Certa manhã, dessas que parecem iguais a todas as outras, a companheira que Hermann tomou como esposa de papel passado saiu do banheiro com o celular na mão e uma notícia devastadora;
– Tio Bilia morreu.
Hermann se viu posto em profunda tristeza, o que não o impediu de perguntar;
– Era tio do lado materno ou paterno?
A esposa tomou-se de indignação. Seu marido metia-se em qualquer assunto, pensava conhecer as respostas para todos os mistérios do mundo, e não conhecia Tio Bilia, o Rei da Oito Baixos, patrimônio da música do Rio Grande, nascido ali em Entreijuís, ao lado de sua amada Santo Ângelo?
O paciente Hermann tentou outra abordagem;
– Mas isso não resolve a questão, era tio do lado materno ou paterno.
Foi o suficiente para outra explosão:
– Não tente desviar o assunto, quem não conhece a nossa história nem deveria perguntar. Tio Bilia era seu nome artístico, para nós era como se fosse um tio famoso. Vou mandar uma mensagem no grupo da família, quero ver onde vai ser o sepultamento.
Hermann sentou-se à mesa para o café da manhã, pacífico como o oceano. O luto pairava sobre o ambiente, e não era para menos. Tio Bilia tinha morrido.
A essa altura Hermann já estava reduzido não só à ignorância ancestral de que foi acometido como a uma dúvida crucial. Quem seria aquele tio que nunca lhe fora apresentado, agora um morto ilustre? Melhor aguardar as recomendações da família, sem dúvida, atribulada com os problemas da burocracia mortuária. Já era possível imaginar a República Farroupilha, com cavalos, bandeiras e espadas, a mostrar seu ardor pátrio no féretro do filho idolatrado. Haveria muito a organizar nos próximos dias.
Chega, então, a mensagem vinda das entranhas dos pampas, elucidando as dúvidas que cercam a repentina morte do parente amado:
– Querida sobrinha, nosso caríssimo Tio Bilia faleceu, Deus o tenha, em 1991, depois de uma vida venturosa, devotada à família e à música.
Era a manhã do dia 5 de junho de 2013, data em que Tio Bilia morreu de novo e, sem querer, quase causou a separação entre o pobre Hermann e a suposta sobrinha, senhora desligada que capturou uma notícia velha como se fosse um furo jornalístico internacional – ou gremista, posto tratar-se do Rio Grande do Sul, terra do Rei da Oito Baixos.
