No início dos anos 80, durante os cursos de férias na Casa da Juventude em Gramado, fiz amigos de várias partes do Brasil, especialmente de São Paulo. Em 1984, surgiu uma grande oportunidade: a turma de estudantes se reuniria e fui convidado para ficar na casa de um deles. Minha mãe aproveitou a viagem e decidiu passar uns dias na casa de meu tio, no Morumbi.
Sempre fui muito atento aos percursos de viagem, pensando que, um dia, precisaria fazer isso sozinho. E exatamente isso aconteceu. Eu já havia viajado com a família por esse mesmo trajeto alguns anos antes, e nada como ter uma boa memória fotográfica nesses momentos.
O carro era um VW Passat LS branco, 1981, de 3 portas — definição da época para um modelo cujo porta-malas se abria junto com o vidro, e o encosto do banco traseiro rebatia, como acontece hoje com carros como o Nivus ou o Fastback. Ele tinha vidros verdes, ar quente, desembaçador traseiro, faróis bi-iodo, volante do TS, spoiler dianteiro e protetor de cárter, acessórios originais que completavam o valor do leasing com o qual foi adquirido. Seu motor 1.5 rendia 78 cv com torque de 11,5 kgmf o que fazia os seus 910 kg proporcionarem um consumo médio de 14,5 km/l na estrada e 9 km/l na cidade. Seu tanque de 45 litros tinha uma autonomia média de 550 km.
Com quatro anos de uso e menos de trinta mil quilômetros, antes da viagem, fiz a primeira troca dos pneus. Os Pirelli P3 de primeira geração, medidas 155 R13, originais, eram duros e desgastavam rapidamente apresentando estrias, então optei por quatro pneus Firestone S 211, no saudoso Auto Center da Hermes Macedo, muito superiores e com um desenho diferenciado na banda de rodagem. A diferença foi notável: o carro ficou mais silencioso, macio e econômico. Sempre mantive o carro impecável, limpo, encerado e com as revisões em dia, realizadas na concessionária Servopa. Retirar o carro após a revisão era quase como pegar um zero quilômetro, tamanha a atenção aos detalhes. Desde zero, todos os abastecimentos eram anotados em uma caderneta. Local, data, quilometragem, litros e valor. Uma mania que carrego até hoje, que herdei de meu avô materno.
Carro revisado, pneus novos e o guia Quatro Rodas em mãos, chegou o dia de pegar a estrada. Partimos às 6 da manhã, com a intenção de chegar ao ponto de encontro no Morumbi por volta do meio-dia. A BR-116, Régis Bittencourt, ainda estava longe de ser a rodovia que conhecemos hoje, com no máximo 20% do trajeto duplicado, era campeã nacional de acidentes. Após Registro e ao passarmos pelo acesso ao litoral, deparamos com um enorme congestionamento devido a um acidente na Serra do Cafezal. Como estávamos adiantados e para não nos atrasarmos, decidi fazer o retorno ali mesmo e seguir pelo litoral, sem me dar conta que isso nos levaria a um ponto da cidade que não estava no meu mapa mental. Subimos pela Anchieta e finalmente chegamos à cidade grande. Nesse momento, pensei que bastava seguir as placas e procurar pela Marginal Pinheiros, um ponto de referência.
Após rodar um pouco, avistei a placa e fiquei mais tranquilo… por pouco tempo. Cerca de 45 minutos depois, vi a mesma placa novamente! Eu estava rodando em círculos. Já passava das 13h, estava perdido, estressado e atrasado. Cheguei a pensar em parar um táxi e segui-lo, mas não… cabra persistente, tentei mais uma vez. Por sorte, encontrei uma indicação para a Praça Pan-Americana, outro local que eu conhecia. Sabia que, ao chegar lá, poderia ligar de um restaurante para a casa de meu tio, onde a turma nos aguardava.
Desta vez, com sucesso, cheguei à praça e pedi que viessem nos buscar. Afinal, já estava bastante tenso para continuar o trajeto sozinho. Quando finalmente chegamos, quase às 15h, encontrei meus amigos, que já esperavam desde antes do meio-dia. Um cão Dinamarquês da casa, nada educado, tentava acasalar com todos…. Deixei minha mãe lá curtindo a família e fomos a um McDonald’s, uma novidade para mim na época.
Nos primeiros dias, fiquei na casa de um amigo em Diadema, à margem da represa Billings. Eles eram tchecos e praticamente não falavam português em casa. O jantar era servido às 17h e ele tinha uma irmã menor que falava muito alto… Como não me adaptei muito bem, acabei indo para São Bernardo do Campo, na casa de um amigo mais “normal”, cujo apelido era Panque. Tudo correu bem até a última noite, quando, após um dia de muitas atividades, inclusive gastronômicas, ele preparou ovos mexidos, salsichas e um Nescau bem forte, que, em questão de poucas horas, provocou uma revolução intestinal sem precedentes.
Durante minha estadia por São Paulo, visitamos a famosa Galeria Pajé à procura de um toca-fitas Roadstar para o carro, um verdadeiro sonho de consumo. Não encontramos nenhum dentro do orçamento, mas para compensar, fomos até uma loja de acessórios, onde instalamos buzinas de Mercedes e faróis de neblina amarelos da Rossi. Também comprei um “D” de Deutschland para colocar na grade dianteira, após retirarmos os frisos cromados entre o emblema VW. O Passat ficou com uma aparência bem legal, e, na manhã seguinte, fomos passar o dia em Santos e Guarujá.
Optamos por descer a Imigrantes e atingimos 155 km/h. Claro que não o trecho todo, mas, em uma longa reta, foi o momento certo para testarmos a velocidade máxima do Passat com a segurança de uma autopista e pneus novos. Coincidentemente, foi a mesma velocidade que meu tio alcançou facilmente com sua conservada Mercedes 280SE W108 71 na Marginal Pinheiros, a caminho de Interlagos. Em suma, duas gerações de imprudentes.
O retorno a Curitiba foi tranquilo, sem imprevistos, pneus furados ou multas. E, de bônus, com o mapa rodoviário mental bem mais atualizado.
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Muito bom ter amigos e saber que têm boa memória! Mesmo que seja para os desarranjos da vida! Aguardando as próximas crônicas! Parabéns!