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80 anos da declaração de guerra à Alemanha nazista

24/05/2022

Em 22 de agosto de 1942 o Presidente Getúlio Vargas reuniu seu ministério para tomar uma grave decisão. Nos dias anteriores, entre 15 e 19 de agosto, nada menos do que cinco navios de passageiros e uma barcaça foram afundados por um submarino alemão, o U-507. Ao contrário dos quinze afundamentos anteriores realizados em alto mar visando cargueiros que faziam a rota para os Estados Unidos, estes se deram nas águas costeiras brasileiras e vitimaram navios de passageiros. A fúria popular se manifestou em passeatas, comícios, saques, depredações e linchamentos contra cidadãos oriundos dos países do Eixo. O motivo da ira do povo eram, além dos prejuízos econômicos, as mais de seiscentas vítimas fatais resultantes de tais afundamentos. Isso tornou praticamente inevitável a declaração formal de guerra. Para entender esse desfecho é importante examinar os antecedentes da situação que remonta ao mês de maio de 1942.

 

O período que levou ao alinhamento integral e definitivo do Brasil com os EUA se iniciou com a cessão de bases aéreas e navais às forças armadas daquele país no Nordeste em junho de 1941. Outro passo de enormes consequências foi a ruptura de relações diplomáticas com os países do Eixo em 28 de janeiro de 1942. O princípio da Solidariedade Continental assim o exigia face ao ataque japonês à base americana em Pearl Harbor no Havaí em dezembro de 1941. Chegava então ao fim a fase da diplomacia brasileira conhecida como a da “equidistância pragmática” durante a qual Vargas manteve a neutralidade na Segunda Guerra Mundial visando obter vantagens e realizar barganhas com ambos os lados do conflito. O processo de alinhamento aos EUA se consumou com a declaração de guerra à Alemanha em 22 de agosto de 1942.

 

Os eventos de agosto de 1942 têm seus antecedentes imediatos no mês de maio daquele mesmo ano. Em 28 de maio de 1942 a tensão entre Brasil e Alemanha foi levada a um trágico desfecho quando o Ministro da Aeronáutica Salgado Filho anunciou publicamente que aviões da FAB já estavam atacando submarinos do Eixo em trânsito pelo Atlântico Sul. O fato era até certo ponto surpreendente, uma vez que, embora tivesse rompido relações diplomáticas com a Alemanha em janeiro, o Brasil seguia sendo um país formalmente neutro na guerra.

 

Assim, o anúncio público de Salgado Filho deve ser entendido como a verdadeira declaração de guerra do Brasil ao Eixo. A partir desta declaração é que autoridades militares e diplomáticas nazistas passaram a considerar que a neutralidade brasileira era apenas uma fachada. Na realidade, pensaram eles, o Brasil já estava em guerra contra a Alemanha nazista, atacando seus submarinos, reprimindo atividades de seus agentes e praticando o alinhamento com os EUA e, provavelmente, apenas esperava uma oportunidade adequada para declarar guerra. Seria necessário demonstrar aos demais países latino-americanos que teriam de enfrentar as consequências caso decidissem entrar na guerra. Militares e diplomatas alemães passaram, então, a considerar a aplicação de represálias contra o Brasil.

 

Em 30 de maio de 1942 a Marinha de Guerra alemã começou a estudar as possibilidades de ataque a portos brasileiros. Havia informação abundante a respeito. Nada menos do que três submarinos alemães (U-126, U-128 e U-161) estavam operando no mês de maio no nosso litoral. O plano consistia em usar os submarinos para plantar minas subaquáticas na entrada dos principais portos do Brasil. Com esta iniciativa, além do afundamento de navios, também se bloquearia o acesso aos portos, paralisando a economia brasileira.

 

O problema é que as minas podiam explodir qualquer navio que nelas batessem, independentemente da sua nacionalidade. Assim, era grande o risco de que navios chilenos e argentinos virem a ser afundados desta forma. Tratava-se de dois países que a Alemanha nazista preferia que continuassem neutros, dada a utilidade das representações diplomáticas para fins de espionagem, subversão e propaganda. O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha percebeu que, se tal operação de minagem fosse executada, argentinos e chilenos se juntariam aos Aliados contra a Alemanha. Assim, a operação foi vetada.

 

A busca de outras maneiras para retaliar a adesão do Brasil aos Aliados continuou entre os líderes alemães. Há tempos os comandantes de submarinos alemães demandavam que lhes fosse concedida “liberdade de manobra” no litoral brasileiro, isto é, a permissão para torpedear navios mercantes de navegação costeira brasileiros.

 

Um passo importante foi dado nessa direção em 5 de julho de 1942 quando o comando naval alemão autorizou, em qualquer região, o ataque aos navios cargueiros brasileiros, independentemente de estarem armados ou não. Em 6 de agosto de 1942 foi permitido aos comandantes de submarinos alemães operarem nas imediações do litoral do Brasil, área até então proibida para atividades militares submarinas. O resultado foi o massacre nos mares do Nordeste entre os dias 15 e 19 de agosto de 1942 que fez centenas de vítimas fatais.

 

Naquela época o primitivismo da Marinha de Guerra do Brasil era tal que não dispunha de nenhuma embarcação dotada de sonar, isto é, capaz de detectar e atacar submarinos submersos. Assim, o país estava completamente indefeso contra os ataques do U-507. Este submarino poderia seguir afundando navios brasileiros sem ser incomodado, até que esgotasse seus estoques de torpedos. Pior ainda, outros submarinos alemães poderiam se juntar a ele, o que inviabilizaria por tempo indefinido a navegação mercante brasileira e a maior parte das atividades econômicas nacionais. De centenas as vítimas brasileiras teriam ascendido aos milhares.

 

O que salvou o Brasil de tão funesto e trágico desfecho foi a solidariedade latino-americana. A divulgação de relatos e imagens de centenas de corpos de homens, mulheres, idosos e crianças chegando às praias do Nordeste certamente exerceram poderoso efeito, gerando indignação e repulsa gerais. Em 19 de agosto o governo chileno organizou um grande protesto contra o ataque de submarinos alemães aos navios brasileiros. Em 24 de agosto o Chile e o Peru também manifestaram solidariedade ao Brasil. Em 4 de setembro foram registradas manifestações populares de grande intensidade na Argentina e no Chile contra os torpedeamentos. Em breve todos os países latino-americanos se declararam solidários ao Brasil.

 

O Ministério das Relações Exteriores nazista viu, então, seus piores receios se tornarem realidade. Se o massacre nos mares do Brasil tivesse continuidade em breve toda América Latina romperia relações com a Alemanha, ou, pior ainda, entraria na guerra ao lado dos Aliados. Assim, a diplomacia nazista insistiu junto ao comando naval que o U-507 deveria abandonar o litoral brasileiro.

 

Nunca é demais insistir na importância da reflexão e da rememoração sobre as circunstâncias nas quais o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista. Trata-se de fato que, dentre outras coisas, deve servir como motivação para que seja reavaliada e revista a atual política de defesa e relações internacionais vigente.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Dilemas estratégicos do Brasil na Segunda Guerra Mundial: Defesa Hemisférica, política de nacionalização e subversão nazista no Sul do país (1939-1943)” publicado em Fronteiras: Revista Catarinense de História (2017) para ler clique aqui.

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