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Americanas: como estão as ações após seis meses da fraude contábil

11/07/2023
americanas

Nesta terça-feira (11), o escândalo da Americanas completa seis meses. As ações acumulam uma desvalorização de 90,5% desde o início da crise, passando de R$ 12 para os atuais R$ 1,13. O valor de mercado da companhia caiu para R$ 1 bilhão no período, cerca de 12% do que era no início do ano, enquanto o volume médio negociado diariamente tombou 96,5%, para R$ 16,3 milhões. Os dados foram levantados pela Economatica.

 

A derrocada da empresa do trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, começou no dia 11 de janeiro deste ano, por meio da publicação de um fato relevante intitulado “Questões Contábeis e Alterações na Administração”. O documento assinado pelos recém empossados presidente e diretor financeiro da empresa, Sérgio Rial e André Covre, revelou ao mercado a descoberta de “inconsistências contábeis” de cerca de R$ 20 bilhões nos balanços da companhia.

 

Esse descasamento bilionário viria de operações de risco-sacado — empréstimos feitos com bancos para adiantar o pagamento de fornecedores — não contabilizadas. No mesmo comunicado, Rial e Covre anunciavam suas renúncias. Eles ficaram menos de 10 dias nos cargos.

 

No dia seguinte, 12 de janeiro, os papéis da Americanas (AMER3) caíram 77,3%, o que fez vários investidores pessoas físicas amargarem graves prejuízos (leia a história do investidor que perdeu tudo). Pouco tempo depois, em 19 de janeiro, a empresa ajuizou sua recuperação judicial e teve o deferimento do pedido na Justiça.

 

Apesar de maiores detalhes sobre o rombo contábil ainda serem desconhecidos na época, o consenso do mercado era de que se tratava de uma fraude, possivelmente praticada há vários anos. Entenda o que se sabe sobre a crise e a recomendação para as ações após 6 meses.

 

Fraude confirmada, diretoria afastada

O principal palpite do mercado acerca da crise na Americanas se mostrou correto: o buraco nas contas da Americanas veio de uma fraude, admitida pela varejista em um fato relevante publicado em 13 de junho.

 

Uma investigação conduzida internamente pela empresa apontou que diversos contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que são incentivos comerciais utilizados no varejo, foram artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da varejista. No total, essa manobra reduziu em R$ 21,7 bilhões a dívida da empresa com fornecedores.

 

Depois, teriam sido contratados vários financiamentos junto a instituições financeiras (risco sacado), sem as devidas aprovações societárias. Esse débito, que teria chegado a R$ 20,6 bilhões (R$ 18,4 bilhões de risco sacado e R$ 2,2 bilhões em operações de financiamento de capital de giro), foi inadequadamente contabilizado no balanço patrimonial da companhia de 30 de setembro do ano passado. No total, a dívida que a empresa acumula seria de mais de R$ 40 bilhões.

 

A investigação interna aponta ainda a participação da antiga diretoria na fraude. Pelo menos sete pessoas foram identificadas: o ex CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, além dos ex executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes. O trio de bilionários, Lemann, Telles e Sicupira, acionistas de referência da varejista, não foram citados.

 

A empresa responsável por auditar os balanços da Americanas na época em que as fraudes ocorreram, chamada PwC, também foi substituída no final de junho. Atualmente, a empresa é auditada pela BDO RCS.

 

Caso isolado

A situação da Americanas (AMER3) gerou um impacto sistêmico no mercado. As debêntures da empresa foram marcadas com um desconto de mais de 90%, o que impactou os fundos de crédito privado e levou a uma fuga de cotistas destas aplicações. Essa evasão foi intensificada pela crise da Light (LIGT3), iniciada em fevereiro.

 

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Paralelamente, as instituições financeiras passaram a ser mais criteriosas em relação ao fornecimento de crédito. “Os bancos cortaram essas operações a diversas fontes, não só no varejo, mas vimos, por exemplo, empresas de proteínas que acabaram fazendo por conta própria o financiamento dos clientes”, afirma Guilherme Paulo, operador de renda variável da Manchester Investimentos.

 

O temor era de que outras companhias da Bolsa também estivessem contabilizando o risco sacado de forma incorreta, inflando os números. Para Paulo, o que ficou evidente nesse processo é de que a regra fiscal sobre esse tipo de operação não era muito clara.

 

“Existem brechas que o mercado vai começar a fechar ao longo do tempo”, afirma. Entretanto, após os questionamentos a outras varejistas e demais empresas que utilizam o risco sacado, percepção final é de que o caso da Americanas foi algo realmente isolado. “De certa forma o mercado já digeriu tudo isso, avaliou o balanço de outras empresas e viu que não tem mais esse tipo de risco.”

 

Ações fora da recomendação do mercado

Um semestre pós estouro da crise, a cotação dos papéis ainda está bem longe de voltar aos antigos patamares. Ainda assim, os ativos se mantiveram cima de R$ 1 durante todo esse período – valor que é o limite mínimo permitido pela B3 para negociação. Caso a AMER3 ficasse 30 pregões consecutivos abaixo deste limiar, a empresa precisaria fazer um grupamento de ações.

 

“No começo, o que segurou a cotação da empresa acima de R$ 1 foi que ninguém sabia o tamanho do problema”, afirma Paulo, da Manchester Investimentos. “Depois o mercado começou a entender a situação e fazer contas. Ainda assim, a volatilidade do papel nos últimos meses mostra que ainda não se sabe qual o preço-justo para a companhia.”

 

Entretanto, a resiliência dos ativos acima de R$ 1 não é indicativo de que os papéis chegaram ao “fundo”. Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research, ressalta que desde o início da crise, indica para que os investidores fiquem longe de AMER3. “Nos mantivemos céticos com o papel e sugerimos aos nossos clientes para não entrarem na companhia”, afirma.

 

Isto porque um processo de recuperação judicial envolvendo cifras grandes tende a ser bastante moroso e delicado. A queda da liquidez nos ativos, troca de auditoria e incertezas sobre os números apresentados em balanço, ainda deixam os analistas inseguros.

 

“Como uma casa de análises fundamentalistas, nós acabamos perdendo até o senso. Como vamos avaliar uma empresa que tem uma demora grande para divulgar novos resultados, com dados não confiáveis?”, questiona Ferrer. “Há uma dificuldade muito grande de fazer a análise do papel, vira um ativo muito especulativo e acho que foi uma decisão acertada.”

 

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No site de Relações com Investidores (RI) da Americanas, os papéis AMER3 aparecem com status “em revisão” por todos os analistas que cobriam o ativo.

 

Futuro ainda é incerto

Nestes seis meses, algumas perguntas importantes foram respondidas sobre o Caso Americas – é o caso da confirmação da fraude, por exemplo. Muitas outras, contudo, seguem irresolutas. Entre estas, a principal é sobre o turnaround da companhia.

 

Os analistas preveem uma recuperação judicial longa, de uma companhia cujo setor possui literalmente pouca margem para erro. Isto porque o varejo geralmente trabalha com margens de lucro apertadas, já que é um segmento altamente competitivo. “A empresa está tendo que queimar caixa para tentar manter a operação de pé, mas isso será muito danoso em termos de balanço”, diz Ferrer. O analista estima uma queda de 30% do caixa em abril deste ano em relação a dezembro do ano passado.

 

A Americanas anunciou que os acionistas de referência, Lemann, Telles e Sicupira, se comprometeram a realizar um aumento de capital de R$ 10 bilhões, em dinheiro, para ajudar na reestruturação de capital da companhia. Também há a possibilidade de mais dois aumentos de capital adicionais, de até R$ 1 bilhão cada, serem feitos em datas futuras, se necessário.

 

“A companhia espera continuar mantendo discussões construtivas com seus credores em busca de uma solução sustentada que permita a continuidade de suas atividades”, afirmou a Americanas, em fato relevante.

 

 

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