Cerca de 177 quilômetros ao sul de Oslo, ao longo de uma estrada margeada por pinheiros e bétulas, um posto de abastecimento reluzente permite vislumbrar um futuro no qual os veículos elétricos predominam.
Os carregadores superam em muito o número de bombas de gasolina na área de serviços operada pela Circle K, uma rede de varejo que começou no Texas. Durante os fins de semana de verão, quando os moradores de Oslo escapam para casas de campo, a fila para recarregar baterias às vezes se estende até a via de acesso.
Marit Bergsland, que trabalha na loja de conveniências, precisou aprender como ajudar clientes que não conseguem conectar os veículos aos carregadores, além de suas tarefas habituais, como virar hambúrgueres e cobrar por alcaçuz salgado, uma iguaria popular no país. “Às vezes precisamos dar um café para que eles se acalmem”, disse ela.
No ano passado, 80% das vendas de carros novos na Noruega foram de elétricos, posicionando o país na vanguarda da mudança para a mobilidade movida a bateria. Além de transformar a Noruega num observatório para descobrir o que a revolução dos veículos elétricos pode significar para o meio ambiente, para os trabalhadores e para a vida no geral. O país encerrará as vendas de automóveis com motor de combustão interna em 2025 – deve ser um dos primeiros do mundo a alcançar isso.
A experiência da Noruega sugere que os veículos elétricos trazem benefícios sem as consequências terríveis previstas por alguns críticos. Há problemas, é claro, incluindo os carregadores sem funcionar direito e as longas filas de espera em períodos de alta demanda. As concessionárias e os varejistas tiveram de se adaptar. A mudança reorganizou o setor automobilístico, transformando a Tesla na marca mais vendida e deixando de lado montadoras consagradas como Renault e Fiat.
Mas o ar em Oslo, capital da Noruega, está comprovadamente mais limpo. A cidade também está mais silenciosa, pois os veículos mais barulhentos movidos a gasolina e a diesel são descartados. As emissões de gases de efeito estufa de Oslo caíram 30% desde 2009, ainda assim não houve desemprego em massa entre os trabalhadores dos postos de gasolina e a rede elétrica não foi arruinada.
Alguns legisladores e executivos de empresas descrevem o combate às mudanças climáticas como algo que exige um sacrifício terrível. “Não é bem assim com os veículos elétricos”, disse Christina Bu, secretária-geral da Associação Norueguesa de Veículos Elétricos, que representa os proprietários. “Na verdade, é algo que as pessoas acolhem.”
A Noruega começou a promover veículos elétricos na década de 1990 para apoiar a Think, uma startup de automóveis elétricos de propriedade que há alguns anos é propriedade da Ford Motor. Os veículos movidos a bateria eram isentos de impostos sobre valor agregado (IVA) e de importação, e não pagavam pedágios nas estradas.
O governo também subsidiou a construção de postos para carregamento rápido, crucial em um país quase tão grande quanto a Califórnia, com apenas 5,5 milhões de habitantes. A combinação de incentivos e carregadores por todos os lados “fez sumir todos os fatores de conflito”, disse Jim Rowan, CEO da Volvo Cars, com sede na vizinha Suécia.
As políticas posicionam a Noruega mais do que uma década à frente dos EUA. O governo Biden almeja que 50% das vendas de veículos novos sejam de elétricos até 2030, um marco que a Noruega alcançou em 2019.
A poucos metros de uma rodovia com seis faixas que contorna a orla de Oslo, tubos de metal saem do telhado de um galpão pré-fabricado. A construção mede a poluição gerada pelos veículos que passam por ali, a poucos passos de uma ciclovia e de uma marina.
Os níveis de óxidos de nitrogênio, subprodutos da queima da gasolina e do diesel que provocam poluição atmosférica, asma e outras doenças, caíram drasticamente conforme o número de veículos elétricos aumentou. “Estamos prestes a resolver o problema dos NOx”, disse Tobias Wolf, engenheiro-chefe de qualidade do ar de Oslo, referindo-se aos óxidos de nitrogênio.
Mas ainda há um problema e é aí que o bicho pega. O ar de Oslo tem níveis insalubres de partículas microscópicas geradas em parte pelo atrito dos pneus com o asfalto. Os veículos elétricos, que representam cerca de um terço dos automóveis registrados na cidade, mas uma proporção maior do tráfego, podem mesmo agravar esse problema.
“Eles são realmente muito mais pesados do que os carros com motor de combustão interna, e isso significa que estão causando mais atrito”, disse Wolf, que, como muitos residentes de Oslo, prefere se locomover de bicicleta.
Outro problema persistente: os moradores de apartamentos dizem que encontrar um lugar para plugar seus carros continua sendo um desafio. Há poucos dias, legisladores e moradores locais se reuniram no porão de um restaurante de Oslo para discutir a questão.
Sirin Hellvin Stav, vice-prefeita de meio ambiente e transporte de Oslo, disse no evento que a cidade deseja instalar mais carregadores públicos, mas também reduzir o número de carros em um terço para tornar as ruas mais seguras e haver mais espaço para caminhar e andar de bicicleta.
“O objetivo é reduzir as emissões, e é por isso que os veículos elétricos são tão importantes, mas também é tornar a cidade melhor para se viver”, disse Sirin, do Partido Verde, em uma entrevista posterior.
Os veículos elétricos fazem parte de um plano mais amplo de Oslo para diminuir suas emissões de dióxido de carbono a quase zero até 2030. Todos os ônibus da cidade serão elétricos até o final do ano.
Oslo também está mirando na construção, fonte de mais de um quarto de suas emissões de gases de efeito estufa. As construtoras que concorrem em licitações de projetos públicos têm mais chance de ganhar se utilizarem equipamentos que funcionam com eletricidade ou biocombustíveis.
Em um parque de um bairro de classe operária de Oslo no mês passado, uma escavadeira tirou terra para criar um lago decorativo. Um cabo grosso conectava a escavadeira a uma fonte de energia, fazendo funcionar seu motor elétrico. Depois, um caminhão basculante elétrico levou embora a terra retirada.
Normalmente, a equipe teria sido obrigada a parar de trabalhar na hora da soneca das crianças de um jardim de infância perto dali. Entretanto, o equipamento elétrico era silencioso o bastante para que o trabalho pudesse continuar. (As crianças na Noruega cochilam ao ar livre, quando as condições climáticas permitem isso.)
Espen Hauge, que administra os projetos de construção da cidade, disse ter se surpreendido com a rapidez com que as construtoras substituíram máquinas movidas a diesel por equipamentos elétricos difíceis de se encontrar. “Alguns projetos para os quais pensávamos ser impossível ou muito difícil alcançar emissão zero, ainda assim receberam propostas com emissão zero”, disse ele.
Sirin reconheceu o que chamou de hipocrisia do esforço da Noruega para reduzir os gases de efeito estufa ao mesmo tempo em que produz bastante petróleo e gás. As exportações de combustíveis fósseis geraram US$ 180 bilhões de receita no ano passado. “Estamos exportando essa poluição”, disse Sirin, observando que seu partido pediu que a produção de petróleo e gás fosse eliminada gradualmente até 2035.
Mas o governo da Noruega não recuou na produção de petróleo e gás. “Temos inúmeros campos em produção, ou em desenvolvimento, oferecendo segurança energética à Europa”, disse Amund Vik, secretário de Estado do ministério de Petróleo e Energia da Noruega, em um comunicado.
Em outros lugares, a rede elétrica do país tem aguentado bem, mesmo com a demanda maior por eletricidade. O fato de a Noruega ter energia hidrelétrica abundante ajuda. Contudo, os veículos elétricos aumentaram a demanda por eletricidade modestamente, de acordo com os cálculos da Associação de Veículos Elétricos, e a maioria dos proprietários está recarregando os carros à noite, quando a demanda é menor e a energia é mais barata.
A Elvia, que fornece eletricidade para Oslo e imediações, precisou instalar novas subestações e transformadores em alguns locais, disse Anne Nysæther, diretora da empresa. No entanto, acrescentou: “Não tivemos nenhum caso de a rede não dar conta”.
Também não houve um aumento do desemprego entre os mecânicos de automóveis. Os veículos elétricos não precisam trocar o óleo e exigem menos manutenção que os carros movidos a gasolina, mas eles ainda quebram. E há muitos automóveis movidos a gasolina que vão precisar de manutenção durante anos.
Sindre Dranberg, que trabalha em uma concessionária da Volkswagen em Oslo desde a década de 1980, passou por um treinamento para fazer a manutenção das baterias de veículos elétricos. Foi difícil fazer a mudança? “Não”, disse ele, enquanto substituía células com defeito de um e-Golf da Volkswagen.
Os veículos elétricos estão criando empregos em outros setores. Em Fredrikstad, a cerca de 88 quilômetros ao sul de Oslo, uma antiga siderúrgica foi transformada em um centro de reciclagem de baterias. Os trabalhadores, incluindo alguns que trabalhavam na siderúrgica, desmontam os conjuntos de bateria. Depois, uma máquina tritura as embalagens para separar plástico, alumínio e cobre de uma massa preta que contém ingredientes cruciais como lítio, níquel, cobalto, manganês e grafite.
A fábrica, da Hydrovolt, é a primeira de várias que a empresa pretende construir na Europa e nos EUA. Por enquanto, não há muito para se reciclar. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, as baterias recicladas poderiam reduzir consideravelmente a necessidade de minérios.
“Se pudermos pegar o material já em uso que está dentro do produto e produzir novos, então criaremos um atalho”, disse Peter Qvarfordt, CEO da Hydrovolt, uma joint venture da produtora de alumínio Norsk Hydro e da Northvolt, fabricante de baterias.
Se alguém tem de se preocupar com o próprio emprego são as concessionárias de automóveis. O desaparecimento quase total dos veículos movidos a gasolina e a diesel das vitrines mudou a cara do setor.
O Moller Mobility Group é há muito tempo o maior revendedor de automóveis da Noruega, com as vendas no ano passado totalizando US$ 3,7 bilhões e concessionárias na Suécia e nos países bálticos. A loja do grupo está cheia de Volkswagens elétricos, como o ID.4 e o ID.Buzz. Existem apenas alguns carros com motores de combustão interna.
No entanto, as vendas da Tesla superam bastante as da Volkswagen na Noruega, abocanhando 30% do mercado, em comparação com os 19% da Volkswagen e de outras marcas da montadora alemã, como a Skoda e a Audi, de acordo com o Road Information Council.
As vendas de carros elétricos de empresas chinesas como a BYD e a Xpeng também estão crescendo. Caso esse padrão se repita em outras partes da Europa e dos EUA, algumas montadoras consagradas podem não sobreviver.
Petter Hellman, CEO do Moller Mobility, prevê que as marcas tradicionais vão recuperar terreno porque os consumidores confiam nelas e elas têm redes de serviços amplas. “Mas a Tesla claramente deu uma estremecida no setor”, disse.
A Circle K, que comprou os postos de gasolina que pertenciam a uma empresa petrolífera estatal norueguesa, está usando a experiência no país para aprender a atender os proprietários de carros elétricos nos EUA e na Europa. A rede, atualmente da Alimentation Couche-Tard, uma empresa com sede perto de Montreal, tem mais de nove mil lojas na América do Norte.
Guro Stordal, executivo da Circle K, tem a difícil missão de construir uma infraestrutura para recargas que funcione com dezenas de marcas de veículos, cada uma com seu próprio software.
Os proprietários de veículos elétricos tendem a passar mais tempo na Circle K porque recarregar baterias demora mais tempo do que encher um tanque de gasolina. Isso é bom para a venda de alimentos. Mas a gasolina continua sendo uma fonte importante de receita.
“Vemos isso como uma oportunidade”, disse Hakon Stiksrud, chefe de mobilidade elétrica global da Circle K, sobre os veículos elétricos. “Mas, se não formos capazes de agarrar essas oportunidades, isso se torna rapidamente em uma ameaça.”
(Estadão Conteúdo/The New York Times)
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