“Quando os homens são corruptos, as leis são inúteis”. A frase do ex Primeiro-Ministro do Reino Unido, Benjamin Disraeli, é antiga, data do século XIX, mas pode muito bem ser usada nos dias atuais. No Brasil, por exemplo, não cumprir leis, ou alterá-las em benefício próprio, virou quase um direito adquirido na classe política.
A mais recente desfaçatez, que obviamente não será a última, dos parlamentares brasileiros é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/23, que perdoa os partidos políticos que não cumpriram cotas de gênero ou raça nas eleições de 2022 e anteriores ou que tenham irregularidades nas prestações de contas. Se aprovada, será a maior anistia concedida a partidos políticos na história do Brasil.
Pelo texto, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, fica proibida a aplicação de multas ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha aos partidos que não tiveram o número mínimo de candidatas mulheres ou negros no pleito de 2022 e dos anos anteriores. As legendas também ficam isentas de punições por prestações de contas com irregularidades antes da promulgação da PEC.
A PEC 9/23 é mais um exemplo que, no Brasil, as leis não precisam ser cumpridas. Pelo menos por uma parte da sociedade. Curiosamente, é essa mesma parte, pequena, é bem verdade, composta por apenas 513 privilegiados instalados na Câmara Fderal, que cria as leis que, sempre que necessário a eles, são modificadas ou até mesmo anuladas. Trocando em miúdos: os políticos que aprovam as leis são os mesmos que as mudam quando precisam que elas os beneficiem.
O argumento do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) para produzir esse escárnio contra a Constituição é que não houve tempo para os partidos se adequarem às regras. O texto do parlamentar baiano é ainda mais vergonhoso já que amplia essa famigerada anistia às eleições anteriores e às prestações de contas eleitorais.
Tempo não faltou aos partidos, que deveriam ter vergonha de não cumprir as cotas de recursos que eles mesmos estabeleceram em lei.
Vergonha, no entanto, é artigo raro nesse meio. Tanto que é a quarta vez que os políticos brasileiros aprovam uma lei para anistiar partidos. É evidente que essa parcela de políticos não cumpre regras por ter certeza da impunidade. Os dirigentes partidários sabem que, sempre que necessário, vão encontrar em seus parceiros eleitos apoio para votar uma “autoanistia”.
No Brasil, os partidos recebem verbas astronômicas e gastam quanto querem, da maneira que querem, muitas vezes em divisões aviltantes e sofrem, se é que podemos usar essa palavra, uma fiscalização moderada.
A falta de vergonha é tanta que a deputada Rosângela Reis, do Partido Liberal de Minas Gerais, disse que é importante aprovar a PEC “para evitar o estrangulamento dos partidos”. Falar em estrangulamento quando, só na eleição passada, os partidos dividiram um bolo de mais de R$ 1 bilhão do Fundo Partidário é, no mínimo, ridículo. Em 2015, por exemplo, quase R$ 80 milhões foram utilizados ilegalmente pelos partidos. Com a PEC aprovada, essa dívida será anistiada.
Obviamente, não se colocam todos os deputados no mesmo balaio. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), considera a anistia uma atrocidade. “Se faz lei para não cumprir, melhor não fazer lei. A partir do momento que existe a lei, precisa cumprir. Vários partidos cumpriram as regras, por que alguns que não cumpriram agora querem mudar? Isso vai contra o interesse público”, defendeu ela.
A Câmara dos Deputados deve votar essa PEC ainda essa semana. Não deve ter qualquer dificuldade em aprovar mais essa afronta ao Brasil. É bom que se diga, porém, que dinheiro nunca faltou aos partidos para que se cumprissem as cotas. O que faltou foi seriedade e vergonha na cara.