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DENNISON-CABECA-COLUNA

80 anos dos combates de Collecchio e Fornovo

29/04/2025

Entre os dias 26 e 29 de abril de 1945 foram travados os últimos combates da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Campanha da Itália. Nas localidades de Colecchio e Fornovo os brasileiros combateram e obrigaram a rendição efetivos inimigos muito superiores em número, obtendo uma vitória expressiva e gloriosa.

No final de abril de 1945 parte da FEB, participando da Ofensiva da Primavera desencadeada pelos exércitos Aliados, estava em perseguição aos alemães em retirada. As tropas alemãs estavam se retirando para o norte do Vale do Rio Pó, buscando atingir os Alpes austríacos. Graças à diversas ações retardadoras, os inimigos contavam com pelo menos dois dias de vantagem sobre seus perseguidores brasileiros. Contudo, um importante efetivo do Eixo, o Exército da Ligúria, havia ficado para trás, na sua fuga para os Alpes. Sua destruição logo se converteria em prioridade para o comando Aliado.

O primeiro choque entre brasileiros e alemães ocorreu por conta da ação do Esquadrão de Reconhecimento (ER), o qual operava veículos blindados M8 Greyhound sobre rodas e armados com uma torre com um canhão e uma metralhadora. Os carros brasileiros encontraram no dia 26 de abril na localidade de Collecchio com veículos inimigos de reconhecimento similares, de dois batalhões da 90ª Divisão de Granadeiros Blindados (PanzerGrenadier), que atuavam como vanguarda para a 148ª Divisão de Infantaria alemã.

Tratava-se de duas das mais temidas unidades inimigas. Ambas, havia tempos, estavam no centro das preocupações do comando estadunidense. Uma delas, a 148ª DI, era o cerne do Exército da Ligúria, o qual englobava outras duas divisões de infantaria do remanescente regime fascista de Benito Mussolini; a outra, a 90ªPG, era parte das últimas reservas móveis alemãs na frente italiana.

Ao tomar conhecimento da descoberta o comandante da FEB, General Mascarenhas de Morais, conduziu pessoalmente com seu Jeep uma coluna de caminhões, levando uma companhia do II Batalhão do 11 Regimento de Infantaria (RI) em socorro ao ER. Era essencial ocupar a cidade para bloquear, em definitivo, a passagem dos alemães por ali. Com a posterior chegada das demais companhias desse batalhão e mais outras duas companhias do 6º RI teve início um contra-ataque brasileiro.

No final da noite do dia 26 de abril apareceram mais reforços para os brasileiros na forma de três Companhias de Infantaria adicionais junto com um pelotão de quatro tanques médios americanos, os quais chegaram já carregando soldados brasileiros sobre os veículos. As cinco companhias de infantaria brasileiras foram empregadas em ação logo ao raiar do dia 27 de abril.

Próximo ao fim dos combates, a intervenção dos tanques estadunidenses permitiu anular os últimos pontos de onde os alemães ainda ofereciam resistência, levando-os a abandonar Collecchio. Eles perderam 395 prisioneiros, dos quais 17 oficiais, muitos estoques de material bélico, e uma centena de cavalos em poder dos brasileiros. Essa rápida vitória custou aos brasileiros um morto e 16 feridos. Dentre as muitas dezenas de alemães mortos no combate se encontravam vários oficiais de alta patente, inclusive o coronel comandante daquela força.

A perseguição aos alemães batidos em Collecchio seguiu em frente, em direção a Fornovo, distante apenas 13 Km por rodovia. Perto dali o Esquadrão de Reconhecimento estabeleceu ligação com tanques de um outro pelotão estadunidense que também operava na região. Na região também havia centenas de guerrilheiros que informavam constantemente sobre os efetivos e posições alemãs.

No dia 28 de abril os elementos que compunham a vanguarda alemã vencidos em Collecchio acabaram por recuar para Fornovo. O Esquadrão de Reconhecimento e o 6º RI, com seus três batalhões, começaram a ocupar diversas localidades do entorno de Fornovo. No total, eram cerca de 3.400 homens, de diferentes unidades da FEB, tentando cercar a povoação. O problema é que os alemães somavam o equivalente a mais de 15.000 homens – só que nenhum dos lados, naquela época, sabia disso.

Ainda no dia 28 de abril de 1945 chegaram em apoio aos brasileiros duas baterias de canhões, somando oito peças de 105mm, uma companhia de engenharia do 9º Batalhão de Engenharia de Combate e uma companhia do 760º Batalhão de Tanques estadunidenses, somando cerca de 15 tanques médios Sherman. Os tanques estadunidenses se juntaram à infantaria brasileira durante os combates ao longo de todo dia 28 de abril, liderando os ataques aos alemães e seus blindados que, já contidos, iam sendo cercados.

No mesmo dia 28 de abril, a Intendência da FEB montou em San Polo d’Enza, distante 40 Km de Fornovo, uma seção de suprimentos. A dez quilômetros dali foi sediado o pelotão de caminhões da Companhia de Intendência incluindo seus caminhões cisternas de combustível. Os alemães, por outro lado, haviam perdido quase todas suas bases logísticas, capturadas em Collecchio.

Nas primeiras horas do dia 29 de abril, fortemente apoiados por fogo de artilharia, os alemães desfecharam diversos contra-ataques aos brasileiros, todos de grandes proporções. Os alemães estavam aproveitando a escuridão para tentar reabrir uma passagem rumo ao norte e retomar a retirada. Os elementos do I Batalhão do 6º RI que defendiam essas posições não se deixaram intimidar, mantendo seus postos, geralmente em abrigos individuais cavados às pressas no chão, os fox holes, infligindo com o fogo de suas armas portáteis e morteiros numerosas perdas aos alemães.

Ainda na noite de 29 de abril, representantes do comando da 148ª DI, cujos integrantes seguiam lutando duramente nos acessos a Fornovo, se apresentaram sob a proteção de uma bandeira branca aos brasileiros, para propor a rendição. O encontro ocorreu na frente do I Batalhão do 6º RI na localidade de Ponte Scodogna, cuja posse ainda era intensamente disputada pelas forças em confronto. Eram três oficiais alemães, um dos quais era o chefe do estado-maior da divisão. Dali foram levados ao Posto de Comando do 6º RI.

Os representantes alemães se comunicaram com os brasileiros em italiano, espanhol e francês, pretendendo obter os melhores termos possíveis para a rendição. Os intensos e prolongados combates de Collecchio e Fornovo, haviam mostrado, de forma inequívoca, a disposição dos brasileiros em não os deixar seguir em sua linha de retirada. Os brasileiros estavam se impondo a um inimigo que lhe era várias vezes mais numeroso. Fosse em cumprimento à ordem superior, fosse por cederem às suas motivações mais íntimas, estavam realmente empenhados os brasileiros em exterminar o inimigo. Os pracinhas exerciam a tarefa com afinco e – embora isso não seja admitido facilmente – com indisfarçável entusiasmo.

No dia 29, o comando estadunidense, ainda ignorando na sua inteireza os eventos com os quais se defrontavam os brasileiros, voltou a insistir nas ordens já dadas: “Ampla liberdade de ação para o comandante da FEB no quadro de aprisionar a 148ª DI alemã ou destruí-la”. Tratava-se da última unidade alemã capaz de embaraçar o andamento da Ofensiva da Primavera ou tentar fugir para a Áustria para seguir combatendo os Aliados.

Ao meio-dia de 29 de abril de 1945, o general Mascarenhas de Morais formalizou a aceitação da rendição das tropas alemãs. Todos os combates deveriam cessar e todos os alemães se dirigir ao local combinado, nas imediações de Ponte Scodogna. Ficou marcada para as 17 horas o início do cortejo de alemães em direção a esse local, para entrega de suas armas e envio deles aos campos de prisioneiros.

Os primeiros alemães a se entregarem foram os doentes e feridos, a maioria com gravidade. A primeira leva de 80 feridos foi transportada por 13 ambulâncias alemãs até as linhas brasileiras, sendo trazidos os demais logo em seguida. Teve início então o longo cortejo de militares alemães, com seus veículos, armas e cavalos, diante dos representantes do comando brasileiro. Pilhas de armas e munições iam se formando ao longo da estrada nos locais determinados. Foi destinada uma mesa para os oficiais deixarem suas pistolas. Tal mesa rapidamente desapareceu debaixo de quase mil Lugers.

No dia 30 de abril às 17 horas encerrou-se o processo de rendição. Exatos 14.779 militares do Eixo foram capturados, quase todos alemães. Também havia remanescentes do Exército Italiano, que permaneceram fiéis ao regime de Mussolini, incluindo o General Italiano Mario Carloni. A maioria foi conduzida para Collecchio onde ficaram aprisionados.

Do total de prisioneiros rendidos, foram separados seus 892 oficiais, inclusive o general Otto Fretter-Pico comandante da 148ª. DI, que foram despachados para um campo de prisioneiros na cidade de Modena. Também foram recolhidos 80 canhões de vários calibres com suas carretas de munição, 1.500 veículos, milhares de armas portáteis e 4.000 cavalos. A expressiva e gloriosa vitória brasileira custou quatro mortos e algumas dezenas de feridos.

O evento, conduzido com determinação e profissionalismo, em nada contribuiu para a preservação da Força Expedicionária Brasileira como única unidade do Exército Brasileiro treinada e experimentada em combate moderno. Em seis de julho de 1945, ainda antes de iniciado o retorno dos militares brasileiros à pátria, foi baixado um aviso do Ministério da Guerra desmobilizando os convocados da FEB.

Com isso, perdeu o Brasil a oportunidade de se projetar como potência mundial ao participar como tropa de ocupação na Europa do pós-guerra; perdeu também a chance de usar a FEB para modernizar e atualizar todo Exército Brasileiro; e, finalmente, perderam também os ex-pracinhas que, uma vez desligados da FEB, foram abandonados à própria sorte pelo governo na dura luta pelo processo de reintegração social dos veteranos de guerra à vida civil.

É importante rememorar o processo de desmobilização da FEB pela sua importância como exemplo tanto de oportunidades perdidas quanto de atitude irresponsável para com os interesses da Segurança Nacional e do processo de reintegração social dos ex-combatentes. A esse respeito veja a coluna  “Os EUA e a desmobilização da Força Expedicionária Brasileira (1945)” disponível aqui (https://hojepr.com/os-eua-e-a-desmobilizacao-da-forca-expedicionaria-brasileira-1945/)


Dennison de Oliveira é Professor Sênior no Mestrado Profissional em Ensino de História na UFPR e autor de “Extermine o inimigo: blindados brasileiros na Segunda Guerra Mundial” (Juruá Editora, 2015) disponível aqui (https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=24316)

Veja e baixe fotos inéditas da rendição alemã aos brasileiros do acervo do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs depositadas no National Archives at College Park (EUA) reproduzidas por Dennison de Oliveira aqui (https://drive.google.com/drive/folders/0B4_vcLWzR_ouOFE3MGJBblVlOHc?resourcekey=0-bexRnFkoZpQ92vojTNwqMQ&usp=sharing)

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