Dissolvem verdes. Gotejam azuis. Deslizam, rangem, trituram.
Sobre pedras, rodas, em giros lentos.
Cascos batem e rebatem, metálicos em leito pétreo.
Ocres, sienas, neros deslizam, íngremes calçadas vítreas oxidadas.
Exalam odores das cloacas, das vísceras, das entranhas, dos paus a pique.
Das casas senhoriais, desde as janelas, portais e telhados cheios de ais.
Exalam, cheiros de cozinhas e de fogareiros acesos, a crepitar lascas e troncos ressequidos. Folhas de louro, pimenta e torresmos que borbulham aquecidos.
Da terra molhada, exalam o perfume da grama e das pedras multiformes, densas de musgos e insetos.
Dos serros, montes e reentrâncias, a linha do horizonte belo, salpicado de igrejas brancas.
Louvores e êxtases religiosos dissolvidos em métricas sonoras das rezadeiras, esparsas em nuvens brancas, em céu de azul anil.
Dos grotões e das minas, o mofo, o silêncio e o breu alumiado em lamparinas de banhas e óleos de animais, brilham crostas, fissuras, cavoucadas, arranhadas, suadas , feridas.
Cantam e choram, em súplicas, seus grilhões a ranger, estrilar, deslizar lentos e acorrentados. Brilhos dourados e prateados, entrecortados por tosses e espasmos. Pulmões asfixiados pelo Banzo e plenos de saudades.
Volutas, pérgolas, ogivas, capitéis, colunas, escaninhos.
Oratórios, abóbadas côncavas e convexas. Pedras, barros, madeiras.
Entalhes, a perfurar, o ferro oxidado, paredes caiadas, alvenaria inacabada.
Tremulam sombras reflexas de candieiros dentre paredes úmidas.
As velas acesas ondulam indecisas nos aposentos com camas e colchões de palha.
O candeeiro goteja sua finitude. O óleo quente crepita e respinga ao vento noturno que oscila as cortinas dos casebres.
Nas bateias, nas grotas, dos rios os quilates resplandecem luminares, explodem em miríades ao sol. E depois percorrem em bolsos e alforjes as vielas íngremes da Urbe.
Sob o recorte das janelas de taipa, vazam em brisas, bordados oscilantes, que espargem filigranas de ouro e prata em flamejantes negociatas dos senhores jubilosos de aguardentes.
Empenas luzidias em recortes retalhadas a cinzéis, verticais aqui, horizontais ali, circulares acolá. Emergem zenitais, nadir e zenir de poeira inspiradas e expiradas.
Torres , cúpulas , capitéis e balcões nas igrejas , casas , palácios no entorno das praças e o casario colonial iluminado com a prata enluarada.
Quem se lembrará deste negro escravizado que apodreceu , trabalhando por séculos, abandonado, nas minas gerais do império português?
Quem se lembrará daquele escultor com seus dedos decepados?
Quem se lembrará daquela negra escravizada, violentada, que pariu tantos filhos do senhor?
Quem se lembrará, do inconfidente desconhecido? Quem se lembrará?
Quem se lembrará do poeta?
Quem se lembrará do pintor das igrejas e palácios?
Quem se lembrará de ti?
Quem se lembrará de nós?
Em Ouro Preto?
Leia outras colunas do Gennaro aqui.
Excelente texto, mestre Gennaro. Tanto o legado quanto o artista são patrimônios do humanismo e da humanidade.
Parabéns Rubens, quase um Leonardo da Vinci: arquiteto…, cineasta…, pintor…., poeta….!
Belíssimo texto Ruben!!
Profundo e comovente meu amigo Rubens…..
Muito bom
Muito bom Genaro, adorei!
Muito bom Genaro 👏👏👏
Muito bom. Texto ímpar e aquarela lindíssima.