Este singelo escritor, rude cidadão sobre o qual pairam acusações de possuir coração peludo, em vista da pouca importância que dedica aos ritos da sociedade, já esteve envolvido cem por cento nos preparativos para comparecer a um – pasme, leitor – baile de debutantes.
Deu-se que naquele ano minha prima Sônia iria debutar no Clube Joinville, com o que me convidou para ser seu padrinho. A tarefa iria demandar diversos encargos, das quais a menor seria cumprir a viagem desde Curitiba. Haveria ensaio, por exemplo.
O primeiro passo foi decidir sobre o smoking, o traje protocolar exigido para a ocasião. A solução caseira seria transformar um smoking sem uso do meu pai em algo que caísse bem no corpo do filho, 20 quilos mais magro.
O velho levou-me ao seu alfaiate de confiança, na Alfaiataria Terron & Schinzel. Terron era mestre em reformar smokings, garantiu. Passaram-se uns dias, fui fazer a prova do traje. Marcada a entrega, levei a roupa para casa, todo pimpão. Ao experimentá-la, notei que o alfaiate era mágico.
Para diminuir a circunferência das pernas da calça, Terron tratou de retirar boa parte do pano. Como as calças de smoking não tinham bolsos traseiros, foi aquele pedaço que ele cortou e emendou com a parte da frente. A estratégia deu certo, a calça caiu como uma luva. Com o detalhe de que os bolsos laterais foram parar no lugar dos inexistentes bolsos de trás. Não haveria nenhum inconveniente, se eu não tentasse enfiar as mãos nos bolsos. Caso tentasse, como tentei muitas vezes, ficaria com o corpo em uma posição estranha, como se fosse um barrigudo orgulhoso da adiposidade excessiva, com o tronco quase a 90 graus das pernas.
Comprei uma camisa de gala para ser engomada. A gravata borboleta tinha uma bossa que me pareceu um luxo: as sobras do laço formavam duas tiras que desciam uns cinco centímetros sobre o peito. Senti-me chiquíssimo, considerando que os bolsos da calça estavam invisíveis.
Clube lotado, as meninas fizeram sua entrada triunfal, dançaram a primeira valsa com os pais, depois os padrinhos fizeram seu papel. Tenho orgulho em dizer que não tropecei, não pisei no pé de ninguém, não saí do script. Entreguei a moça para seu namorado, Gerson Rodrigues Alves (com quem casou e continua a perseverar), e tratei de encantar uma amiga da minha prima, a quem eu dedicava verdadeira paixão.
Voltei otimista para Curitiba, minhas chances eram boas. A ilusão durou umas duas semanas, até o telefone tocar lá em casa. Era ela. Entre risos e bobagens, me surpreendeu:
– Preciso arrumar um namorado.
Seu interlocutor, tímido e desajeitado, ficou quieto. Se dissesse “sou eu”, ela poderia retrucar: “Gosto de você como amigo”.
Melhor não passar vergonha, engolir a paixão e tocar a vida, sem perder tempo com essas nuances do amor. Na certa haveria outro baile em que eu pudesse desfilar minha falta de charme, enfiando a mão nos bolsos traseiros do smoking e sair assoviando ‘Flying to The Moon’ todo torto, como se nada tivesse acontecido.
Sempre tive certeza de que não deveria me intrometer em assuntos tão complexos quanto bailes de debutantes. Talvez já pressentisse que temas assim iriam provocar a tal espessa pelugem que dizem envolver meu combalido coração.
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