Ao se aproximar o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) começaram as discussões sobre o destino a ser dado à Força Expedicionária Brasileira (FEB), então engajada em combate na frente Italiana (1944-1945). O governo de Getúlio Vargas foi sondado pelos EUA sobre a possibilidade de manter a FEB na Áustria como tropa de ocupação. Tal oferta não chegou a ser considerada. A FEB acabou sendo desmobilizada, contra os desejos e as pressões das autoridades militares dos Estados Unidos da América (EUA).
Ao recusar tão honroso e estrategicamente decisivo convite para a FEB atuar como tropa de ocupação na Áustria poderia se presumir que o Brasil não podia ou não queria renunciar aos seus ex-combatentes, os valorosos pracinhas. É de se imaginar que o Exército contasse com eles a fim de atuar como instrutores e professores dos integrantes das demais unidades militares do Brasil. A experiência e conhecimento que acumularam na recente luta seriam indispensáveis ao pretendido esforço de modernização do Exército Brasileiro (EB), ainda em sua quase totalidade aferrado a práticas arcaizantes e métodos superados.
Contudo, também esse encaminhamento foi recusado. Ao invés disso, a FEB foi o mais rapidamente possível desmobilizada e seus membros dispensados do Exército às pressas e para sempre. Apenas a um pequeno número de militares, geralmente oficiais de carreira e praças com mais longo tempo de serviço, foi permitido continuar no Exército.
As razões para a desmobilização da FEB eram várias, todas de ordem puramente política. O então Ministro da Guerra de Vargas, General Eurico Gaspar Dutra, era candidato à sucessão presidencial e receava que os veteranos de guerra da FEB fossem cooptados pelos seus adversários políticos nas eleições que se aproximavam.
As providências de Dutra para neutralizar qualquer impacto político que a FEB pudesse ter são bem conhecidas. Em 21 de agosto de 1945, foi proibido o uso de símbolos e uniformes da FEB. Os ex-pracinhas também seriam proibidos de falar, narrar ou lembrar publicamente e sob qualquer meio os seus feitos na Campanha da Itália, alegadamente por razões de segurança. Era a forma de Dutra silenciar politicamente os ex-combatentes.
Outra motivação de ordem política para o Ministro da Guerra ter imposto uma desmobilização integral era combater a suposta influência comunista sobre a FEB. A recorrente associação simbólica da FEB com o Exército Soviético como vencedores da luta contra o nazifascismo, bem como indícios isolados da ligação de alguns ex-combatentes com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), teriam sido suficientes para convencer Dutra que ele teria mais a ganhar do que a perder desmobilizando o mais rapidamente possível a FEB. A adesão do recém-legalizado PCB à Campanha Queremista que defendia a permanência de Vargas no poder também era vista como uma ameaça. Se Vargas permanecesse no cargo não haveria eleições, frustrando o projeto presidencial de Dutra.
Finalmente, uma outra razão política para Dutra dissolver a FEB era conter o processo de intensa americanização do EB. A FEB era a mais “americanizada” das unidades do EB e as autoridades militares estadunidenses contavam com a continuidade da Força para que seus membros atuassem como promotores e divulgadores dos métodos, doutrinas, táticas e produtos militares dos EUA. Uma das maneiras encontradas por Dutra para reduzir a americanização do Exército seria por meio da destruição da FEB. Contra isso se insurgiram as autoridades militares dos EUA que àquela época atuavam no Brasil.
O General Kroner, da Comissão Militar Conjunta Brasil-Estados Unidos, então com sede no Rio de Janeiro (RJ),
soube dos planos de desmobilização da FEB por meio do próprio Dutra em 22 de março de 1945. Inicialmente Dutra não teria cogitado de uma ampla desmobilização da FEB depois da cessação das hostilidades na Europa. Estava prevista a retenção no serviço ativo, por um período considerável, de oficiais e sargentos para assessorar o treinamento do EB.
Pouco depois o Major General Ord da Comissão Conjunta de Defesa Brasil-Estados Unidos com sede em Washington reagiu expedindo uma orientação datada de oito de abril de 1945 condenando a desmobilização da FEB. Para ele isso significava a destruição da maior unidade do EB treinada pelos EUA. O General Ord entendia que a decisão estava alinhada com a decisão do Ministro da Guerra em fechar o centro de instrução dirigido pelo exército dos EUA no Brasil e a redução dos estudantes brasileiros nas escolas militares dos EUA para um pequeno grupo, ou seja, seria mais uma reação de Dutra contra o corrente processo de americanização do EB.
Desta forma, ele recomendava que fosse autorizado a informar ao General Kroner no Rio de Janeiro que o Departamento de Guerra em Washington sentia que a destruição da FEB iria reduzir seriamente a eficácia do EB. Todos os esforços deveriam ser feitos para persuadir o governo brasileiro em reter intacta essa unidade como uma grande contribuição para a segurança do hemisfério americano.
Percebendo a determinação de Dutra em destruir a FEB, Ord emitiu outra orientação, pretendendo minimizar os danos decorrentes da iniciativa. Se a FEB não pudesse seguir existindo enquanto tal, que pelo menos a maior parte do valor de combate da força pudesse ser retido ao fracioná-la em unidades não menores do que regimentos, a serem dispersos pelas várias regiões militares brasileiras. Desta forma, o treino combinado ministrado por estas unidades poderia se constituir num padrão para outras divisões brasileiras das quais esses regimentos pudessem ser uma parte.
Também essa solução foi recusada por Dutra e, assim, a FEB foi inteiramente extinta. Com isso, perdeu o Brasil a oportunidade de se projetar como potência mundial ao participar como tropa de ocupação na Europa do pós-guerra; perdeu também a chance de usar a FEB para modernizar e atualizar todo EB; e, finalmente, perderam os ex-pracinhas que, uma vez desligados da FEB, foram abandonados à própria sorte pelo governo brasileiro na dura luta pelo processo de reintegração social dos veteranos de guerra à vida civil. O processo de americanização do EB seguiu adiante, sendo pouco ou nada afetado pela destruição da FEB.
É importante rememorar o processo de desmobilização da FEB pela sua importância como exemplo tanto de oportunidades perdidas quanto de atitude irresponsável para com os interesses da Segurança Nacional e o processo de reintegração social dos ex-combatentes.
Dennison de Oliveira é professor de História e autor do livro “Aliança Brasil-EUA – Nova História do Brasil na Segunda Guerra Mundial” veja aqui.
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