Vamos tirar um retrato? Dizia-se antigamente, e lá se ia arrumar e fazer pose para “sair bem na foto”. O papai gostava de fotografar e filmar. Eram os anos 50 e, em nossos passeios ao “Parque da cidade”, no Rio, ou ao Parque do Guinle, ele dizia para a gente (seus, então, quatro filhos): “Deem as mãos e venham andando“. Eu achava engraçado.
Com o advento dos celulares, toda hora se tornou hora de “selfies”, o que significa ficar se auto fotografando e mostrando ao mundo, na internet, as próprias atividades. Hoje tão comuns e, liberados para quem quer que tenha um celular, já eram forma de expressão entre alguns fotógrafos de renome, em sua época, entre eles Vivian Maier.
Vivian Dorothea Maier foi uma mulher muito interessante e fotógrafa, nada usual e, para se dizer pouco, nunca se casou ou teve filhos. Nascida em Nova Iorque, em 1926, viveu oitenta e três anos. Trabalhou quarenta anos como babá, principalmente em Chicago, e viajou pelo mundo, fotografando pessoas nas ruas, seu maior centro de interesse. O mais interessante é que ela não revelava seus filmes, que foram, depois de sua morte, casualmente encontrados em um leilão, pelo corretor de imóveis e historiador, John Maloof. Milhares de fotos em rolos de filmes não revelados foram encontrados que, ao serem revelados, foram nos mostrando uma fotógrafa de olhar muito peculiar. Achei interessante perceber como o feedback, que teria sido dado a ela pela revelação dos filmes, não lhe fez falta. Em geral, o artista vai evoluindo em sua obra a partir da convivência com sua própria produção. Além dos muitos autorretratos, Vivian criou uma belíssima obra, vale a pena conhecer.
Tanto na fotografia, quanto nas artes plásticas, o retrato tem sido, através da história, uma maneira dos poderosos deixarem sua marca no mundo. Reis, imperadores, empresários, políticos e artistas tiveram seus retratos feitos por criadores de renome e alguns dos artistas que retrataram os poderosos, fizeram seus próprios autorretratos. Ainda falando da fotografia, Andrew Zuckerman, também cineasta, fotografou e gravou depoimento de sessenta homens e mulheres, ícones de sua geração, com mais de 65 anos, com a finalidade de deixar um legado da experiência dessas pessoas para as próximas gerações, na obra intitulada “Wisdom”, de 2008.
Dentre os pintores, são incontáveis os retratos e autorretratos produzidos. Escolhi para ilustrar essa coluna, o pintor Lucien Freud (1922-2011), nascido em Berlin, naturalizado britânico, neto do nosso “amigo” Sigmund. Foi autor de muitos retratos expressivos e, também, de muitos autorretratos. A Wikipédia nos conta que, ao contrário de Vivian Maier, que não deixou descendentes, Lucien teve quatorze filhos. Dizia que gostava de pintar pessoas não pelo que elas eram, mas pelo que pareciam ser.
A fotografia nos conta histórias dos tempos e das pessoas retratadas, revelam a cultura dos povos e seus costumes. É uma forma de arte riquíssima, que nos ensina sobre quem somos, desde criancinhas, passeando em família nos parques, até as grandes personalidades que mudaram o mundo com seus feitos e seu poder. A arte do olhar, seja na pintura ou na fotografia, revela o elo que se faz presente entre quem retrata e quem é retratado. É a arte de compreender e de revelar o outro, que, como sempre, acaba por revelar o próprio artista.
(Ilustração de abertura: “Autoretrato”-Vivien Maier-1954.)
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