Hermann Sheffield se localiza na ponta da cadeia evolutiva. Na ponta de baixo, bem entendido. A cada ano é sério candidato do prêmio Darwin, outorgado aos que são capazes de desafiar a evolução da espécie. O Brasil-il-il já venceu o prêmio uma vez, com o padre do balão, aquele que decolou de Paranaguá para as profundezas do mar, sem incluir em seu equipamento motor, velas, bússola ou mesmo um GPS, mas sim dois celulares – com os quais, talvez, julgasse possível determinar os rumos de seu desatinado voo.
Ano passado tivemos oportunidade de trazer o bicampeonato, com a performance daquele patriotário agarrado à grade dianteira de um caminhão em movimento, sabe-se lá a caminho de onde. Mas ele sobreviveu incólume, o que tirou nossas chances de vencer o cobiçado concurso.
Hermann tem se esforçado. Suas especialidades são diversas, embora duas se destaquem. Tropeçar na rua e dar de cara nas pedras irregulares ou no petit-pavé é a primeira delas. Embora tais quedas não cheguem a causar perigo de vida ao infeliz, a chave da tragédia está no fato de que tais estabacadas podem se dar também em ruas de paralelepípedos ou no asfalto rugoso de Curitiba.
Um dos caminhos habituais do involuído Hermann é a Vicente Machado, via forrada por bom piso. Nem isso foi empecilho para que, tempos atrás, ele desabasse em frente à entrada do Omar Shopping, segundos antes que a infantaria motorizada chamada tráfego o alcançasse, ao som de milhões de buzinas. Além da sujeira na roupa e um puído no joelho, Hermann sujeitou-se à humilhação dos alunos do Curso Positivo, a gargalhar daquele trapalhão a tentar juntar sua pasta, processos e os próprios cacos.
Nesses anos recentes, o celular tornou-se protagonista da nossa vida, parte essencial da inteligência geral. Já não precisamos decorar o número do telefone de ninguém, não precisamos saber nomes de ruas e avenidas. Em diversos aspectos, ele é mais inteligente do que algumas pessoas que conhecemos. Tenho conhecidos que de tempos para cá me parecem estar mais solertes, argutos, mais descolados – é o celular a enriquecer o cérebro deles.
Mas Hermann Sheffield é capaz de aniquilar sem esforço essa inteligência agregada. Semana passada, ao chegar a um compromisso, com suas duas mãos canhotas tentando segurar paletó, livros, carteira e chaves, viu seu celular saltar do bolso e, em queda livre geometricamente perfeita, como se fosse um daqueles saltadores de Acapulco, entrar no vão entre o piso e o elevador. No basquete seria uma cesta de chuá.
Coube ao gerente do lugar, com paciência de São Francisco, explicar ao deficiente Hermann que iria travar o elevador e procurar nas entranhas o destino do telefone, digo melhor, da inteligência hermânica.
Encontrado o aparelho, limpo e posto a funcionar como dantes, resta-me solicitar aos organizadores do Prêmio Darwin que ampliem a láurea, concedendo o prêmio também aos que destroem sua inteligência artificial. Daqui a alguns anos, ela será a própria inteligência, como estamos vendo com o ChatGPT.
Hermann estará, enfim, andando de quatro, a tentar perscrutar dentro de buracos e bueiros o destino do seu cérebro sempre fugidio.
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