epigenéticas – aquelas que não alteram o DNA em si, mas definem quais genes serão expressos em cada indivíduo – também podem estar envolvidas com a dificuldade em manter o peso perdido.
Os mecanismos por trás dessas mudanças epigenéticas são amplamente influenciados pela maneira como e onde a gente vive. Isso inclui exposição à poluição, exercício físico e dieta, por exemplo — quando o assunto é obesidade, essa última parece especialmente importante.
Um estudo, publicado no final do ano passado na respeitada revista científica Nature, mostrou que a obesidade parece deixar marcas epigenéticas duradouras no tecido adiposo. Como se fosse uma espécie de “memória”, explicou Mori.
Ou seja, mesmo após a pessoa perder uma quantidade significativa de peso, muitos genes das células de gordura continuavam funcionando como antes, quando a pessoa vivia com obesidade.
O estudo foi feito analisando amostras de tecido adiposo humano e com experimentos em camundongos para testar algumas hipóteses dos pesquisadores — os animais eram expostos a uma dieta rica em gordura e, depois, passavam por uma para perder peso.
Quando esses animais eram colocados novamente numa dieta rica em gordura, eles ganhavam peso com mais facilidade, contou. “Isso sugere que esses mecanismos epigenéticos podem se aplicar ao efeito ioiô.”
Teoria dos hormônios intestinais: ultrapassada?
Ainda no painel, a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e endocrinologista Sylka Rodovalho destacou no painel que uma teoria que já foi apontada como um dos mecanismos do reganho de peso está sendo questionada.
Datada de 2012 e baseada em estudos que avaliaram pacientes submetidos a dietas para perda de peso e à cirurgia bariátrica, a teoria da compensação propõe que o indivíduo “emagrecido” nunca voltaria a se assemelhar a alguém magro.
A ideia por trás disso é que, após o emagrecimento, o corpo entraria numa espécie de “modo de defesa”, promovendo adaptações na secreção de hormônios intestinais — aqueles liberados quando nos alimentamos. Enquanto a grelina, conhecida como hormônio da fome, permaneceria elevada, hormônios ligados à saciedade, como o GLP-1, teriam sua produção reduzida.
Segundo ela, cada vez mais se vê que os estudos que embasaram essa teoria não são comparáveis entre si. Ou seja, cada um utilizou uma metodologia diferente — seja no tipo de dieta prescrita, no protocolo para coleta dos hormônios (em jejum ou após a refeição), na duração do acompanhamento e até no controle de variáveis como massa magra, sexo e tipo de exercício físico. Essa heterogeneidade torna difícil chegar a conclusões sólidas sobre o real papel desses hormônios na recuperação de peso.
Foi nesse contexto que Sylka apresentou aos colegas um estudo liderado pela pesquisadora Cátia Martins, da Universidade do Alabama em Birmingham (UAB), que propõe uma mudança de paradigma: a teoria da normalização.
O trabalho acompanhou pessoas com obesidade que perderam cerca de 17% do peso corporal e mantiveram essa perda por um ano. Esses participantes foram comparados a indivíduos de peso normal, pareados por massa magra e massa gorda, e avaliados em três momentos: antes do emagrecimento, 13 semanas depois e após um ano.
O estudo mostrou que, sim, a fome e a grelina aumentaram após a perda de peso. No entanto, os hormonais tenderam a se estabilizar nos mesmos patamares dos indivíduos magros. Isso sugere que as alterações não seriam mecanismos compensatórios anormais, mas, sim, ajustes fisiológicos.
“Acredito que existe um papel fisiológico dos hormônios gastrointestinais, que difere do papel farmacológico (isto é, difere das canetas de análogos do GLP-1, por exemplo): acho que eles controlam o nosso apetite, mas talvez não o nosso peso”, hipotetiza.
“Discutir recuperação de peso é extremamente desafiador porque estamos lidando com uma série de processos, que envolvem vias metabólicas, hormonais, epigenética e genética”, finaliza.
(Ilustração gerada por IA)