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JAINE-CABECA-COLUNA

Selfie: o espelho na palma da mão

17/01/2025

Em algum momento, todos nós já nos deparamos com o desejo de capturar a nós mesmos, seja para guardar um instante efêmero ou para compartilhar com o mundo uma fração da nossa história. Esse gesto, tão natural nos dias de hoje, carrega consigo raízes que se entrelaçam à evolução da arte e da fotografia.

A selfie, como a conhecemos, nasceu de um impulso humano: o de se olhar e se entender. Antes do advento da câmera, eram os pincéis que davam forma ao “eu”. Grandes mestres, como Rembrandt, buscaram refletir não apenas suas feições, mas também sua essência. E foi assim que os autorretratos se consolidaram como uma janela para a alma do artista.

Mas a revolução aconteceu em 1839, quando Robert Cornelius, um químico americano, tirou aquele que é considerado o primeiro autorretrato fotográfico da história. Em uma época em que o processo fotográfico era lento e trabalhoso, Cornelius precisou remover a tampa da lente, posar por vários minutos e, finalmente, cobrir a lente novamente para capturar sua imagem. O resultado? Um retrato de alguém que encarava a câmera com uma curiosidade que, de certa forma, ainda ressoa em nós.

Autorretrato, Robert Cornelius, 1839.

Hoje, a selfie é onipresente, especialmente com a popularização dos smartphones e das redes sociais. Com um simples toque na tela, criamos um registro de quem somos naquele momento. Mas será que estamos apenas nos retratando? Ou há algo mais profundo nesse ato?

A fotógrafa americana Cindy Sherman, famosa por suas séries de autorretratos encenados, explora em seu trabalho a construção de identidades. Suas imagens desafiam o espectador a questionar o que é real e o que é encenado. Ao observarmos uma selfie, também estamos diante de uma construção. Não é apenas um reflexo fiel de quem somos, mas uma versão que escolhemos apresentar ao mundo.

Sem título B, por Cindy Sherman, 1975, via Tate Modern, Londres.

Por outro lado, a selfie também pode ser um ato de empoderamento, orgulho, pertencimento e representatividade, lembrando-nos de que a fotografia pode ser um poderoso instrumento de narrativa pessoal e coletiva.

No entanto, a selfie também nos lança um desafio: o equilíbrio entre o registro e a contemplação. Susan Sontag, em seu célebre ensaio “Sobre Fotografia”, alerta sobre como a obsessão por fotografar pode, em certas ocasiões, nos afastar do momento presente. Será que, ao capturar o instante, perdemos a experiência de vivê-lo?

Como fotógrafos, ou mesmo como amantes da fotografia, cabe a nós refletir sobre o uso dessa ferramenta tão poderosa. A selfie pode ser tanto um gesto banal quanto uma forma de arte, dependendo da intenção por trás dela. E, ao explorarmos essa prática, talvez possamos nos reconectar com a essência do autorretrato: a busca por nos compreender e nos expressar em um mundo repleto de imagens. Então, da próxima vez que você se preparar para tirar uma selfie, experimente olhar além do enquadramento. Pergunte-se: o que essa imagem diz sobre mim? Talvez, assim, transformemos algo simples em um gesto cheio de significado.

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