Nesse universo cinematográfico onde somos impactados diariamente com inúmeros novos filmes, ainda mais quando incluímos nesse cenário as novidades que entram em streaming além dos cinemas, é tão raro nos depararmos com um filme que seja bom em tudo. E o que isso quer dizer? Ser bom em tudo, é aquele filme que entrega qualidade no aspecto prático e técnico da coisa, ou seja, boa direção de arte, fotografia, direção, edição, efeitos especiais, sonorização e por aí vai… e também, bom na entrega da história. Ou seja, roteiro que inclui a construção de seus personagens e diálogos propostos. Não raro vemos filmes que contam com uma excelente história mas não são bonitos esteticamente, ou ainda, filmes ótimos na parte técnica mas que contam com muitos furos na narrativa. Ser bom em todos os pontos que englobam o “fazer cinema” não é nada fácil. Mas quem sabe para os criadores e equipe envolvida em ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’, essa tarefa não seja tão difícil assim.
O cineasta mexicano Guillermo del Toro (que inclusive está com a animação Pinóquio na Netflix, assistam que vale a pena) postou ano passado em seu Twitter sobre o filme a seguinte frase: “Eu acredito que nada importa e por isso tudo importa. Vão assistir”. Ele tem razão. Dirigido pela dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Um Cadáver Para Sobreviver), e produzido pela grande A24, o longa traz como protagonista Evelyn (Michelle Yeoh). Uma mulher de meia idade exausta do dia a dia e de tantas obrigações, ela que muito jovem saiu da China e se mudou para os EUA com o marido Waymond (Ke Huy Quan), logo abriram uma lavanderia, e construíram uma família com Joy, sua filha que já nos primeiros momentos percebemos que existe tensão na relação de ambas. A filha, lésbica, quer contar ao avô sobre seu relacionamento, e a mãe, conservadora e preconceituosa não deixa. Além de cuidar de seu pai, a personagem principal cuida das negociações das dívidas de seu negócio, que está por um fio.
Basicamente esse arco inicial nos mostra uma filha que não pode ser quem é, e um marido desesperado por atenção que constantemente é ignorado por Evelyn. É importante entendermos esse contexto inicial para o que está para vir. Na sequência dessa construção, Evelyn recebe um chamado e adentro o multiverso vivenciando várias versões de quem poderia ter isso, precisa combater uma vilã, e ao mesmo tempo em que o filme avança e parece em alguns momentos não fazer tanto sentido, o sentido está em percebermos o tamanho do universo e nosso tamanho em relação a ele. Mas mais ainda, é um filme sobre aceitação. Nos aceitar como somos, e aceitar os outros como eles são.
Uma belezinha para os amantes e entendedores do audiovisual, afinal, a edição e sonorização propõe um novo ritmo de filme e com ele, trazem um novo formato que é sensacional. Direção de arte e figurino também entregam um trabalho primoroso. Mas é claro que o grande trunfo está no roteiro e sua complexidade! Cada escolha nossa impacta em nosso futuro, em quem somos e em quem seremos. Fim do mundo, de onde viemos e para onde vamos, o filme talvez não inova na temática, mas ele inova 100% na forma de fazê-la. Com tom otimista quando se é preciso, com aspectos filosóficos sobre a existência humana, sobre enfrentamento à depressão, sobre relações familiares, o filme trabalha tudo isso ao mesmo tempo com complexidade e maturidade.
Os Daniels conseguiram juntar o que há de melhor nas superproduções e nos filmes mais maduros. Afinal, ele surpreende na grandiosidade visual, quanto na profundidade dos temas inseridos ali. Realmente, se trata de um dos filmes mais surpreendentes dos últimos tempos. É de um trabalho tão grande, uma atenção em cada detalhe que, de novo, surpreende. ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’ nos dá a impressão de pressa e sufocamento, e é inevitável não comparar com o modo que levamos a nossa vida, sempre com pressa e com relações superficiais. Ele entrega tudo, romance, comédia, inteligência e profundidade.
Por fim, é um filme que expressa a arte em sua construção toda desconstruída e gera reflexão ao acabar, e como gera. Hoje (10/01) acontece a famosa premiação Globo de Ouro e, sem surpresa, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo concorre em seis categorias, sendo elas: Melhor Filme de Comédia ou Musical, Melhor Roteiro, Melhor Diretor para a dupla de Daniel, Melhor Atriz Coadjuvante para Jamie Lee Curtis, Melhor Ator Coadjuvante para Ke Huy Quan e Melhor Atriz para Michelle Yeoh. E minha torcida para a estatueta de Melhor Filme fica aqui com essa belezinha que diz tudo e nada ao mesmo tempo.
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