Pela primeira vez desde que a Fifa inventou a Copa do Mundo, em 1930, a competição não será realizada durante o verão europeu. O calendário do futebol foi violentado para ajustar o evento ao clima do Oriente Médio, tudo graças ao poder econômico dos cataris. Afinal, foi a sua capacidade financeira que levou a Copa do Mundo para o país – tão pequeno que a distância entre seus extremos equivale a algo como a distância entre Curitiba e Morretes.
São apenas oito estádios, contra os 12 utilizados em 2014 no Brasil e os 15 em que será jogada a Copa de 2026. Nenhuma delegação irá viajar de avião entre uma sede e outra. Nenhuma precisará mudar de hotel entre seus jogos. Um dos estádios foi construído com contêineres e será desmontado – não cabe dizer demolido – depois dos jogos. Inclusive um da seleção brasileira.
As Copas do Mundo são cheias de esquisitices. Em 1930, só quatro seleções europeias participaram: Bélgica, França, Iugoslávia e Romênia. As demais seleções eram das Américas, sem ter havido eliminatórias. Os jogos aconteceram em Montevidéu, em apenas três estádios, com a agravante que o Estádio Centenário ficou pronto durante o torneio. Ainda hoje a Copa de 1930 é a de menor exigência de deslocamento às seleções, superando até o pequeno Catar.
Em 1934, a última partida das eliminatórias foi disputada entre Estados Unidos e México na própria Itália, sede do evento, alguns dias antes da abertura oficial. Os Estados Unidos venceram o jogo. Como o regulamento previa eliminação sumária a quem perdesse, o Brasil jogou apenas contra a Espanha – e perdeu, 1 x 3.
Em 1938 a Áustria não compareceu, por ter sido anexada pela Alemanha. A Copa foi jogada por 15 seleções, entre as quais duas aberrações, por conta da pequena expressão do futebol em ambos os países: Cuba e Índias Holandesas, país que hoje é a Indonésia. O regulamento repetia o da Copa anterior, o que obrigou o Brasil a jogar duas vezes com a Tchecoslováquia, depois de vencer a Polônia por 6 x 5 na estreia. Neste jogo, Leônidas da Silva fez um gol sem chuteira, perdida na disputa da bola na mesma jogada. Foi a primeira Copa transmitida em tempo real, por rádio. O locutor Gagliano Neto recebia telegramas vindo do Rio de Janeiro, durante os jogos, informando que o som estava chegando. Em diversas cidades as pessoas reuniam-se em salas de cinema e ouviam o jogo por alto-falantes.
Então veio a guerra. A Copa só voltaria a ser disputada em 1950, no Brasil, e outra vez por somente 13 seleções, como em 1930. Escócia, Índia e Turquia, embora classificadas, não vieram. Tudo fazia acreditar que o Brasil venceria, mas faltou combinarem com os uruguaios. Em uma época em que o país não tinha conquistas esportivas expressivas, a perda da Copa foi considerada uma tragédia nacional. A tal ponto que a Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF, não quis correr o risco de manter a bonita camisa branca da seleção para a Copa seguinte. Ou seja, a culpa da derrota para o Uruguai foi da camisa – e não da bagunça institucionalizada que minou a força do time brasileiro.