O telefone toca. Eu atendo.
– Señor Gennaro? Pergunta a voz em espanhol argentinizado
Respondo: Si soy yo !
Buenos dias Señor! Nosotros somos del Consulado Argentino en Curitiba.
Necesitamos hablar com Usted.. espere un rato. Cambiamos la ligación.
Breve pausa. Silêncio. Ouço uma voz conhecida. Vindo do ramal.
Falando, agora em português.
– Gennaro! Bom dia, Paisano! Aqui é o Hector.
Respondo. Fala meu amigo Hector. O Que você manda?!
Hector: Venha aqui no Consulado Argentino, urgente!
Tem uma Mulher querendo falar contigo.
Venha logo! (Hector trabalha no Consulado há anos. É meu amigo de longa data).
Batem o telefone na minha cara!
Meu coração dispara. Tem um Mulher no Consulado Argentino querendo falar comigo! Putsgrila….quem será? Mil coisas aflitas me vem a cabeça.
Tento me lembrar de alguma “M “ que eu tenha feito. Morei na Argentina alguns meses no passado. Caraca Meu! Adrenalina em alta. Bebo um copo d’agua pra me acalmar.
Tomo banho rápido. Escovo os dentes. Penteio o cabelo. Visto, cueca, calça , camisa e um blazer. Todos Limpos. Sapatos e meias novos .
La vou eu. Aflito.
Porém, uma ordem desta, um cidadão latino americano não pode descumprir.
Rumei ao Consulado. Cheguei meia hora depois. Subo de elevador. Portas de vidro blindado, com segurança da PM.
Adentro à Sala de Espera. Eu devia estar pálido e com as mãos frias. Cumprimentam-me com um sorriso.
Sento-me-, oferecem café e agua. Sorriem maliciosos.
Levanto-me, observo o skyline da cidade através das janelas. Curitiba é linda, com a serra do mar azul esverdeada a emoldurar lhe.
Surge meu amigo. Cumprimenta-me. Eu pergunto aflito.
-E aí? Conta pra mim…. qual é a encrenca.? Quem é a tal Mulher?
Ele responde, explica sorrindo:
– Acho que não é encrenca! Depende de você! Tá aqui no Consulado. Ela é Argentina, com vivência mexicana, veio para o Carnaval do Rio. Estava nos Bailes do Copacabana Palace. Até agora… não perguntei como chegou aqui em Curitiba. Parece, que um Grande Yacht a trouxe até Paranaguá. Ela subiu de automóvel a Curitiba para pegar um dinheiro com um empresário ervateiro argentino. Contou-nos, que precisa regularizar seu passaporte. É atriz de cinema e cantora. Então, por causa disto eu chamei você para conhecê-la. Ela disse que deseja conhecer Curitiba e o nosso litoral. Mesmo com pouco tempo de agenda.
Hector sorri maliciosamente. E me encaminha para a Sala onde está a Mulher.
Na contraluz eu a vi. Sentada no sofá procurando, algo em sua bolsa. Posicionamo-nos silenciosamente a sua frente. Ela languidamente, com a mão direita retocou o batom carmim em seus lábios. E com a esquerda acariciou seus cabelos ruivos e ondulados.
No seu pescoço, um requintado colar de pedras esverdeadas que deveriam ser esmeraldas. Demorei para acreditar, quem eu estava vendo. Lembrei-me das aulas de Karatê Go-Jo- Riu e respirei fundo para controlar a emoção.
Señora Lamarque. Este és el Sñr Rubens Gennaro. Apresentou-nos, meu amigo Hector.
Mucho gusto en conocer Sñr. Gennaro!…. falou em espanhol. Estendeu-me, suas mãos e eu a ajudei a levantar-se do sofá. Corpo escultural , rosto e olhos em perfeita harmonia. Com seu vestido drapeado. Azulado. Salto alto nos pés. Ela mulher e Musa de Cinema Latino-Americano. Atriz , Cantora e Dançarina. Estava ali.
Não era uma alucinação minha.
“Que puedo hacer por Usted Señora Lamarque”, perguntei -lhe solicito e trêmulo.
Ela respondeu: Me gustaria hacer un paseo por Curitiba. Conocer personas del Cinema Local.
Assim o fiz. Silenciosamente e com seguranças saímos do Consulado.
A levamos em carro oficial dirigido pelo motorista do Consul; direto ao Museu da Imagem e do Som ( MIS) onde nosso talentoso Valêncio Xavier nos acolheu surpreso e feliz.
Valêncio brilhante erudito, discorreu sobre as célebres canções; seus tangos e filmes. Falou também de Juan Domingo Peron.
O que pareceu-lhe uma provocação, pois há décadas estavam separados. Tiveram um rumoroso romance. O que irritara a Evita. Motivo de seu exilio.
Super elegante, ela também esquivou-se de comentar seus romances no México.
Riu muito quando lhe contamos que em Curitiba havia uma artista que cantava e a imitava em alguns bares e restaurantes.
Chico Terrah ali presente e bem humorado fez uma imitação. Todos riram.
Ela reclamou do calor. Então o Eloi Pires Ferreira contou-lhe algo do “Curitiba Zero Grau”. Ela gostou de ouvir. Enquanto saboreava uma Limonada Suiça, gelada, gentilmente oferecida pelo anfitrião Valêncio. Os jovens cineastas da terrinha estavam deslumbrados. Com a Deusa Argentina. Eu idem.
No Café da Boca, para onde a levamos incógnita, sem paparazzi ou jornalistas, ela provou do café. Na Galeria Tijucas saboreou pastéis e esfihas. Alguns atônitos transeuntes e lojistas começaram a lhe reconhecer.
Notadamente os mais idosos.
Na Praça Osório enviou beijos aos fãs que já se aglomeravam ao nosso redor.
Lépidos, escapamos dos fãs. De automóvel partimos para o Hotel Bourbon. Onde ela ficou sigilosamente hospedada. Jantamos ali. Entre vinhos mendocinos e assados entre outros perfumes e sabores. Muitos risos. Conversamos sobre antigos filmes e canções. E projetamos futuras coproduções entre nós.
Claro que ela cantou e nos encantou com os Tangos Madreselva, Por una Cabeza e La Cumparsita. No outro dia acordei no mesmo quarto. Com ressaca.
Mas intensamente feliz e perplexo.
Naquela manhã ela deveria regressar ao Litoral. Reencontrar os convivas do Jet Set Carnavalesco no Super Yacht. Então o atencioso e solícito proprietário nos liberou um vagão Litorina do Serra Verde Express para a levarmos a Paranaguá. (Motivo da Aquarela).
No Porto de Paranaguá, o Capitão de Mar e Guerra da Marinha Brasileira, Oficial Reedlei Nagorni, nos recebeu com sua guarnição de marinheiros uniformizados e perfilados.
Passamos a tropa em revista. Com as salvas e honras especiais para a ilustre visitante. Assim, nos despedimos dela . Eu e nossos amigos do Consulado Argentino
Sempre atentos à sua compatriota. Felizes por sua brilhante e cinematográfica visita.
No pier, esta embarcou, no Super Yacht onde os convivas ainda bailavam ao som de marchinhas carnavalescas. Em alegre transe tropicaliente.
Com os meus binóculos pensei ter visto, entre plumas e paetês, o Jorginho Guinle, Odile Rubirosa ou Carmen Mairinck Veiga, vi também a Wilza Carla e o Cauby Peixoto. Ismael Silva, Noite Ilustrada e o Lúcio Rangel cantando e abraçando a Diva Libertad Lamarque em uma fusão cancioneira sulamericana.
Para onde seguiria o Super Yacht? Ela disse-me que iriam a Buenos Aires. Antes por Montevideo. Talvez Punta de Leste. Retornariam ao Rio em algum momento. Esta era uma certeza. E ela retornaria ao México.
Sim, a atriz e cantora Libertad Lamarque. Participou de mais de 80 filmes e gravou 320 canções. Sim, verdade. Sonhei, que esteve comigo em Curitiba e no Trem Serra Verde Express.
Ao menos em uma Aquarela.
Algo mais… poderia ser ficção! Muchas Gracias Libertad Lamarque!
(Libertad Lamarque 1908-2000)
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