Eu adorava os sábados em que meu pai não ia pescar. A mãe me vestia, calça curta, camisa azul clara e suspensório, mandava calçar os sapatos pretos e penteava meu cabelo. Então a gente saía, nós dois, o velho me levando pela mão.
Primeiro ele passava no sindicato, para discutir uns assuntos. Nunca soube quais eram, mas eu gostava: um sujeito lá pintava cartazes e me deixava ficar olhando. O cheiro de tinta era agradável. Bem na frente tinha uma mangueira, onde eu tentava procurar morcegos. Meu pai explicava que os morcegos não saem antes do anoitecer. De dia eles são cegos, perdem o rumo. Estranhos, os morcegos.
Depois, íamos até a Associação dos Cronistas Esportivos, onde ele era diretor. Acho que seu trabalho era atender quem passava pela cidade em dia de jogo. Uma noite levou um gordinho de bigode, que carregava uma maleta pesada, para um lanche rápido lá em casa. Aí saíram apressados para o campo. A questão era saber se Gaivota iria jogar – e sem Gaivota as coisas poderiam complicar pra nós, disse meu pai.
Por último ele passava no café, para encontrar a corriola, Coxinha, Cassou, Beno, Mellin. Isso durava até perto do meio-dia, quando pedia licença. Alguns atravessavam a rua para um aperitivo no bar do Joques, mas meu pai não gostava de ir quando eu estava com ele. O Estevão, dono do Joques vivia na porta do bar, limpando as mãos numa toalha. Joques eram como chamavam o boteco, mas o nome do lugar era Joke’s, com a figura de um coringa ao lado.
Meu pai explicou o que era coringa, uma carta que não tem valor, mas pode ter todos. “Entendeu? Não? Mais tarde me lembre de pegar o baralho que você vai entender”.
No caminho de casa tinha um banco, Petersen&Bro. Eu quis saber o que era aquele &. Um símbolo comercial, disse. Tem o mesmo som de “e”.
Fiquei com aquilo na cabeça. Na segunda-feira, enquanto o professor Borboleta escrevia no quadro, desenhei o & e passei para o colega ao lado:
– Sabe o que é isso? Símbolo comercial.
Ele passou para o seguinte: “símbolo comercial”.
E assim foi até o professor virar de frente para a turma.
– Você aí, me traga esse papel.
Olhou o desenho, levantou os olhos injetados:
– Quem desenhou?
Levantei o dedo.
– O que significa isso?
– Símbolo comercial, professor.
– Quem te ensinou?
– Meu pai.
– O que mais ele te ensina?
– O valor do coringa, professor.
– De castigo, lá fora, encostado na coluna em posição de sentido.
– Está frio, professor.
– Deveria ter pensado na temperatura antes de desenhar besteira.
Borboleta sempre foi um babaca. Jamais conheceu as maravilhas daqueles sábados de antigamente.