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A tosse

14/06/2022

Um casal me aborda no elevador. Sei que não são de Curitiba, curitibano não aborda ninguém no elevador. No máximo dizemos bom dia.

Os dois vêm do Pará, conheceram a Tânia na academia do prédio. Minha mulher, que é gaúcha, também conversa com pessoas no elevador e durante os exercícios, talvez nas duas situações ao mesmo tempo, o que só ela consegue.

Os jovens – estão no limiar dos 30, por aí – já viram que os curitibanos são fechados. Querem saber como se integrar na cidade e perguntam a mim, por sugestão da mesma Tânia.

Espero até chegarmos ao térreo e lhes conto o segredo.

– Em primeiro lugar, arranjem uma tosse.

Eles fazem cara de tucupi no tacacá, pedem mais detalhes.

Ora, explico, nenhum curitibano que se preze dispensa uma tosse. Aqui é o império da rinite, capaz de fazer o sujeito tossir ou, pelo menos, pigarrear. As tosses mais longas ou profundas fazem mais efeito, é óbvio.

Como se sabe, tossir é democrático. Não tem preconceitos, ataca homens e mulheres, jovens e velhos, ricos e pobres, pessoas de qualquer cor. Porém, o curitibano é seletivo. Quanto maior a hemoptise, mais ele valoriza.

– Cara, isso é tosse de cachorro, vá logo ao médico antes que você vomite o pulmão.

Claro que essa não é a linguagem das mulheres, comentários de tamanha insensibilidade são próprios de mesas de truco, de balcão de boteco. Ambientes próprios da nossa civilização, tida como ‘reservada’. Mas é importante observar que por aqui cachorro também tosse, como se estivesse tuberculoso.

Um amigo meu aceitou a sugestão ouvida no botequim e foi consultar o médico. O pneumologista auscultou aqui e ali, mandou dizer 33 e perguntou quando a tosse havia começado.

– Há mais de 40 anos, Dr. Na Maternidade Vitor do Amaral.

Mas os curitibanos não tossem sempre, existem estações propícias para tanto. Na primavera é o pólen das flores que invade nossos sensíveis narizes até desencadear em crises de milhões de espirros. No verão, o ar condicionado é o inimigo – e dá-lhe dor de garganta.

Nada, porém, se compara ao período e outono/inverno. O maior dos hospitais da área de nariz e garganta recebe mais de dois mil pacientes por dia. Não é coisa para amadores.

Assim, para que alguém se integre em Curitiba recomenda-se recitar o verso-resumo do nosso clima

– Eu vento, tu frias, ela chuva; nós tossimos, vós fungais, eles batem os queixos, Curitiba que me dói nos ossos.

Sejam bem-vindos ao paraíso dos pulmões torturados, meus caros paraenses.


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2 Comentários

  • Boa Ernani, tosse é coisa muito nossa. Até faltam xaropes nas farmácias

  • Nada como uma boa tosse para unir amigos e inimigos.

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