Existem solidões de todo tipo, como se sabe. Uma pessoa pode ser solitária no amor ou por falta de família. Pode também se sentir solitária em determinadas situações. São muitos os exemplos possíveis.
Uma das solidões mais abordadas em jornais, a ponto de ter se transformado em lugar comum, é a solidão do cronista com a falta de assunto para a crônica do dia seguinte. O desespero da página em branco à frente, ofuscando a vista, é de enlouquecer, como quase enlouqueceu grandes cronistas. Rubem Braga e Fernando Sabino que o digam, embora já não possam dizer, considerando o fato de que já se despediram desta vida ingrata.
Fernando Sabino teve, certo dia, uma crônica recusada pelo editor do seu jornal. Sem alternativa, engavetou o material e escreveu outro, este sim, publicado. Meses mais tarde, recebe uma ligação de Rubem Braga, às voltas com a falta de assunto para sua crônica, em outro jornal. Não teria o Sabino alguma inspiração para lhe passar?
Fernando desengavetou a crônica recusada e mandou. O Braga gostou, modificou aqui e ali, e publicou. Troca de favores entre amigos sofredores do mesmo mal sempre é bem-vinda. Saíram todos satisfeitos.
Passa-se mais um tempo, um ano talvez. Sabino vê-se sem assunto, aflito em frente à máquina de escrever. Seu cérebro estava vazio, nenhuma ideia decente vagava por ali. Mas ele tinha um trunfo. Tirou de seus guardados o recorte da crônica assinada por Rubem Braga, adaptou uma frase ou outra e publicou. Sua maior surpresa foi o mesmo editor, aquele que a havia recusado, cumprimentá-lo pela qualidade da crônica.
Nelson Rodrigues era outro a sofrer da solidão do cronista. Tratava de telefonar aos amigos, tentando garimpar um assunto. E quando nada lhe ocorria, batia em D. Helder Câmara ou o Dr. Alceu, como tratava o escritor e crítico literário Alceu Amoroso Lima.
De minha parte estou enganando os leitores, a contar esses episódios sem importância, tentando chegar ao tamanho de caracteres necessário para que o texto seja considerado uma crônica pelo editor, meu caro amigo André Lopes.
Só falta ele recusar essas mal traçadas e pedir para que eu escreva outra. O pior é que não posso ligar para Rubem Braga, Fernando Sabino ou Nelson Rodrigues, em vista do fato desagradável que foi a morte dos três.
Estou sofrendo da solidão do cronista, de forma aguda e incurável. Pois, então, é o que temos para hoje.