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07/09/2024

CULTURA

115 anos da imigração japonesa: conheça a história de três artistas que floresceram da cultura nipônica

Por Jaine Vergopolem

 

O Brasil comemorou, no último domingo (18), os 115 anos da imigração japonesa, uma importante data que marca a chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao país. Em 18 de junho de 1908, o navio Kasato Maru desembarcou no Porto de Santos trazendo os pioneiros em busca de novas oportunidades e uma vida melhor.

 

O Brasil abriga a maior população de origem japonesa fora do Japão, com aproximadamente 1,5 milhão de nikkeis, descendentes de japoneses que contribuíram significativamente para o desenvolvimento e enriquecimento cultural do país.

 

No Paraná, as cidades de Maringá e Londrina concentram o maior número de descendentes de imigrantes japoneses. Em Curitiba, muitos japoneses chegaram a partir de 1915 e se estabeleceram em bairros como Uberaba, Campo Comprido, Santa Felicidade e Araucária.

 

A celebração dos 115 anos da imigração japonesa no Brasil destaca não apenas a história e as conquistas dos imigrantes, mas também o legado cultural deixado por eles. Muitos artistas nikkeis têm se dedicado a explorar suas origens e a promover a cultura japonesa, mesmo que de forma independente.

 

Dentre os artistas nikkeis no Paraná, destacam-se Julia Ishida e Sandra Hiromoto, que estão muito envolvidas com a promoção da cultura e arte. Elas têm se dedicado a trabalhos que exploram elementos da cultura japonesa e estabelecem conexões entre o Brasil e o Japão. Além delas, também é importante mencionar a artista Tânia Machado, que mantém viva a tradição artística em Maringá.

 

Rosemeire Odahara, professora da Unespar e pesquisadora dos artistas japoneses no Paraná, fala que “é importante ressaltar que, embora existam poucos artistas no Paraná que se referem a migrações mais recentes, como as do século XX, há uma diversidade de artistas de diferentes gerações e estilos artísticos. Alguns exploram a dança e as artes visuais, enquanto outros estabelecem diálogos entre a contemporaneidade e tradições mais antigas do Japão, não apenas em termos de técnicas de representação, mas também em termos temáticos”.

 

Abraçar as origens e transmitir a identidade cultural através da expressão criativa é o que as artistas contemporâneas Julia Ishida, Sandra Hiromoto e Tania Machado fazem. Elas nos contam suas histórias, inspirações e aspectos da cultura nipônica que permanecem no seu cotidiano. Acompanhe nos perfis abaixo:

 

R A Í Z E S

Artista plástica Tania Regina Machado.

Curitiba, 1960. Residente em Maringá, Paraná.

 

Meu avô, Ângelo Kamada, percorreu boa parte do Brasil para encontrar no Paraná a sua morada. Creio que esse espírito de viajante, que busca novos olhares, novas paisagens, esteja firmemente presente em nós, descendentes de pessoas de outros continentes, que se deixam mesclar com o que lhes inspira e atrai, mas também imprimem sua marca por onde passam.

 

O momento em que o desejo da expressão artística surgiu em mim foi na observação das criações que a minha mãe fazia – e faz – com a lã, com o bordado, com as bonecas de feltro, com a costura de nossas vestimentas. Esse prazer em manufaturar tem suas raízes na minha avó, Angelina, que atravessou o oceano, vinda de Hokkaido, Japão, na década de 1920, e se estabeleceu juntamente com a sua família, em Curitiba, no Paraná. Essas habilidades com as cores, com as formas, com as texturas, foram fundamentais no meu gosto pela criação, assim como os lápis, as canetinhas, as aquarelas, presenteadas em datas especiais.

 

Artista plástica Tania Machado. Foto: acervo pessoal.

 

Percebi, desde cedo, que a melhor forma de realizar as minhas criações era com a representação figurativa, e é o que faço até hoje. Realizei a carreira profissional na Universidade Estadual de Maringá, como professora de linguagem visual, o que possibilitou unir as minhas produções e as experiências com os meus alunos e grupos de estudos.

 

A minha maior fonte de inspiração é a natureza, o que me faz, ultimamente, me dedicar ao estudo de insetos e à flora botânica. Aprecio os detalhes, as minúcias, os desafios. Percebo também que, sempre estive interessada nos objetos criados pelo ser humano, quer seja um relógio, uma roupa, uma cadeira. E no ser humano mesmo. Esse olhar também se estende à arquitetura e suas interferências na natureza. São nelas que encontro essa parte das minhas origens, impregnada de histórias contadas por minha mãe, fundidas em mim: aquele gesto, aquelas linhas, aquela atmosfera. E é com base nessas características que sempre me permito elaborar uma nova série, fruto de vivências e observações.

 

Imagem fotográfica da pintura “ Mapas das cidades distantes” técnica mista (acrílica, óleo e lápis Polychromos sobre tela), dimensões 140 x 120 cm, 2016. 

 

Ao longo dos anos e após várias mostras, sinto que o que faço encontra uma aproximação com algumas pessoas, e é com elas que os meus trabalhos convivem, em seus espaços de apreciação. Também experimentei outros processos como a gravura – especialmente a xilogravura- e a cerâmica. Essa última me leva ao universo japonês, da herança sólida e duradoura, e na simplicidade virtuosa de artistas como Taizo Kuroda. Tenho especial admiração e afeto pelos ceramistas que conheço, como a Suzan Yoko e o Shima, que são artistas nikkey, e demonstram, com determinação e disciplina, as origens japonesas.

 

Artista plástica Tania Machado. Foto: acervo pessoal.

 

Hoje percebo melhor a cultura nipônica, quer seja nas escritas monocromáticas, nos bordados significativos, nas pinturas dos pergaminhos japoneses- Kakemono. E também nas tradições culturais, imersas na vida contemporânea. Os Haikai de Bashô sempre se renovam em mim, a cada nova leitura. Mas também me encontro na arte vivaz de artistas como Takashi Murakami e Yoshitomo Nara, meus preferidos.

 

Desenvolvo, já há alguns anos, algumas séries de pinturas e desenhos sob um olhar de viajante. O texto que norteou os primeiros desenhos foi de Gaston Bachelard (1884-1962), sobre os espaços poéticos de uma casa – a poética do espaço.

 

C H A M A D O

Artista plástica Sandra Hiromoto.

Residente em Curitiba.

 

Aos 30 anos, decidi buscar meu verdadeiro chamado e mergulhei nos cursos livres de arte. Comecei a enviar minhas obras para exposições em cafés e, posteriormente, participando de salões de arte, mostras em museus e espaços culturais renomados. Comecei minha jornada artística. Já era formada em Desenho Industrial pela PUC/PR, mas não era aquilo. Com uma especialização em Poéticas no Ensino da Arte Contemporânea, concluída em 2005, encontrei o suporte necessário.

 

Exploro diversos estilos e técnicas em meu trabalho. É uma fusão harmoniosa de tinta acrílica e o uso de spray com estêncil. A tela de expressão é ampla. Uso desde telas tradicionais até paredes e objetos. A inspiração surge tanto do cotidiano quanto das viagens. Acredita que a observação atenta do dia a dia e a exploração de novos lugares despertam a criatividade e permitem capturar as experiências vividas nas obras.

 

Artista plástica Sandra Hiromoto. Foto: acervo pessoal.

 

A cultura nipônica desempenha um papel fundamental. Em minhas criações, é possível sentir a forte presença dessa herança cultural. Seja retratando mulheres japonesas vestindo kimonos ou pintando paisagens de Sakura. A apropriação de desenhos das gravuras japonesas, conhecidas como Ukiyoe, amparam a adição de dimensão. Entre todas as obras, a série “Say Hai” é a que possui uma conexão mais profunda com suas raízes nipônicas e a comunidade nikkei. Nessa série, retrato mulheres japonesas vestidas de quimono, inspirando-se nos desenhos das gravuras Ukiyoe.

 

Me conecto com as raízes nipônicas através da organização de mostras de arte que envolvem artistas nikkeis. Essa interação proporciona uma imersão no universo de cada artista e fortalece os laços com sua cultura de origem. E no cotidiano, a minha família mantém uma forte conexão com as raízes japonesas. Comemos bastante comida japonesa no dia-a-dia de forma natural. Converso em japonês com minha mãe, ouço músicas japonesas, e amamos tudo que vem do Japão.

 

Sakura, 160x100cm, 2022. Acrílica e spray sobre tela.

 

Acredito que a minha obra é reconhecida e valorizada. Dois momentos foram muito marcantes. O primeiro ocorreu em 2008, quando recebi um convite para expor no Japão, na prestigiosa mostra Hyakunen no Ayumi Ten, realizada em Kobe, Ehime, Yokohama e Kumamoto. Essa exposição comemorava os 100 anos de imigração japonesa e contou com a participação dos principais artistas japoneses e descendentes. Fui selecionada como artista revelação, uma honra, que reconheceu o meu talento e contribuição para a expressão artística nikkei.

 

Outro momento marcante ocorreu em 2016, quando realizei uma exposição individual e participei do espetáculo “Fernanda Takai live & Sandra Hiromoto art” em Toyohashi, no Japão. Essa exposição e colaboração artística foi uma oportunidade única para compartilhar meu trabalho com o público japonês e fortalecer ainda mais os laços entre a arte e minhas raízes.

 

C O N E X Ã O

Artista plástica Julia Ishida.

Residente em Curitiba.

 

No dia a dia, a cultura nipônica acompanha. Traços de acumuladora e, novamente adoro a solidão. Acho que a família está muito inserida na minha vida, mesmo sendo católica, minha família de meus pais praticam o budismo, nós temos um dia santo da família onde duas vezes ao ano, reúne-se com oferendas doces ou frutas ao santo e depois são distribuídas a todos que foram rezar e acender um incenso. É legal essa tradição familiar. Eu não sei se será repassado para minha próxima geração. Uma pena.

 

Artista plástica Julia Ishida. Foto: acervo pessoal.

 

A cultura japonesa e a comunidade nikkei são fontes constantes de inspiração. Depois de um período de negação de origens, aceitei e incorporei as tradições nipônicas e a história de meus antepassados em minha arte. Busquei estabelecer uma conexão entre a cultura oriental e ocidental, utilizando elementos compositivos orientais, que lembram a pintura ocidental. Como a paisagem, que desempenha um papel fundamental em minha expressão artística, muito presente na tradição japonesa.

 

O desenho desde a infância esteve presente. Tive influência pelo estilo mangá, comum entre os orientais. Logo me encantei pela técnica da pintura em tela. Depois de trabalhar por mais de uma década na área de seguros, decidi que era hora de abandonar essa carreira e me dedicar às artes. Assim, ingressei na Escola de Belas Artes e comecei a explorar e estudar artistas que me inspiraram tanto pela poética quanto pela técnica.

 

Encontrei referências artísticas em Anselm Kiefer, que influenciou em relação à textura e composição, direcionando o foco do espectador para o primeiro plano da obra. Também me inspirei em mestres como Van Gogh, Cézanne e Iberê Camargo, buscando aperfeiçoar a textura pictórica em minhas próprias criações. Durante essa fase, estava focada principalmente na busca de minha própria linguagem artística, priorizando a técnica.

 

Desenho, grafite sobre papel canson. 2021

 

Embora a influência da cultura oriental estivesse presente de forma mais discreta em minhas composições anteriores, a partir de 2016, embarquei em uma pesquisa sobre a arte Zen budista, que passou a desempenhar um papel mais significativo em minha produção. Explorei questões como o vazio, o zen e a relação entre espaço e tempo. É difícil se enquadrar em apenas um estilo artístico. Me expresso por sensações e sentimentos, como isolamento, solidão e vazio, e as paisagens de pedras são uma forma de representar esses temas. Nas obras permito que o espectador vá além da mera imagem pictórica, explorando diferentes camadas e significados.

 

Estou conquistando aos poucos. Espaço e reconhecimento. O momento mais marcante foi quando ganhei o Salão Paranaense logo após concluir os estudos na Escola de Belas Artes. Esse momento foi crucial para confirmar a minha decisão em seguir a carreira artística.

 

Óleo sobre tela, poliptico, 1,70 x 5,90m. Obra que foi exposta no MON, hoje faz parte do acervo. 

 

Outro momento importante foi a participação na co-curadoria e na exposição “Olhar Incomum – Japão Revisitado” em 2016, realizada no Museu Oscar Niemeyer (MON) em Curitiba. Essa experiência me proporcionou uma grande oportunidade de produção e colaboração com outros artistas, além de ter a chance de expor minhas obras em um museu de renome internacional. Me senti honrada em criar uma obra que estivesse à altura desse espaço cultural.

 

Um período significativo em minha carreira, foi quando lecionei desenho e pintura na UEPG e na UNESPAR/FAP. Essas experiências enriquecedoras permitiram ampliação da minha percepção artística e aprimoramento na capacidade de análise. Essa troca de conhecimentos e diferentes olhares contribuíram para meu crescimento como artista. 

 

A vida, a oportunidade de poder pintar e desenhar e poder expor em algum momento.

 

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