Por Francisco Gomes Junior
A cronologia pode ser assim resumida: a Justiça do Trabalho (JT) nasceu em 1941, quase que ao mesmo tempo em que surgiu a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) em 1943. A Constituição Federal de 1946 integra a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, que é mantido pela Carta Magna de 1988.
Nas últimas décadas, a JT desempenha um importante papel, julgando e estabelecendo jurisprudência sobre os temas trabalhistas e buscando equilíbrio social ao levar em conta a hipossuficiência do trabalhador. Em função de sua efetividade a favor do trabalhador, as demandas avolumaram-se, assim como uma enxurrada de pedidos exagerados.
Dada a ausência da sucumbência até então, tornou-se comum que em uma reclamação trabalhista fosse efetuado todos os pedidos possíveis e alguns impossíveis e desprovidos de provas. A reforma trabalhista de 2017 trouxe algumas alterações estabelecendo, por exemplo, o pagamento de custas do processo para o reclamante que perder o processo (inclusive o beneficiário da justiça gratuita) e a sucumbência também passou a ser aplicada com maior frequência.
Absorvendo alterações sociais nas relações de trabalho, a reforma acabou com a contribuição sindical obrigatória, criou uma forma de trabalho, o intermitente, fortaleceu as negociações prevendo que convenções e acordos coletivos podem prevalecer sobre a legislação, dentre tantas outras alterações. Tudo visando preparar a Justiça do Trabalho para uma era digital que alterou sensivelmente as relações de trabalho e criou novas formas de organização.
Vivemos o tempo da uberização do trabalho, onde há um novo modelo de trabalho, mas flexível e que o profissional presta serviços conforme a demanda. E há um enorme debate sobre essa questão. A flexibilização gera empregos, combatendo as altas taxas de desemprego do país e garantindo uma renda para muitos, por outro lado, não estão garantidos todos os direitos previstos na legislação trabalhista. Como resolver esse imbróglio?
Outra questão relevante é sobre a denominada “pejotização” do trabalho, ou seja, a contratação de Pessoas Jurídicas, em contratos próprios, como prestadores de serviço, em substituição a um modelo anterior de contratação de pessoa física. Outra questão a se resolver.
E nesse momento surge uma importante divergência entre os entendimentos da Justiça do Trabalho (sobretudo do Tribunal Superior do Trabalho) e o STF (Supremo Tribunal Federal).
A visão do STF parece mais adequada aos tempos atuais, reconhece todas as formas de terceirização de serviços e a flexibilização. O Ministro Gilmar Mendes tem sido um crítico sobre a visão do TST, declarando em seus votos que “os caprichos da Justiça do Trabalho não devem obediência a nada: à Constituição, aos Poderes constituídos ou ao próprio Poder Judiciário. Observa apenas seus desígnios, sua vontade, colocando-se à parte e à revelia de qualquer controle”.
Talvez a manifestação do Ministro seja a voz de muitos setores da sociedade que não aceitam mais os “justiceiros trabalhistas” como define o jurista Otávio Torres Calvet. Na realidade, ao divergir de decisões do STF, a Justiça do Trabalho está fazendo com que muitos tenham que recorrer à Suprema Corte, o que vem criando um acúmulo de demandas com mais de 2.500 reclamações em andamento, o que prejudica o andamento dos trabalhos.
Em recente decisão, a 2ª Turma do STF decidiu que deve prevalecer o regime de contratação estabelecido entre as partes, ou seja, se a forma de contratação foi por meio de Pessoa Jurídica (PJ), não há de se falar em vínculo empregatício. E segundo Gilmar Mendes, o tema 725 do STF, que tem repercussão geral, definiu que é permitida a terceirização e qualquer outra forma de divisão de trabalho, incluindo a contratação de pessoa jurídica.
Ainda, por se tratar de contrato civil entre partes plenamente capazes, a competência para julgar demandas oriundas desse contrato será da Justiça Comum e não da Justiça do Trabalho.
Obviamente que, no Estado de Direito brasileiro e à luz de nossa Constituição, a última palavra compete ao STF e assim será. Mas ainda há resistência por parte de setores da Justiça do Trabalho, em diversas instâncias. O que se espera é que, em nome da segurança jurídica e do funcionamento do Poder Judiciário, ocorra uma breve adaptação aos novos modelos de trabalho e às decisões da Suprema Corte.
Francisco Gomes Júnior – Advogado Especialista em Direito Digital. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor da obra “Justiça sem Limites”. Instagram: @franciscogomesadv