Dia desses, ouvi um locutor gaúcho repetir a intragável expressão “errou em bola”. Não sei quem inventou tal barbaridade, mas se trata de algo comum no Rio Grande do Sul. Não adianta explicar aos de bombacha que se erra “na bola”. “Errar em bola” equivale a “errar em alvo”, tão errado quanto. Qualquer um pode “errar em uma pessoa” ou “errar em você”, já que “você” é palavra sem gênero. Mas bola e alvo possuem gênero, feminino e masculino, respectivamente.
O mesmo absurdo é cometido em aeroportos, pelos que usam aquele jargão oriundo de traduções canhestras do inglês. “O avião já se encontra em solo”, por exemplo. Em que solo, cara pálida? Solo europeu, solo africano? O correto é “no solo”, ora, bolas.
Tradutores de manuais técnicos tendem a agredir o vernáculo sem pudor. Basta tentar ler as instruções em aparelhos eletrodomésticos ou eletrônicos. Damos de cara com violentas estocadas no fígado do idioma.
Existe, porém, ao menos um tradutor de manuais técnicos digno de elogiar. O argentino Jose Salas Subirat (foto) trabalhava como tradutor de folhetos para companhias de seguros. Enquanto ganhava a vida procurando traduzir “apólices”, “sinistros” e outras palavras típicas do ramo, traduzia na surdina o dificílimo Ulysses, de James Joyce.
A intelectualidade argentina fazia seguidas reuniões tentando encontrar um bom tradutor para a obra, quando foram avisados de que já havia uma versão em castelhano. O irônico é que ninguém conhecia Subirat, até então autor apenas de alguns obscuros poemas de juventude, publicados quase no anonimato.
O Ulises de Subirat passou mais de 30 anos como a única versão castelhana, até que os espanhóis se irritaram com aquilo e produziram duas outras traduções. Em nome da pureza do idioma de Cervantes, extirparam o lunfardo, a linguagem portenha usada na versão argentina, mas Subirat já tinha entrado para a história.
Cometeu, na sua empreitada, uma série de erros, mas com certeza não cometeria algo como “Portas em automático”, excrescência vinda da tradução literal de “doors in automatic”, versão resumida que exclui o complemento “sistem”. Em português, “portas no sistema automático”. Por economia, poderíamos deixar como “portas no automático”, subentendendo “sistema”. Mas “em automático”, façam-me o favor.
A linguagem dos transportes públicos é lamentável. Nos elevadores existe a triste frase “verifique se o mesmo encontra-se parado no andar”. É texto oriundo de lei, mas o autor do texto, o legislador, beirou o analfabetismo. O correto seria trocar “o mesmo” por “ele se encontra no andar”. Muito mais simples, mais direto, mais correto.
Será difícil acabar com tais vícios. Enquanto isso, seguimos com as portas em automático. Tenhamos paciência, eles são sabem o que escrevem e “erram em idioma”.
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1 Comentário
É, caro Ernani, a Língua Portuguesa é atropelada cada vez mais. Ligamos a TV com o objetivo de assistir um noticiário e nos deparamos com repórteres de rua trajando camisas sociais de cor azul-claro, para fora das calças e com as mangas arregaçadas até os bíceps, utilizando um linguajar coloquial inadmissível numa pessoa formada em Jornalismo.
Então temos uma saraivada de “aí”; inserção do pronome relativo “que” nas perguntas, de forma a que tenhamos que ouvir o tal do “como que o sr. vai fazer”, ou “como que será feita a licitação”, etc.
Além disso, os repórteres falam como se fossem gravações das operadoras de TV a cabo. “Você ligou pra NET. Como posso te ajudá? Tô vendo aqui que…”
Querendo parecer coloquiais, matam as terminações verbais, usando “recebê”, “pavimentá”, “acidentô”… e vão além: tratam suas colegas chamando-as pelos diminutivos dos nomes, demonstrando uma grande intimidade com a repórter.
Ouve-se “Obrigado, Rô!”; “É com você, Du”; como se estivéssemos num bate-papo informal num happy-hour.
Sinhá, meus sais, que desfaleço!