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A crise organizacional (ou seria Institucional?) na administração pública brasileira – o “case” PETROBRÁS

27/06/2022
gasolina

Por Nelson E. B. Barreto

 

Sim, está correto, trata-se de um “case”… Por dever de ofício, vejo as organizações pela ótica estratégica, o que significa vê-las com visão de futuro e busca de objetivos, e não somente pelo “retrovisor”, o que não significa dizer que não devemos olhar para o passado, afinal, nele estão nossos exemplos de erros e acertos, sucessos e insucessos.

Uma Organização Empresarial é a combinação de esforços individuais de pessoas amparadas por máquinas, tecnologia, conhecimento e outras qualificações que propiciam o trabalho em equipe tornando-o produtivo para atender o bem comum. Na linguagem atual, “satisfazer as partes interessadas”.

Como meios, a Organização necessita de alguns recursos, entre eles, os de ordem natural, no caso, o mineral chamado “petróleo”. Os recursos financeiros, logo transformados em econômicos, devem surgir, principalmente, da combinação destes elementos, sem distanciar-se, no entanto, da orientação aos objetivos comuns, a realização de propósitos coletivos e, principalmente, a função social da organização. Aqui aflora a primeira “crise institucional” da Petrobrás.

É fático e evidente que, devido a sua vinculação ao Estado Brasileiro, esta organização, de porte gigantesco, deixou há muito de cumprir seu papal social, passou disso à premissas eminentemente “interesseiras”, seja no escopo de “supostos” desvios em benefício de poucos, basta olhar às devoluções de milhões de Reais por aqueles que admitiram terem se locupletado em sua gestão, seja pela exorbitância de lucros auferidos nos últimos dois anos. Aqui cabe uma ressalva: dois anos de pandemia em que a grande maioria das organizações sofreram prejuízos vultuosos, inúmeras foram desativadas, outras faliram e a sociedade ficou com suas finanças à deriva.

Pois bem, se nossa visão deve ser estratégica, vamos tentar um breve diagnóstico do “caos” momentâneo, somente pelo olhar técnico, à margem de qualquer pensamento ideológico ou político.

Primeiramente, vejamos quem é a PETROBRÁS. Uma empresa de economia mista, que explora um minério da União e que detém o monopólio da transformação, mas que é uma “SA” de capital aberto, negociado inclusive fora do País. Bem, para o público em geral, posso dizer que:

 

1) é caso único em nosso Planeta Terra;

2) o porte, o poder, o volume de recursos envolvidos, o número de pessoas que, direta ou indiretamente dependem desta Organização é “quase” incalculável (não se tem conhecimento real desta informação “on the world”.

 

Por este breve relato, conclui-se que é impossível que a gestão deste “gigante” se dê por uma, duas, três ou cinco pessoas. Ora, é obvio que não pode um Presidente desta companhia deter todo este poder. Logo, conclui-se que este comando deve ser “dissipado”, numa pirâmide de decisões, neste caso excepcional de organização, que siga normas legais, constitucionais e de mercado, pois do contrário, pode ocorrer uma “crise institucional” que, no meu entendimento, já instalou-se, senão vejamos: em 12 meses, de 01/04/2020 a 31/03/21, a companhia teve um lucro de R$ 57,25 bilhões, enquanto o universo empresarial no mundo lutava para não sucumbir.

É só um “pequeno detalhe” afinal, a pandemia neste mesmo período matava milhões de pessoas, com ou sem petróleo, com ou sem gasolina, com ou sem diesel, mas com muito pouco combustível de aviação, porque as companhias aéreas estavam “quase” paralisadas desde março de 2020.

Notem que fiz o corte do ESTÚPIDO lucro a partir de 01 de abril de 2020, exatamente no momento em que passavam patrulhas fiscalizadoras pelas ruas do nosso glorioso Brasil bradando FIQUEM EM CASA (…) porque a Petrobrás está muito bem de saúde, obrigado!

Dois anos depois desde fatídico março de 2020, vem a público os resultados ora conhecidos. Mais alguns meses, crava-se a responsabilidade em duas pessoas: Presidente da República e Presidente da Petrobrás. Se estas duas pessoas tivessem este tamanho poder, bastava-lhes um mês para se tornarem os maiores gênios da humanidade por todos os séculos passados e pelos próximo 20 séculos, garanto que eu não erraria.

Então, o que está errado (ou esteve)?

Vamos pelo início. As relações universais de negócios são regradas por diversas medidas, predominantemente formais. Nos casos modernos de grandes companhias, pela prática da Governança Corporativa, uma forma de delegação de poderes por representatividade dos interessados diretos na Companhia. A Governança permite que a gestão da organização aconteça por meio de várias pessoas que representam os sócios ou acionistas da empresa. Este procedimento legal é complexo e completo para gestão das grandes empresas, embora não se limite à estas. Em síntese, o Advogado Paulo H. Berehulka, em ressente artigo, publicou estudo em que conceitua a Governança por meio de “Uma Ontologia da Governança Corporativa” no qual cita: “… diante do que foi antes dito, um possível conceito de Governança Corporativa poderia ser a adesão voluntária e contratualizada dos responsáveis pela tomada de decisão de uma empresa às boas práticas do mercado”.

Pode parecer pouco, mas analisado em profundidade significa a contratualização de formas de gestão, legalmente embasadas, em que profissionais serão responsáveis pelo atingimento dos objetivos da Corporação. Em relação à questão institucional da Petrobrás, faço as seguintes observações:

 

a) incompatível uma Empresa auferir tamanho lucro, em detrimento do usuário e da sociedade consumidora de seu produto;

b) o acionista majoritário parece não estar sendo representado nos Conselhos da organização;

c) a representatividade dos acionistas têm aparentado nos últimos 10 ou 15 anos maior preocupação com resultados tendenciosos, seja para efeito de flagrantes desvios de interesse, o que levou a Organização à deficiência de processamento, seja por meros interesses particulares e não muito transparentes;

d) o desmando e descontrole provocado pelo aparente envolvimento politico ideológico de grupos internos, acionistas e interessados ligados de alguma forma às atividades da Companhia.

 

Estes pontos interferem em posição contrária de forma clara e visível ao que prega a boa Governança.

E qual o problema desta “disfunção” da Organização Petrobrás?

Numa análise superficial, percebe-se que não temos qualquer liberdade de mercado relacionado ao combustível e outros derivados do petróleo. Por consequência, compromete-se um princípio secular da economia, a “lei da oferta e da procura”, pois o mercado fica restrito a somente um fornecedor. “Monopólio”. Em 1776, um dos pais da ciência econômica moderna e da Administração, Adam Smith, mencionou a “teoria da mão invisível”, na qual defendia que o mercado seria auto regulado pelas forças da concorrência, neutralizando assim a possível ganância capitalista. Neste caso, não temos nem livre mercado nem concorrência.

Por outro lado, percebe-se um certo anacronismo, na acepção da palavra, motivado pela desatualização dos interesses verdadeiros de outra época, para tanto vamos considerar as informações de uma reportagem do portal de notícias UOL (leia aqui) que diz: “O Brasil é considerado autossuficiente em petróleo desde 2015, quando o país passou a produzir mais do que consome do recurso. De acordo com dados do governo, o Brasil fabrica mais de três milhões de barris por dia do chamado “ouro negro”.

Ocorre que, por um lado, somos considerados autossuficientes na produção de petróleo bruto (extração) desde 2015, por outro lado, exportamos boa parte de nossa produção supostamente à preços semelhantes ao do petróleo que importamos, porém, existe uma diferença nesta relação, pois exportamos extração e importamos valor agregado, ou produto beneficiado.

Assim, apesar de sermos considerados autossuficientes em petróleo, importamos do exterior derivados do recurso natural, por conta das características do produto que é extraído no país e da estrutura das nossas refinarias, que, em sua grande maioria, foram construídas na década de 1970, quando importávamos muito petróleo porque não éramos autossuficientes na extração, beneficiando assim petróleo do tipo leve, o que era importado. Com o evento da descoberta da Bacia de Campos, houve uma certa “evolução” no processamento e algumas refinarias foram adaptadas para refinar o produto brasileiro, que era do tipo pesado. Mais recentemente, com o evento do “pré-sal”, passamos a obter petróleo do tipo médio. Sem capacidade de refino para esse tipo de petróleo, sua produção passou a ser exportada.

Ora, exportamos atividade extrativista (petróleo) e importamos produto acabado (derivados), logo, não se trata de uma simples troca de óleo bruto e sim, falta de capacidade de beneficiamento, agregar valor econômico.

Enquanto nadávamos em águas tranquilas e os Balanços fechavam com imensos prejuízos, mas aqueles “poucos interessados” se locupletavam, a Governança ficava em segundo plano e a evolução do negócio era esquecida. Como consequência, faltava transformação em produto acabado (neste caso, refino).

Sem capacidade de refino, exportamos matéria prima e importamos produto acabado, deixando lá fora o “valor agregado” pelo beneficiamento. Está explicado porque nosso custo de combustível é tão elevado e a Petrobrás lucra tanto!

Qual o nome deste desastre? INCOMPETÊNCIA.

Há quanto tempo? 35 anos, talvez.

Quando pode terminar? Após três medidas sérias: uma, seguir um modelo sério (não político) de Governança. Outra, diz respeito ao mercado, abrir espaço parta competição. E por fim, algo que estará ligado a anterior, acabar com o “privilégio” do monopólio, por meio da privatização. Com mercado aberto, investimentos privados construirão e adaptarão refinarias, aperfeiçoarão a extração e com certeza estarão mais conectados ao mercado, afinal poderão ser cinco, seis ou mais “players” no mercado.

Enquanto este cenário não mudar, os princípios institucionais e organizacionais continuarão incompatíveis entre si. É a lei do mercado, afinal, “governo” é para “governar, regrar e dar rumo à sociedade”, vamos deixar à iniciativa privada a atuação no mercado, produzir, evoluir, comprar, vender. Diferente disso, não há visão de futuro com um campo de visão que não vai além de quatro anos.

O tema é árido, mas de fácil abordagem. Concentra-se na contramão da vida moderna. Primeiramente o monopólio, que exclui do confronto comercial a competitividade. Neste caso, o resultado absurdamente alto inibe qualquer iniciativa de melhoria de competitividade, investimento em transformação para gerar valor agregado ou melhoria de competitividade.

Por outro lado, o produto que poderia servir de regrador de preços no mercado para seguir, pelo menos em parte, a teoria histórica, o “álcool combustível”, sofre do mesmo mal, pois a iniciativa privada atua somente na ponta de extração, ficando o restante da cadeia produtiva nas mão do monopólio “Petrobrás”. Novamente a falta da “mão invisível” de Adam Smith.

Quer em sentido prático ou subjetivo, a organização da Administração Pública é o conjunto de órgãos, serviços e agentes do Estado, e das demais pessoas coletivas públicas, como as autarquias, que asseguram a satisfação das necessidades coletivas variadas, tais como a segurança a cultura, a saúde e o bem estar das populações. A administração pública designa um conjunto de funções para organizar a gestão do Estado em todas as suas instâncias, funções essas regidas por um sistema de normas legais.

Não lhe compete produzir, executar, fazer o papel de gestor econômico no âmbito dos micro agentes da economia, e sim, ser o regrador dos fatos econômicos e sociais. Será que ainda não aprendemos isso?


Nelson E. B. Barreto – Mestre em Gestão Estratégica. Prof. Universitário de Graduação e Pós Graduação.

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