Ao terminar a faculdade, o jovem repórter, dono do respeitado certificado de conclusão do curso de Direito na UFPR, tomou um ônibus com destino ao Rio de Janeiro. Pretendia fazer carreira no jornalismo, munido de meia dúzia de cartas de apresentação.
Quem primeiro lhe abriu as portas foi o deputado estadual pelo Estado do Rio de Janeiro, também dono do jornal Luta Democrática, Tenório Cavalcanti. Alagoano de Palmeira dos Índios, terra de gente rude, era homem de muita fama na Baixada Fluminense, onde a rudeza não era menor. Andava de capa, armado com uma metralhadora batizada como Lurdinha, e não tinha pejo em abrir a camisa e mostrar as cicatrizes das balas que havia levado no lombo.
Tenório acolheu o rapaz e lhe propôs de imediato não um emprego, mas um plano de vida. Acolheria o recém-diplomado bacharel em sua casa de Duque de Caxias – mansão de quarteirão inteiro, cercado de muros altos – e regularizaria sua situação na OAB do Estado do Rio.
O advogado poderia, então, trabalhar pelas manhãs no escritório político do deputado, atendendo seu eleitorado nas questões jurídicas. À tarde, seguiria para a cidade do Rio de Janeiro ao volante da Mercedes-Benz de Tenório, ouvindo o editorial que ele ia ditando para a edição do jornal do dia seguinte.
O jovem agradeceu, ficou de pensar e não aceitou. Tinha ido morar no Rio de Janeiro pensando na zona sul carioca, não na Baixada Fluminense. Tratou de conversar com Luiz Orlando Carneiro, no Jornal do Brasil, decepcionando-se com os salários pagos a repórteres em início de carreira. Então aceitou o convite do também deputado Álvaro Valle, este do Estado da Guanabara, para trabalhar como assessor e copydesk, tanto na Assembleia Legislativa como na Editora Laudes, da qual era proprietário.
Foi nesse intervalo, entre o quase emprego e o primeiro ganha-pão carioca, que recebeu um pacote de Luiz Augusto Xavier, pedindo um favor. A encomenda trazia as gravações em fitas-cassete de duas músicas compostas por ele e Edson Luiz Militão, cujas deveriam ser levadas à Rede Globo e inscritas no Festival Internacional da Canção. Com o tempo livre próprio dos desempregados, bandeou-se em direção ao Jardim Botânico, sede da emissora.
Lá foi surpreendido por uma exigência não prevista: as canções deveriam ser inscritas pelos próprios compositores ou por um deles. Sem alternativa, foi a um orelhão e ligou para o Xavier. Ele, no ato, deu a solução. Preencha outras fichas e inclua-se como coautor das músicas.
Foi assim que, sem saber nada de partituras, sem nunca ter escrito versos nem em guardanapo de mesa de boteco, o bacharel e aprendiz de jornalista aguardou com muita expectativa a publicação dos classificados no maior festival de música do país.
No painel de cortiça da Globo, logo na entrada da sede, ele procurou com avidez o nome das duas canções e seus compositores. Talvez estivesse ali a chave para seu sucesso. Quem sabe engatasse parcerias com Chico Buarque, Ivan Lins, Fagner.
Foi profunda a decepção. Suas composições não tinham sido classificadas. Estava encerrada a brilhante carreira fraudulenta de um compositor de araque, que não tinha, ao menos, ouvido as obras que assinou sem remorsos.
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