“Calçou seu pai, calça você e calçará seu filho”. Esse é um dos lemas da Casa Schier, cuja história inaugura a série de reportagens do HojePR sobre comércios tradicionais de Curitiba. Com 92 anos, a loja mantém a tradição e o legado da família Schier no comércio de calçados curitibano e até hoje é sinônimo de clientela fiel
No vai e vem do movimentado bairro do Portão, se você reparar na República Argentina, um pouco antes do terminal e dos imponentes e modernos shoppings, você encontra um estabelecimento com cara de nostalgia e cheiro de história. A fachada da Casa Schier é quase a mesma desde a década de 30 do século passado. “Nós estamos no mesmo lugar e com o mesmo CNPJ há 92 anos, é uma história muito grande”, afirmou com orgulho Márcia Schier, umas das proprietárias e administradoras do estabelecimento.
No primeiro piso, pequenas mudanças estéticas foram adotadas devido ao tempo e a necessidade. Duas vitrines tímidas onde estão expostas botas, sapatos, ténis e um vislumbre do interior do estabelecimento. Na parte superior da loja podemos observar um ático com duas janelas características do início do século XX, acompanhadas de um telhado que lembra a arquitetura europeia. “Essa casa aqui tem mais de 100 anos. A estrutura, as janelas, são todas da época”, comenta Márcia. “É a história sobrevivendo ao tempo”, reforça ela.
Ao entrar na loja, diversos mostruários moldam o interior com uma vasta gama de calçados, sandálias e chinelos, meias e até guarda-chuvas. No meio de tudo isso, tem o entra e sai de clientes.
Até recentemente, a loja ainda utilizava o “fichão”, uma espécie de carnê. Márcia explicou como era esse sistema que sempre foi popular na Casa Schier. “O fichão era uma ficha com nome, endereço e telefone fixo do cliente. Ele vinha e comprava, era marcada a mercadoria e o valor na ficha e o cliente vinha todo mês e dava um pouquinho do valor. Era tudo no fio do bigode”.
No segundo andar tem um pequeno museu particular, com várias fotos da família, objetos que eram feitos antigamente na loja e também maquinários antigos, como calculadoras manuais, a primeira caixa registradora da loja e um banco de seleiro.
História
A jornada da Casa Schier nos remete à primeira metade do século passado. Em 1930, Levino Schier fundou um promissor comércio onde é hoje a República Argentina. Mas antes de contarmos a história de Levino, precisamos falar do patriarca da família, Gustavo Schier.
Gustavo nasceu na Áustria e desembarcou ainda criança no Brasil, por volta de 1876. O tempo passou, ele cresceu, criou laços e raízes na capital paranaense. Quando adulto, tornou-se seleiro. No início do século XX, montou uma selaria na região do Batel e, posteriormente, mudou-se para o Portão, em uma oportunidade de crescimento
O bairro Portão era um entroncamento na rota dos Tropeiros, que utilizavam a região de passagem vindos do Rio Grande do Sul em direção a São Paulo, e vice e versa. Não havia local melhor para abrir uma selaria. No começo, a família Schier dividia a moradia com o espaço comercial e ali também vendiam artigos em couro.
Gustavo casou e teve filhos. Um deles foi Levino, que diferente do pai e do irmão Tito, quis seguir por outro caminho além da selaria. Em janeiro de 1930 ele funda a Casa Schier e se especializa na venda de sapatos, tamancos e também outros artigos de couros, como coldres, bainhas e curiosas passarinheiras.
Em um passado que ainda não havia shoppings e poucos comércio de calçados, a Casa Schier foi por muito tempo referência no segmento e ícone de qualidade e confiança. Em 92 anos de história, a loja se mantém e fideliza gerações de clientes.
Márcia é filha de Levino e revela uma característica marcante da loja. “Normalmente as famílias faziam duas visitas à loja ao ano, uma no início das aulas, quando vinham comprar o tênis Bamba ou o Conga para as crianças irem para a escola, e mais para o final do ano, quando vinham comprar coisas para o Natal. Então era uma coisa bem família. Família atendendo família, pessoas que conhecemos até hoje. Temos famílias que vieram a avó, a mãe, o neto e agora o bisneto”, explica a empresária.
Além dos calçados, pode-se dizer que os relacionamentos e amizades são o grande negócio da Casa Schier. O próprio Levino se casou com uma de suas funcionárias, a dona Santa Schier, com quem teve cinco filhos, foi um dos pilares da loja e trabalhou até os últimos anos de sua vida.
Segundo Márcia, a Casa Schier foi responsável ainda por outros casamentos entre os funcionários. “Levavam meus pais como padrinhos”, conta ela.
Outra história de destaque foi do gerente Lode. Ele começou a trabalhar na Casa Schier ainda pequeno, com 13 anos. Teve uma longa carreira – 67 anos – no seu primeiro e único emprego. “As pessoas até chamavam ele de ‘Seu Schier’, porque achavam que ele era da família”, contou Márcia sobre a fama e popularidade de antigo gerente. Hoje o filho de Lode, Marcelo, segue os mesmos passos do pai e é um dos funcionários especiais, com quase 30 anos de casa.
Márcia comenta sobre o sentimento de dar continuidade ao trabalho do pai. “A gente tem um amor incondicional sobre isso aqui. Sobre a casa, sobre as fotos, sobre o maquinário que foi utilizado na selaria. Isso para nós é o que faz manter, é o que move essa vontade de não deixar morrer essa história’’.
Essa é a história da Casa Schier, uma das mais tradicionais lojas de Curitiba que, há 92 anos, conquista pessoas criando amizades e, claro, vendendo calçados.