A Guerra da Coréia (1950-1953) colocou o Brasil frente à um dilema, resultante da pressão dos Estados Unidos da América (EUA) para que enviasse tropas para participar do conflito. A sociedade brasileira se encontrava profundamente dividida entre os favoráveis e os contrários à continuidade do alinhamento automático da diplomacia brasileira à política externa dos EUA. Da parte do governo predominava a avaliação negativa que se fazia do envolvimento anterior do Brasil em um conflito além-mar, como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial.
A guerra começou em 25 de junho de 1950 quando tropas da Coréia do Norte invadiram a Coréia do Sul. O evento foi o desfecho da latente Guerra Civil na qual os governos de ambas as Coréias buscavam impor a unificação do país, com o do Norte tentando a implantação de um regime comunista e o do Sul pretendendo manter em vigência o modo de produção capitalista.
O confronto na Coréia se insere num contexto em que a Guerra Fria (1944-1991) estava esquentando, dada a ocorrência simultânea de diferentes enfrentamentos armados apoiados pelos dois grandes contendores do período, os EUA e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Por um lado, ocorria a Guerra do Vietnã em sua fase francesa. Entre dezembro de 1946 até agosto de 1954 teve lugar a luta de independência do Vietnã contra o Império francês. Os insurgentes liderados pelo Partido Comunista do Vietnã contaram com apoio da China comunista e da URSS, enquanto a França teve auxílio dos EUA. Como resultado do conflito, foi negociada a divisão do país em duas partes com o Norte adotando um regime comunista e o Sul que seguiu sendo uma economia capitalista.
Por outro lado, quase ao mesmo tempo, teve lugar a Guerra da Coréia entre junho de 1950 até julho de 1953. Uma vez mais ambos os oponentes buscaram apoio militar e diplomático entre as superpotências em confronto na Guerra Fria. Tais conflitos armados, nos quais os envolvidos tiveram auxílio militar estrangeiro, no caso, da URSS e dos EUA, ajudavam a confirmar os prognósticos que enfatizavam a inevitabilidade de uma Terceira Guerra Mundial.
Além da confrontação entre as superpotências mundiais, seguia firme o imperialismo que o governo estadunidense exercia sobre os países do Terceiro Mundo. Uma das manifestações da dominação imperialista era o financiamento da derrubada de governos nacionalistas entre os países subdesenvolvidos e sua substituição por líderes submissos aos interesses do capital internacional.
Um exemplo das táticas imperialistas estadunidenses do período foi o financiamento da Central de Inteligência Americana (CIA) ao golpe de Estado que derrubou o governo eleito do Irã. O governo de Mohammad Mosaddegh vigorou no Irã de julho 1952 a agosto de 1953. No seu decorrer foram nacionalizadas as jazidas petrolíferas então sob controle de multinacionais estrangeiras e criado o monopólio estatal do petróleo. Com a derrubada teve início o regime monárquico do Xá Reza Pahlevi que imediatamente revogou as nacionalizações e devolveu as concessões petrolíferas às multinacionais estrangeiras.
Enquanto isso o Brasil vivia os conflitos e impasses relacionados ao aprofundamento do processo de industrialização e de modernização das forças produtivas. O processo era ainda mais complicado por conta da ideologização da política nacional, resultado da Guerra Fria. O foco do embate político e ideológico nacional se dava entre dois pólos antagônicos. Por um lado, havia os defensores do desenvolvimento econômico autônomo brasileiro, o qual se daria com base na criação de empresas estatais que controlariam os setores de importância estratégica. Estes eram os autointitulados “nacionalistas”, cujos inimigos políticos os associavam ao “esquerdismo”, ao populismo e ao “comunismo”.
Por outro, havia os liberais, defensores da sociedade de mercado e críticos da intervenção do Estado na economia. Estes não viam problema no domínio da economia nacional pelas empresas multinacionais, inclusive em setores que são monopólios naturais como petróleo, energia elétrica, comunicações etc. Seus adversários ideológicos os acusavam de serem os “entreguistas”, isto é, aqueles que queriam entregar as riquezas nacionais ao controle do capital estrangeiro.
As forças armadas brasileiras, da mesma forma que a sociedade, também estavam divididas entre os “nacionalistas” e o “entreguistas”. Predominava entre os militares, contudo, um exacerbado anticomunismo, resultado da experiência traumática vivida por eles no decorrer da Intentona Comunista de 1935. O período foi marcado, frequentemente, por críticas de diversos setores militares à aliança de Vargas com grupos nacionalistas que, para eles, equivalia ao comunismo.
Apesar do acirramento das tensões políticas foi possível criar o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) em 20 de junho de 1952. A entidade foi destinada a financiar os projetos de infraestrutura do poder público, como usinas hidrelétricas, ferrovias, estradas de rodagem e demais obras de interesse do desenvolvimento econômico. A vertente nacionalista teve seu momento de vitória também com a criação da Petrobrás em 3 de outubro de 1953. A empresa se destinava a obter a autossuficiência nacional no abastecimento de petróleo e seus derivados, acabando com a dependência brasileira da importação destes produtos e o elevado encargo financeiro de pagar pela sua aquisição em preços fixados em dólares.
Além disso o governo Vargas pretendia criar também as Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), as Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) e a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). O objetivo era substituir as obsoletas, ineficientes e caríssimas operadoras multinacionais do setor elétrico e de comunicações brasileiro. Tais projetos viriam a ser materializados somente no decorrer da ditadura militar instaurada em 1964.
Enquanto isso autoridades do governo dos EUA pressionavam o Brasil para que se unisse às suas tropas então em combate na Guerra da Coréia. O Departamento de Estado em Washington ansiava por substancial colaboração dos países da América Latina, por razões tanto políticas quanto militares. Eram depositadas esperanças particularmente ambiciosas com relação ao envio de tropas do Brasil, Argentina e México. Cada um destes países deveria enviar para a Guerra da Coréia, segundo as autoridades militares dos EUA, uma divisão de infantaria, isto é, cerca de doze mil homens. Além do efetivo militar, a cooperação latinoamericana também tinha um sentido político. Ela ajudaria a conter a versão soviética de que se tratava de uma intervenção puramente do interesse estadunidense e de seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Desde o início os integrantes do governo Vargas estavam divididos com relação à participação de tropas brasileiras na Guerra da Coréia. Embora ansiassem pela liberação de empréstimos estadunidenses para auxiliar o processo de industrialização, o consenso que acabou predominando no Governo Vargas era o de que os custos humanos e financeiros da participação na Guerra da Coréia não se justificavam. A experiência histórica da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial com a Força Expedicionária Brasileira (FEB) era avaliada negativamente pelos mais importantes membros do governo Vargas. Desta forma, para além da luta nacionalista, a experiência da maioria dos membros do governo de então, que encarava de forma desfavorável o sacrifício da FEB na Segunda Guerra Mundial, acabou contribuindo para que o país não fosse levado pelos EUA a participar da Guerra da Coréia.
DENNISON DE OLIVEIRA é professor de História na UFPR e autor do artigo “Da Segunda Guerra Mundial à Guerra Fria: políticas militares estadunidenses para a América Latina”, Revista Diálogos (2018). Para baixar clique aqui.
Muito bom!