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Entrevista com o desembargador do TJ José Hipólito Xavier da Silva

05/09/2022

A coluna HOJEPR – Direito e Justiça, do advogado Carlos Alberto Farracha de Castro, entrevista o Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, José Hipólito Xavier da Silva, que discorre sobre seus 36 anos de advocacia e 10 de Magistratura; registrando diversos ensinamentos não só à classe jurídica, mas à sociedade em geral, como as perspectivas do Judiciário no Século XXI e qualidades que um bom advogado deve reunir para o exercício da profissão perante os Tribunais. Boa Leitura.

 

Direito e Justiça – Após uma brilhante carreira como advogado, inclusive exercendo a Presidência da OAB Paraná, como está sendo o exercício da Magistratura perante o Tribunal de Justiça do Paraná?

Desembargador José Hipólito – Já agora completados 10 anos do meu ingresso no Tribunal de Justiça do Paraná, vejo que alcancei suficiência para entender o que significa o exercício da judicatura e, a partir da daí, tirar algumas conclusões do meu desempenho, especialmente enquanto magistrado do Quinto Constitucional.

Antes de tudo, porém, é preciso dizer que não foi propriamente integrar o Tribunal o que mais me motivou a enfrentar o difícil, e, para mim, até certo ponto constrangedor processo de acesso, justamente diante do fato de ser um advogado com 36 anos de advocacia e, em especial, de ter sido presidente da gloriosa OAB/PR, porquanto, a olhos menos atentos, poderia parecer que me valia desta última circunstância para alcançar relacionamento e notoriedade suficientes para tal investidura. Mas devo confirmar que foi sim o conhecimento do que pensavam a advocacia e os advogados a respeito do Quinto Constitucional que mais me convenceu da presença de espaço ainda pouco ocupado. Vim, então, com a firme convicção de que a assunção ao cargo, por essa via de acesso, impõe, como premissa “zero”, a consciência de que a cadeira, antes de tudo, é de representação da advocacia, o que, por evidente, não significa influência nos deveres de jurisdição, mas importa, e muito, na necessária adoção de dever comportamental compatível com a representação exercida. E penso que cumpro essa obrigação. Por isso não recepciono, especialmente com qualquer dose de gabo ou vaidade, os cumprimentos, que confesso com constância receber, porque vejo que aquele que cumpre com seu dever não é merecedor de tais encômios.

Por outro lado, também confesso que, para quem passou 36 anos pedindo, de início enfrentei muitas dificuldades ao assumir o papel de destinatário, primeiro porque a função de conceder, ou de negar, envolve repercussão muitas vezes para além da percepção pessoal de quem concede ou nega. Daí a necessidade que tive em desenvolver sentimentos que ultrapassam o singelo conhecimento jurídico. Falo, em especial, da sensibilidade humana, característica comum na magistratura que conheço. Para decidir, precisei dessa evolução pessoal, que me foi facilitada pela prática colegiada.

Penso que, passada já uma década de exercício e de aprendizado, a consciência me autoriza a ter boas e descansadas noites de sono.

 

Direito e Justiça – Que qualidades deve reunir um bom advogado para o desempenho da profissão perante os Tribunais?

Desembargador José Hipólito – O advogado é o primeiro juiz da causa, porque é o que mais conhece dos fatos e dos seus menores detalhes. E essa percepção, na judicatura, facilita a compreensão da causa, permite melhor leitura das entre linhas, facilita o exame do contexto muitas vezes oculto e, antes mesmo da análise da pretensão, fornece bons elementos para traduzir a intenção motivadora do aforamento. Essas informações, bem aproveitadas na busca pela verdade real, bem contribuem na formação de mais justo e mais adequado juízo de convicção. Essa percepção, entretanto, só se adquire com o tempo de exercício da advocacia, para o que os 10 anos exigidos pela Constituição não me parecem suficientes.

Além disso, vejo relevante que o advogado, quando investido, exercite seu poder geral de cautela já a partir de si próprio, que rotineiramente usou da necessária parcialidade no trato dos interesses que defendeu, sem jamais olvidar que, antes de ser o destinatário final da prova, o primeiro e mais importante destino da instrução é o próprio processo e não ele. Suas convicções pessoais devem sempre ceder àquilo que a prova mostrou.

Porém, na frente de tudo o mais, estou convencido que não há como ser um bom juiz sem antes ser um juiz bo

 

Direito e Justiça – Ser desembargador implica sacrificar a vida pessoal?

Desembargador José Hipólito – Há enorme sacrifício pessoal sim no exercício da magistratura, muitas vezes exercido sem a melhor estrutura. Esse detalhe, todavia, não se verifica no segundo grau, ao menos no Tribunal do Paraná, que entrega a seus membros tudo que se precisa para um desemprenho de qualidade. Aqui, o sacrifício pessoal, a meu ver, está mesmo no ofício de entregar a definitiva jurisdição. Enquanto na advocacia a responsabilidade se exaure no protocolo do pedido de deferimento, a de julgar, notadamente no meu caso, me obriga carregar o processo, ainda que virtual, por onde for. Vai comigo, por exemplo, para minha casa, para onde jamais levei os dilemas de meus clientes, que ficavam vivos apenas no meu escritório. E essa companhia não é nada leve, importa em sobrepeso que não escolhe lugares e jamais me descansa, porque até mesmo o oferecimento da decisão final não é suficiente, não raro, para desfazer eventuais dúvidas sobre a efetiva justiça dos seus efeitos.

 

Direito e Justiça – Na sua visão, como será a justiça do século XXI?

Desembargador José Hipólito – Integramos todos um segmento nitidamente conservador, que leva à adoção de comportamentos refratários a mudanças, muitas vezes exigidas pelos novos tempos vividos, ou por circunstâncias que nos tiraram do comando, como ocorreu recentemente com o estado pandêmico que se instalou no mundo. Estão aí a digitalização dos processos e a prática virtual de muitos atos processuais que alteraram integralmente nosso comportamento profissional, nos impedindo do costumeiro e mais que centenário manuseio dos autos físicos e nos impondo sentidas barreiras à cotidiana frequência nos fóruns. Aliás, até o acesso a livros, nosso importante instrumento de trabalho, hoje, no mais das vezes, é feito por via de sistema eletrônico, que se tornou, também, a única via de pesquisa sobre precedentes jurisprudenciais, tão necessários na advocacia e na judicatura.

Esta nova realidade veio para ficar; daqui para a frente só mudará para a incursão em sistemas ainda mais profundos. Logo, muito logo, penso que boa parte de nossas atribuições será substituída por sistemas ainda mais sofisticados, que incorporarão os serviços do que se rotula de “inteligência artificial”. Nossa legislação processual atual, aliás, claramente privilegia a adoção do sistema de precedentes, obrigando a magistratura em geral a seguir o que se decidir nos tribunais superiores, a partir de quando, identificados os temas e particularidades em discussão, nossas decisões surgirão nas telas com simples “clic”. A convicção pessoal caminha para a sepultura, sem dúvida.

Se para o bem ou para o mal confesso não saber, mas que virão ainda mais “modernidades” isso virão, quando então conceitos de conteúdo e sensibilidade por certo pouco valerão, e sem sentido ficarão as indagações sobre as já então vetustas figuras do bom juiz, ou do juiz bom.

1 Comentário

  • Entrevista que compartilha experiências de uma vida vivida com sensatez, sensibilidade e responsabilidade.

    Leitura que, como um genuíno busto de Janus, expressa as entrelinhas de duas faces de um mesmo objetivo: a busca do Justo.

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