Lá na antiga sorveteria do seu Domenico, ali perto da Serralheria do Smanhotto, fui ser sorveteiro. Na Avenida Manoel Ribas.
Na verdade, eu era um simples vendedor, com o carrinho de sorvete.
Fazia isto a tarde, pois de manhã eu ia ao colégio. Sim eu tinha vergonha de meu trabalho. Meus amigos me convidavam para jogar futebol no Trieste e eu não podia ir. Tinha que empurrar carrinho de sorvete pelo bairro.
Eu tinha uma corneta para anunciar minha presença nas ruas. E uma espécie de gaita.
Ela perguntou-me se eu queria café. Respondi-lhe que não.
Ela insistiu, pediu-me para eu sentar na cadeira da sua varanda.
Eu lhe disse que precisava voltar ao meu carrinho de sorvete que estacionara ali, na rua defronte a sua casa.
Ela estendeu-me uma nota de valor alto em cruzeiros e perguntou-me se eu tinha troco para os picolés que ela comprara.
Ela olhou fixo para o bolso esquerdo da minha calça onde estava “o maço de troco” e em seguida enfiou sua mão neste meu bolso. Meu coração disparou! Fiquei aturdido. Um turbilhão de emoções explodiu em meu peito. Fitou-me firme nos olhos e sorriu.
Disse-me: – Espere. Faço rapidinho o melhor café que você experimentará nesta vida!
Respondi: Café com esse calor?! A senhora já comprou os meus sorvetes. Já estão na sua geladeira! Pra quê café?
Ela reclinou-se e com suas mãos puxou uma cadeira na qual subiu para pegar a lata de pó de café no armário superior da cozinha.
De costas para mim, reparei nas suas pernas bem torneadas. Quadris volumosos. Cabelos ondulados e sedosos. Suas mãos e pele róseos exalando um perfume adocicado. Sob a blusa verde, seios túrgidos. Uma bela mulher fazendo o café.
Riscou um fósforo, girou o botão do fogareiro e colocou a água do café para ferver, em uma caneca de alumínio. Reparei na limpeza de seu fogão, louças, panelas e talheres limpos e brilhantes sobre a pia. Alguns panos de prato alvejados e esticados nas hastes próximas a janela da cozinha.
E o seu marido?!, perguntei-lhe.
Respondeu-me: – Não vem hoje. Estará por uma semana trabalhando em Ponta Grossa!
Meu coração adolescente disparou.
Quase engasgado, já nos meus 16 anos consegui falar: – Mas…. Dona Isolethe eu não posso ficar aqui! Meu carrinho de sorvete está na rua. Não vou beber este café. Não tenho tempo. Insisti.
Ela: – Você vai beber este meu café! Depois pode ir embora.
Colocou o café em uma xicara grande e adicionou uma colherinha de açúcar.
Serviu-me de pé. Ficamos frente a frente. E eu provei o café. Após, coloquei sobre a pia, a xícara e o pires.
Então Dona Isolethe abraçou-me com força, enroscou seus braços nas minhas costas.
Ergueu o pescoço e a cabeça lentamente e ofereceu-me seus lábios carnudos para um beijo. Lembrei-me do que vira em um filme no Cine Avenida na semana anterior e juntei meus lábios ao dela. Casquei-lhe um chupão!
– Dona Isolethe! Que Loucura! Não podemos continuar com isto, eu disse.
Afastei-me dela com esforço. A mulher estava ofegante.
E continuei falando: – Meu carrinho de sorvete está lá fora!
Ela: – Puxe o carrinho aqui dentro e o coloque na minha garagem. Tem mais café, pão de queijo e bolinhos doces. Venha aqui pra sala.
Trêmulo. Coração acelerado. Respiração ofegante. Assim o fiz. Obedeci.
Lembro-me, de ver nas janelas cortinas em tons ocres e bordadas. Foram fechadas.
Sofás de veludo avermelhado, almofadas multicoloridas. Tapetes felpudos e aconchegantes.
Nem reparei direito no piso de tacos de madeira de pinho.
Foi uma vertigem cheia de suores e sussurros.
No carrinho de sorvete tudo derreteu.
Quando retornei horas depois à sorveteria fui demitido.
Na avenida Manoel Ribas, próximo a Igreja, estavam trocando o macadame por paralelepípedos.
Alguns cachorros brincavam na areia.
Eu havia bebido o melhor café da minha vida.
Leia outras colunas do Gennaro aqui.
Entre cafés e sorvetes e muita criatividade. Derrete sorvete, esfria o café. Muito bom!
Não é possível comentar.