Por Paulo Rabello de Castro
Arcabouço, com a ajuda do Google, “é uma estrutura, o esqueleto no caso dos humanos e animais, e também um conjunto em que algo é baseado e construído”. Pois bem. Após três meses no cargo, em parte procurando entender os meandros da sua pasta na Fazenda e, em maior parte, deixando baixar a poeira das danças de poder petistas em torno da Esplanada, eis que o ministro Fernando Haddad – o FH – nos traz a estrutura, o esqueleto, o primeiro esboço do seu trabalho de fazer as despesas do Estado brasileiro “baterem” com as receitas e quaisquer outras verbas disponíveis. O tal arcabouço fiscal é isso, um conjunto de regras para ser seguidas pelos ordenadores de despesas federais, uma vez que o Congresso as tenha acolhido como lei complementar à PEC da Transição, a que desmontou o Teto de Gastos da gestão Temer, razoavelmente obedecido pelo senhor Bolsonaro e seu ministro da Economia.
E o que prevê o arcabouço? A regra geral proposta parece simples e austera: a despesa crescerá menos do que a receita (sempre descontada a inflação) do período anterior, na base de 70% uma da outra, a menos que, por algum motivo, a receita tenha evoluído muito pouco (menos do que 0,9% de crescimento real). Nesse caso, a despesa poderá crescer pelo menos 0,6%. Em compensação, em anos muito favoráveis, de crescimento real da arrecadação superior a 3,6%, a despesa corrente ficará “segura” em 2,5%. À parte isso, em outra conta de controles, os atuais resultados negativos entre a despesa total (exceto juros) e a receita líquida, da ordem de mais que 1% do PIB, precisam melhorar gradativamente, até virar um resultado positivo de 1% do PIB (o superávit primário, antes do gasto com juros, assim se chama essa conta).
Se você ainda está acompanhando esta aborrecida descrição do “arcabouço fiscal”, mesmo sem entender direito o significado disso na vida dos brasileiros nos próximos anos, imagine como o próprio ministro, que é um sujeito da política, um simpaticão, sem entendimento profundo da xaropada de números trazidos pelos zelosos assessores, vê a ficha cair sobre o fato de que a conta da despesa total dos 37 ministérios de Lula é muito maior do que o aumento máximo de receita de tributos, com o freio da regra dos 70%. Com essa regra, até austera para um ministro não-especializado em Fazenda, FH não atenderá as despesas correntes projetadas, muito menos poderá tocar as sonhadas obras de um novo PAC, no mandato Lula 3.
Ora, há sempre uma solução e o próprio mercado a soprou no ouvido do ministro FH, antes mesmo que ele pudesse fingir surpresa com o impasse das receitas insuficientes. De fato, a receita de tributos não precisa esperar que os brasileiros que pagam impostos ganhem mais ou faturem mais para, então, recolher para o Erário. Tem gente que não paga porque se esconde do Fisco, ou é isenta de pagar, por benesses legais. Em questão de horas, o noticiário dos jornais e TVs ficou repleto de apontamentos de onde estariam as fontes adicionais de receitas fiscais. O ministro FH não perdeu tempo. Apresentou sua própria lista, jurando que não sairá aumento algum para quem já paga. Contudo, tudo indica que é a carga de quem já paga que ficará mais onerada. Na porta ao lado do ministro, o Secretário da Reforma Tributária, Bernard Appy, anuncia cashbacks – cheques de devolução que seriam implantados para, justamente, compensar a majoração dos itens de consumo popular cujos preços darão um salto com a pretendida alíquota única do IVA, de quase 30% sobre bens essenciais. “Pra ser justo” é uma nova campanha do governo para justamente “justificar” mais esse assalto ao bolso da população por meio de uma nova mesada, o cashback. E assim vamos nos habituando a virar uma nação de pedintes e assistidos.
O período em que as despesas subiram ano após ano, acima da inflação e do PIB, mas ficando sempre, na média, em 70% da arrecadação federal, como agora pretende o ministro FH, foi durante os mandatos de FHC. O outro FH, o Cardoso, tinha um secretário da Receita Federal – Everardo Maciel – professor em fazer o Leão rugir e a população pagar. Não tenho certeza de que esse tempo e essas competências poderão ser resgatados. É certo que FH, o atual, tem pinta de querer ser um futuro FHC. É legítimo. Mas é muito menos certo que o presidente que sustenta o ministro endosse um exemplo de desempenho ligado a FHC como paradigma para o atual mandatário da Fazenda, por mais que Cardoso tenha sido padrinho de Lula, em ocasiões passadas.
Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. Foi Presidente do Instituto Atlântico e fundador da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos públicos. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa.