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Ex-secretários de Haddad que regularam ‘bets’ viram chefes da área de apostas em escritório

02/08/2024
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Dois ex-integrantes do Ministério da Fazenda que estiveram à frente da regulação das apostas esportivas no País e deixaram a pasta coordenam hoje a área de “betting” de um escritório de advocacia.

A empresa possui, entre seus clientes, 20 clubes de futebol e uma multinacional que coleta e analisa dados para casas de apostas. O escritório atuou no lobby que conseguiu legalizar as apostas esportivas no Brasil, tendo sido recebido pelo menos cinco vezes pelos ex-secretários para debater a nova legislação.

Procurados, ambos disseram que receberam aval da Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República para trabalhar como advogados após saírem do Ministério da Fazenda. Eles, no entanto, não deram detalhes à Comissão sobre qual escritório e qual área assumiriam. O Ministério da Fazenda afirmou que o parecer para liberá-los é da CEP, que informou que pode rever imposição de quarentena caso surjam ‘novos elementos’.

Simone Vicentini

Ex-secretária-adjunta de Prêmios e Apostas Esportivas, Simone Vicentini foi anunciada no último dia 17, dois meses após sair do Ministério da Fazenda, como a nova coordenadora da recém-estruturada área de betting e esportes do escritório CSMV Advogados, com sede em São Paulo.

José Francisco Manssur

Ela vai atuar ao lado do advogado José Francisco Manssur, anunciado como novo sócio da banca advocatícia em 5 de junho, pouco mais de três meses depois de sair do ministério, onde ocupava o cargo de assessor especial da Secretaria Executiva, responsável pela regulação do tema na pasta de Fernando Haddad.

Regulamentação das apostas de quota fixa

Tanto Manssur quanto Vicentini atuaram na elaboração de propostas, tramitação e aprovação da Lei 14.790/2023, que deu início à regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil, além da publicação da portaria 827/2024, de maio deste ano, que autoriza a operação das casas de apostas no País.

A lei nº 12.813, de 2013, classifica como conflito de interesse quando ex-servidores do alto escalão trabalham, nos seis meses posteriores à exoneração, em empresas que tenham estabelecido “relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego”. Representantes da CSMV Advogados foram recebidos pelo menos cinco vezes por Vicentini e Manssur quando estavam na Fazenda.

Quarentena remunerada

Eles foram liberados pela comissão de cumprir quarentena remunerada de seis meses – aplicada para evitar os conflitos de interesse na chamada “porta giratória”, quando os ocupantes de cargos de confiança saem do governo para assumir postos em organizações privadas que atuam no mesmo setor.

Antes da liberação, porém, nenhum deles informou ao órgão que iria atuar na área de “bets” da banca de advogados. Disseram apenas que exerceriam a profissão de advogados, sem apresentarem proposta formal – conforme consta na decisão do órgão colegiado obtida pelo Estadão.

Sem uso de informações privilegiadas

Nesse sentido, a CEP não viu problema na atuação dos ex-secretários como advogados. O colegiado orientou, contudo, que ambos não podem fazer uso de informações privilegiadas, nem atuar em processos dos quais tenham participado no Ministério da Fazenda. Por fim, exigiu o dever de comunicar “imediatamente” ao órgão caso tenham recebido quaisquer propostas para desempenho de atividades privadas. O cumprimento dessas exigências, porém, não é fiscalizado pela comissão, que fica dependente de alguma denúncia para agir.

Comunicados ao CEP

Vicentini explicou que, após ter sido liberada da quarentena, comunicou a CEP sobre a proposta do CSMV Advogados. “A gente tem de pagar as contas, trabalhar. Eles (Comissão de Ética Pública) já fizeram a análise de que posso trabalhar em escritório de advocacia, só não posso fazer uso de informação privilegiada”, alegou.

Manssur, por sua vez, afirmou ter consultado uma assessora do órgão, informalmente, para saber se precisaria comunicar o órgão colegiado. “Eu fui informado de que não havia essa necessidade. Mas, a princípio, eu já havia informado que sou advogado de direito desportivo – e a área de ‘bets’ é uma das áreas de direito desportivo. O pessoal tem expectativa de que eu ficasse sem trabalhar para o resto da vida?”, questionou. Na decisão da Comissão de Ética, obtida pelo Estadão, não há menções à área de direito desportivo.

Destaque na regulação dos “bets”

Nos anúncios de Vicentini e de Manssur, o escritório CSMV Advogados destacou a atuação deles na regulação das “bets” no País.

“Entre as diversas normas de regulamentação das apostas online que (Vicentini) coordenou, destacam-se a habilitação de entidades certificadoras dos sistemas de apostas online, estúdios de jogos ao vivo e online, a disciplina das transações de pagamento e a instituição da Política Regulatória do setor”, escreveu a banca no último dia 17 sobre Vicentini.

“No período, também concluiu e enviou à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) as minutas das demais portarias que compõem a Fase 1 da Agenda Regulatória da SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas Esportivas)”, acrescentou.

Vicentini foi nomeada, em 1.º de março de 2023, coordenadora-geral de Apostas da Subsecretaria de Regulação e Concorrência da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda. Entre 20 de fevereiro e 2 de maio, atuou como secretária-adjunta da SPA, com salário de R$ 14.849,50. Com a saída do governo, ela teria direito à quarenta remunerada – ou seja, continuaria a receber seu salário de servidora durante os seis meses de impedimento.

Na função de secretária-adjunta, Vicentini recebeu em seu gabinete o escritório CSMV Advogados uma vez, em 22 de março deste ano, para tratar justamente da regulamentação das apostas esportivas, de acordo com sua agenda pública. A banca representou a Sportradar, empresa com sede na Suíça que atua com dados esportivos para casas de apostas, federações esportivas e empresas de mídia. Na posição de coordenadora, ela se reuniu com o escritório pelo menos outras duas vezes. O número de audiências pode ser maior, uma vez que a agenda de coordenadora não é pública.

Já Manssur teve quatro reuniões com representantes do CSMV Advogados, entre junho e dezembro de 2023. Os dados foram coletados da Agenda Transparente, ferramenta de monitoramento de reuniões públicas desenvolvida pela ONG Fiquem Sabendo. Além da Sportradar, a banca representou o Palmeiras, em outubro passado, numa reunião sobre apostas esportivas com dez clubes da primeira divisão do campeonato brasileiro de futebol. O advogado foi assessor especial da Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda entre 27 de janeiro de 2023 a 23 de fevereiro de 2024, com salário de R$ 14.849,50.

“Em seus mais de 25 anos de experiência, Manssur foi um dos autores do projeto de lei que criou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e participou do Grupo de Trabalho do Ministério do Esporte responsável pela redação do Estatuto do Torcedor. Mais recentemente, esteve à frente da elaboração das regras para o setor de apostas por quota fixa no Brasil, que culminaram com a sanção da Lei 14.790/23, que regulamentou as apostas esportivas e jogos online no Brasil”, escreveu o escritório em uma publicação no Instagram.

Em uma outra postagem, feita com base numa matéria publicada em uma revista jurídica, a banca de advogados destacou que é esperado um crescimento do setor de bets após a entrada em vigor da Lei 14.790, em dezembro do ano passado.

Nota do Ministério da Fazenda

Em nota, o Ministério da Fazenda afirmou que a Comissão de Ética Pública da Presidência da República deu parecer de que não há conflito de interesses que impedisse a atuação profissional dos dois.

A Comissão de Ética Pública

Já a Comissão de Ética Pública confirmou ter sido comunicada oficialmente apenas por Simone Vicentini. “Ela acrescentou que vai obedecer estritamente as condicionantes da nossa decisão”, explicou o presidente do órgão colegiado, Manoel Caetano Ferreira Filho. “Por parte do Manssur, não foi feito nada oficialmente”, completou. O advogado acrescentou que o colegiado poderá rediscutir a quarentena caso surjam novas elementos.

CSMV Advogados

Já o escritório CSMV Advogados disse que se manifestou por meio do sócio Manssur.

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados e Geraldo Magela/Agência Senado

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