A ESTRANGEIRA
Um belo dia
Te vi chegando
Vinha de longe
Mas não parecia
Isso acontece
Só de quando em quando
Uma alma gêmea
Outra reconhece
Brincadeira de esconde-esconde
Entre ex-estranhos
Mas se for mesmo amor
Não será indolor
A separação dos siameses
Sérgio Viralobos
PLACA FUGA
Queria só saber
– desculpe a objetividade –
Como se sente agora
Será que ainda posso
Sentar contigo
Na ultima fila
Da próxima aeronave
De placa fuga?
Vejo anjos
– pela janelinha –
Escondidos em nuvens de chumbo
Acho que somos uma legião
Premiados perdidos
Explodidos no atentado
Vamos precisar muito
Do que nos sobra
Suzana Cano e Sérgio Viralobos
A FÁBULA DE NARCISA
Bom Rei Meu Pai me quis pra núpcias
Por lembrar uma pessoa morta.
Perdeu a razão para uma paixão vida torta.
Ele diz que há de ter a pelúcia.
Mamãe em seu leito amortalhado
Pediu-lhe: só se case com alguém
Tão bela quanto seu neném.
Ao pé da letra seguiu o conselho dado.
Assim os contos de fada surgem:
De uma gota de chuva faz-se uma nuvem,
De uma doce promessa faz-se a desgraça.
E eis-me aqui, o cisne mal saído da casca,
Me sentindo nua no meio da praça.
Bom Pai Meu Rei me exige a penugem.
Meu Bom Rei Pai bufa, treme, sua,
Sonha fazer-me esposa, Rainha.
Que será de mim sem uma fada madrinha
Para me abrir a gazua?
Mas alguém ouviu a prece da criança linda:
“Você não está sozinha no mundo”,
Grasnou um corvo muito sujo.
“Ouvi o ciscar do galo na rinha.
Dá medo ver como ele te vê.
Um ardor de quem a ninguém ouve.
Meu Rei Bom Pai, não a olhe assim.
Sei que é muito curto seu estopim,
Mas sua filha nunca há de dizer sim,
Ao menos isso quero crer.”
Mau Rei Meu Pai quase me domina.
Mais quer, quanto mais nego.
Quando me avista, fica logo cego.
Se me pegasse era carnificina.
O CORVO FALA:
“Fiquei com muita pena da sua sina
E vou salvá-la com uma única condição:
Um pacto pra fortificar nossa ação.
Arranque de mim a pluma mais negra, menina.
Agora a enfie no seu dedo até sair sangue!”
Então, aconteceu o milagre que até hoje me persegue:
O corvo perdeu as penas e virou um menino da minha idade.
O MENINO FALA:
“Tenho um plano pra sua fuga da cidade:
Explodirei a porta do palácio pra assustar o Rei covarde
E você sumir antes que ele se ligue.
Vê aquele asno no cercado?
Suba nele e siga a estrela mais brilhante,
Só olhe pra trás quando estiver bem distante,
Para camuflar coloque esta pele no costado.”
O REI PARA O MENINO:
“Ajudaste aquela ingrata a escafeder-se?
Fizeste-me passar por paspalho e simplório?
O chicote fará de tuas costas rebotalho.
Traíste o Rei, verás agora o que acontece.”
Ao final daquela noite estava longe.
Um circo solidário com quem foge,
Encontrei por muita sorte e desatino.
Safei-me daquele que me foi criador e assassino,
Com o sacrifício de príncipe do menino.
As cicatrizes de ontem abrem as feridas de hoje.
Luiz Antonio Ferreira e Sérgio Viralobos
Leia outras colunas Frente Fria aqui.
Sergio , adorei!
Adorei que você adorou!