A cafeína está entre as substâncias mais presentes em nosso cotidiano. Seja no café, chá, chocolate, bebidas energéticas ou até em medicamentos, é consumida por milhões de pessoas no mundo todo em busca de energia e disposição. Famosa por seu efeito estimulante, a cafeína é uma grande aliada para começar o dia ou espantar o sono em tardes cansativas. Mas até que ponto ela é realmente nossa amiga? Existe um limite onde o consumo deixa de ser benéfico e começa a afetar o organismo?
Após o primeiro gole de café, a cafeína é rapidamente absorvida pelo intestino e atinge seu pico no sangue em cerca de 45 minutos, proporcionando aquele “pico” de energia. Isso ocorre porque a cafeína bloqueia os receptores de adenosina, uma substância que sinaliza cansaço e relaxamento para o cérebro. Esse bloqueio nos mantém em alerta, melhorando o foco e a capacidade cognitiva. Embora útil em momentos que precisamos de um estímulo rápido, esse mecanismo também tem consequências: assim que o efeito da cafeína passa, o cansaço que foi temporariamente adiado retorna com mais intensidade, criando um ciclo de consumo contínuo.
Além disso, a cafeína ativa a liberação de adrenalina, o hormônio do “alerta”, preparando o corpo para situações de ação. Esse efeito proporciona a sensação de disposição, mas a elevação de adrenalina traz consequências. Após o estímulo, o organismo entra em estado de recuperação, que costuma vir acompanhado por cansaço. Esse ciclo de “altos e baixos” pode se tornar um hábito, levando o corpo a depender da cafeína para manter o mesmo nível de disposição, o que aumenta a tolerância exigindo doses cada vez maiores para atingir o mesmo efeito.
Em altas doses ou com consumo contínuo, a cafeína pode provocar dores de cabeça, irritabilidade e fadiga, especialmente se tiver uma redução abrupta no consumo. Para quem já consome cafeína regularmente, reduzir a quantidade de forma gradual permite que o corpo recupere sua resposta natural ao cansaço.
Outro ponto fundamental é seu impacto no sono. Consumida em horários inadequados, especialmente à tarde ou à noite, a cafeína pode interferir na capacidade de relaxamento e comprometer a qualidade do sono. Mesmo que a pessoa adormeça, o sono pode não ser reparador, já que o corpo ainda está processando a substância. Esse efeito pode criar um ciclo vicioso, em que o consumo de cafeína é necessário para compensar o cansaço de uma noite mal dormida, gerando uma relação de dependência. Estudos indicam que a cafeína pode permanecer no organismo por até seis horas, o que impacta o ciclo do sono e, por consequência, a disposição e produtividade no dia seguinte.
Outro aspecto importante da cafeína é sua relação com o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse. Quando consumida em momentos de estresse ou logo ao despertar, a cafeína pode elevar os níveis de cortisol, ampliando a sensação de alerta. Embora o cortisol seja essencial para o metabolismo e a resposta ao estresse, níveis elevados constantes podem levar ao desgaste e à sensação de cansaço, afetando a disposição ao longo do tempo. Por isso, muitos especialistas recomendam o consumo de cafeína uma ou duas horas após acordar, para respeitar o ritmo natural de cortisol do corpo.
Além de impactar o sono e o cortisol, o consumo excessivo de cafeína também pode afetar o sistema digestivo. Em algumas pessoas, a cafeína aumenta a produção de ácido gástrico, agravando sintomas de refluxo e desconforto. Embora nem todos sintam esses efeitos, quem já possui problemas gastrointestinais deve moderar o consumo. No entanto, a cafeína também estimula a atividade do cólon, ajudando na motilidade intestinal.
Apesar desses possíveis efeitos negativos, a cafeína oferece benefícios comprovados quando consumida com moderação. Nas doenças neurodegenerativas, estudos indicam que o consumo regular está associado a um risco reduzido de desenvolver Alzheimer e Parkinson. No Alzheimer, acredita-se que as propriedades antioxidantes da cafeína protejam as células cerebrais e reduzam a formação de placas de beta-amiloide, relacionadas à progressão da doença. No Parkinson, a cafeína parece atuar no sistema dopaminérgico, promovendo um efeito protetor.
A resposta de cada pessoa à cafeína é única e depende de fatores genéticos, idade, estilo de vida e até do metabolismo. Genes como o CYP1A2, que regula o metabolismo da cafeína, influenciam a velocidade com que cada indivíduo processa a substância. Pessoas que possuem uma variação genética para serem “metabolizadoras rápidas” de cafeína sentem seus efeitos de forma mais leve e podem consumir mais sem sofrer efeitos adversos. Já os “metabolizadores lentos” precisam de menos cafeína para obter o mesmo efeito, mas são mais propensos a ter reações indesejáveis.
Diante dessa diversidade de fatores e efeitos, é natural se perguntar: a cafeína é amiga ou inimiga? A resposta depende da quantidade ingerida, do horário de consumo e das características individuais de cada um. Em doses moderadas, a cafeína pode ser uma grande aliada para melhorar o foco e o desempenho físico, além de oferecer proteção extra contra certas doenças. Mas, ao ultrapassar os limites do consumo seguro, o risco de efeitos indesejados aumenta, incluindo ansiedade, distúrbios do sono e elevação da pressão arterial.
A cafeína, assim como muitas substâncias na vida, é uma questão de equilíbrio. Entender sua ciência e usá-la de maneira consciente pode permitir que ela continue a ser uma presença positiva em nossa rotina, proporcionando energia e bem-estar . A disposição duradoura não vem do excesso de estimulantes, mas sim do equilíbrio entre descanso, atividade física e uma boa alimentação. Afinal, a verdadeira vitalidade não é uma energia momentânea, mas a capacidade de manter vigor constante ao longo do dia, sem depender de estímulos externos.
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