Um rico fazendeiro, dono de uma vasta área de terra no Mato Grosso, distante 45 km da sede do município, decidiu dividir seus bens em vida. Além da terra, havia substanciosas aplicações em bancos, equivalentes ao valor da fazenda. Viúvo, chamou seus dois filhos, ambos exímios cavaleiros e apaixonados pela vida rural, porém viviam litigando, dia e noite dissensos em arranca-rabos, deixando o pai convencido de que, após a sua morte, haveria uma grave ruptura afetiva entre eles.
Sabiamente, decidiu separar os bens, mas somente após um desafio, cujo vencedor teria o direito de escolher entre a fazenda e as aplicações bancárias. Chamou os filhos e disse: “Tenho uma grande extensão de terra e não pretendo dividi-la. Sei que ambos desejam a fazenda, mas as aplicações financeiras são de valor equivalente. Assim, vou propor-lhes um desafio: cada um deve pegar seu cavalo, e o dono do último cavalo a chegar à matriz da cidade poderá escolher entre a fazenda e as aplicações bancárias.”
Não muito tempo depois, o velho pai faleceu, e o filho F1 montou o su cavalo C1, enquanto o filho F2 montou o seu cavalo C2. Passaram-se meses, e o filho F1 percorria um trecho com seu cavalo e, tentando ludibriar o irmão, sempre voltava para a sede da fazenda, e o mesmo fazia o filho F2, pois nenhum deles queria chegar primeiro à matriz da cidade montando o próprio cavalo.
Em busca de uma solução, entraram com um processo no juizado da comarca, e o juiz proferiu a sentença: “Determino que o motorista da viatura leve os dois litigantes à sede da fazenda, e a partir daí cumpram a decisão que transcrevo abaixo.”
Cientes da sentença do juiz, os dois irmãos, ao descerem da viatura na sede, correram em direção aos cavalos e, montando-os, saíram a galope, cada um querendo chegar primeiro à matriz, mas sem descumprir a ordem do pai. Pergunta: qual foi a decisão formal emitida pelo juiz?
Este é um enigma capcioso, com uma armadilha, e exige um bom esforço mental para ser decifrado (a resposta está no final deste artigo).
Defrontar-se com tarefas que desenvolvam o tirocínio mental, como entender um texto complexo, resolver um problema difícil ou praticar uma atividade lúdica que demanda concentração (como quebra-cabeças, jogos de tabuleiro, sudoku, games, músicas clássicas, palavras-cruzadas, cubos mágicos, atividades artísticas etc.) promove benéficas sinapses entre os neurônios. Quinze minutos dedicados a um problema difícil – mesmo que não resolvido – promovem mais impulsos elétricos no cérebro do que a resolução de cinco exercícios mais fáceis.
Por essas e outras razões, estimular o raciocínio de crianças e adolescentes deve ser uma das principais incumbências de pais e professores, especialmente no ambiente escolar, sendo importante que nossos estudantes compreendam e produzam bons textos, bem como sejam capazes de expô-los com clareza, síntese e lógica. Sem dúvida, são importantes legados que qualquer família e instituição de ensino podem oferecer. Afinal, todo profissional com bom raciocínio dedutivo se destaca em resolução de problemas, uma das habilidades socioemocionais mais valorizadas no mercado de trabalho. Pensar criticamente, lidar com desafios de maneira eficaz e encontrar soluções criativas exige autoconhecimento, equilibrio emocional, empatia, razão pela qual tais habilidades socioemocionais precisam ser desenvolvidas desde sempre.
O impacto das redes sociais e de um conteúdo digital superficial na saúde mental e na capacidade cognitiva das pessoas fez com que a expressão brain rot (cérebro deteriorado) fosse escolhida como a palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford. Ela descreve a deterioração do estado mental devido ao consumo excessivo de material online trivial ou que não apresenta desafio ao usuário, que deixa de aproveitar os benefícios já citados de enfrentar tarefas mais complexas e envolventes para turbinar os neurônios e cuidar da saúde mental, minimizando-se os riscos de doenças degenerativas.
Diferentemente de países desenvolvidos, a cultura brasileira em geral pouco valoriza o raciocínio lógico, o aprofundamento, a têmpera racional, assim como o esforço, o mérito e o bom rendimento escolar. Sem uma significativa mudança nessa perspectiva ou nessa cultura, será difícil construir o futuro pelo qual tanto sonhamos para o nosso país.
Resposta ao desafio para a partilha dos bens do fazendeiro:
Atente para a proposição do velho pai: “o dono do último cavalo que chegar à matriz da cidade…”. O juiz simplesmente sugeriu que trocassem de cavalos. Assim, F1 montou em C2 e disparou em direção à matriz, pois, se chegasse em primeiro, seu cavalo C1 chegaria em último. Por sua vez, F2 montou em C1 e também disparou em direção à matriz, para que seu cavalo C2 chegasse em último.
Obs.: certamente essa linguagem matematizada no presente texto pode ser repulsiva a alguns, mas acredito que para a resposta ao desafio é preciso apropriar-se de uma linguagem universal, concisa e sincopada.
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