Este é o tipo de artista que quase não precisa de apresentações para um curitibano da gema. Quase todo nativo daqui conhece o músico Plá, artista de rua famoso, que já ganhou até filme, estreado em 2019. O documentário “Plá Rock, o filme”, dirigido por GG Valentino, um de nossos maiores cineastas, pretende contar sobre um lado do protagonista que só os mais próximos conhecem. Veja o resultado aqui.
Foi o mesmo GG Valentino que levou o Plá ao icônico bar Gostinho da Tetê para uma entrevista filmada para o HojePR. Nascido em Santa Catarina, mais especificamente em Campo Belo do Sul, Ademir Antunes (o Plá) se mudou para Curitiba em 1976, e começou a fazer o seu caminho por aqui, desde então, com muito sucesso, sendo eleito cidadão honorário de Curitiba pela Câmara de Vereadores em 2018. Muitos podem achar suas músicas simplistas e sua persona artística uma mistura de Mahatma Ghandi com Raul Seixas, mas Plá é bem mais do que isso. Para se ter uma ideia, mereceu um artigo chamado “Do pedal ao violão: uma análise folkcomunicacional das músicas do artista Plá nas Bicicletadas em Curitiba”, escrita por Rosa Maria Dalla Costa (Universidade Federal do Paraná), Maiara Garcia Orlandini (Universidade Federal de Minas Gerais) e Luciane Leopoldo Belin (Universidade Federal do Paraná). Aí vão uns trechos para vocês conferirem a importância do cara:
• Nos últimos anos, o aumento da frota de automóveis como meio de transporte prioritário nas grandes cidades tem incentivado o surgimento de grupos populares que se manifestam pelo uso da bicicleta para locomoção no dia a dia. Inspirada por movimentos internacionais, a Bicicletada é um desses grupos marginalizados que, por meio de eventos e ações de manifestação cultural, comunica sua demanda social. Entre essas expressões culturais estão as músicas compostas pelo artista popular Plá, membro ativo das Bicicletadas e considerado um líder de opinião, já que atua de maneira a comunicar para a sociedade a demanda de um pequeno grupo. Neste artigo, analisam-se canções compostas por esse artista sob a perspectiva da folkcomunicação, cunhada por Luis Beltrão, para observar sob quais aspectos se configuram como um objeto de folkcomunicação. Constatou-se, a partir da análise de conteúdo de 23 canções, que estas atuam como expressão de manifestações culturais, pois transformam a luta em objeto musical e comunicacional, expandindo o universo da discussão e a apresentando à população da cidade por meio de suas músicas.
• Um dos membros mais ativos da Bicicletada de Curitiba é um artista local, o músico Plá, ator social bastante reconhecido por passar seus dias em regiões centrais como a Rua XV de Novembro e as feiras populares em praças e parques da cidade. Desde 1984, Plá desenvolve um trabalho de produção musical com temáticas variadas e, com frequência, aborda assuntos referentes à convivência nas cidades e problemas urbanos. Em seu website, se coloca como “o cantor e compositor mais popular de Curitiba” e descreve sua conexão com o movimento da Bicicletada, da qual é membro desde o ano de 2005. De 2009 a 2015, além de participar dos passeios ciclísticos, passou a desempenhar um papel mais ativo politicamente, encabeçando as lutas e assumindo as reivindicações da Bicicletada, com suas canções voltadas diretamente para a mobilidade. Plá e a Bicicletada se caracterizam como um grupo que se organizou localmente a partir de uma demanda que, embora esteja em sintonia com questões de abrangência internacional, é muito forte na região. A reivindicação principal é sobre o direito à cidade como dinâmica, não apenas socioespacial, mas também política.
• Dotados dessas características, os folkcomunicadores atuam como tradutores de conteúdos sociais, influenciando mudanças de comportamento ou o padrão cultural dos liderados. Além de ligar o mundo da comunicação de massa ao mundo da comunicação popular. O artista Plá é identificado como líder comunicacional, já que, por meio de suas músicas, faz uma leitura e reinterpreta as reivindicações do movimento Bicicletada. Um paralelo também pode ser traçado com o conceito de “homem marginal”, cunhado por Robert Park, ligado à Escola de Chicago. Amplamente discutido por pesquisadores brasileiros, tal conceito trata de personagens que se situam às margens de diversos grupos sociais e que, embora tenham laços de pertencimento em mais do que um, não se sente parte de qualquer deles. Nesse caso, Plá traz a característica de estar às margens, assim como os ciclistas, de maneira geral, mas ele atua também como líder e mediador.
• Em cada uma das canções analisadas, Plá expressa em suas próprias palavras, com uma linguagem de fácil compreensão, coloquial e popular, as demandas de todo um grupo; ele trata das demandas desse grupo de pessoas, fazendo alusões às dificuldades e desafios dos ciclistas, representando-os frente à imprensa e ao restante da população, e o aproximando da comunidade de modo geral. Dessa maneira, se caracteriza como um agente folkcomunicador, intermediando esse contato e facilitando a compreensão da relação entre esses agentes no espaço urbano.
• Pautado pelo questionamento sobre em quais aspectos as músicas compostas pelo artista Plá poderiam ser consideradas uma manifestação cultural de folkcomunicação, este artigo realizou um levantamento das canções no repertório do artista e identificou 23 títulos presentes no site do mesmo com a temática de relação com a cidade e o transporte municipal. A partir desse corpus e utilizando como metodologia uma análise de conteúdo, as canções foram classificadas em quatro categorias:
1) Movimento e mobilidade urbana;
2) Temáticas coletivas e urbanas;
3) Questionamentos existenciais;
4) Outros assuntos.
• A análise de conteúdo qualitativa se debruçou mais especificamente sobre as letras das canções que integram a primeira, “Movimento e mobilidade urbana”, analisando que aspectos da mesma evidenciam a relação do artista e do movimento ao qual pertence, as Bicicletadas, com a cidade e o espaço urbano, caracterizando-as assim como uma manifestação cultural de folkcomunicação. Conforme pontua Beltrão (2001, p. 221), as manifestações folkcomunicacionais têm como características a periodicidade e sistematização, ambas identificadas dentro da obra de Plá. A terceira característica é entendê-las, além do aspecto artístico, como uma linguagem que expressa o pensar e sentir de um grupo. Dessa forma, dentro do longo repertório do cantor em questão, a gama de músicas dedicadas a trabalhar com a temática da mobilidade urbana no sentido de promover os ideais da Bicicletada é bastante significativa. São três discos inteiros dedicados a promover a causa do uso das Bicicletadas e, por meio de músicas como “Me Transporto sem Pagá” e “Invasão das Bicicletas” e “Bestafera”, as canções de Plá contribuem para a apresentação e disseminação da agenda dos ciclistas desse grupo, exibindo e incentivando a proposta do uso da bicicleta como meio prioritário de transporte e redução do uso do carro no dia a dia.
• … Nesse sentido, “Bestafera” é outro exemplo de contribuir com uma das reivindicações da Bicicletada. A letra foge ao contexto da cidade de Curitiba, pois se refere a um fato ocorrido em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, em que o advogado Ricardo Neis foi acusado de atropelar um grupo de ciclistas durante um passeio na cidade, em 2011. Na ocasião, Plá participou da Bicicletada em Porto Alegre em protesto ao caso. A letra diz: “Cuidado, minha gente/ Que pedala em POA/ Aqui tem um besta-fera/ Que pode nos atropelar/ Com uma cara insana/ E uma arma em suas mãos/ Atropela os ciclistas/ Com as pior das intenções/ E ele estudou leis/ E até tirou CNH/ O Ricardo Neis/ Tem licença pra matar/ Aqui em Porto Alegre/ Ou em qualquer lugar/ Quando a vida vale menos que a pressa de chegar/ As bicicletas e as pessoas/ Perdem vidas e a vez/ Diante de bestas-feras/ Tipo o Ricardo Neis”. Essa é uma das letras mais representativas, que aponta outra grande demanda das Bicicletadas, a segurança dos ciclistas – já que o atropelamento aconteceu durante um passeio do evento.
Voltemos agora ao bar Gostinho da Tetê para uma entrevista exclusiva com o Plá:
Plá: Eu fiz primeiro a Faculdade de Música, depois que acabei foi que comecei a mostrar minha música nas ruas. Isto foi em 1984.
Sérgio Viralobos: Justamente no ano que surgiram os punks em Curitiba. Lembra deles?
Plá: Lembro, eles me respeitavam. Por que minha música é meio punk também. O começo foi bem louco. Eu tinha uma máquina de datilografia e transcrevia as letras das músicas que eu mais gostava, punha as cifras da música e montava um tipo de um livretinho, pra ajudar as pessoas que quisessem aprender a tocar. Eu tinha também um gravador à pilha e levava um monte de fitas cassetes virgens pra Boca Maldita. Lá eu começava a cantar, gravando ao vivo. Antes eu distribuía o livretinho pro pessoal acompanhar as letras e falava: vou gravar uma fita ao vivo personalizada pra quem quiser comprar. Antes de acabar a primeira música já tinha gente que levantava o braço e dizia: eu quero comprar!
Sérgio Viralobos: Que interessante. Você que inventou o crownfunding então!
Plá: Era super original, ninguém fazia isso e era um sucesso na época. Cada fita era única, pois gravava os barulhos em torno, de carros, conversas, era algo orgânico. Música pra mim é isto: algo vivo. E eu não vendia baratinho, com a venda de uma dessas fitas eu comprava mais dez fitas e fazia mais uns 20 livretinhos. E a roda ia girando. Agora estou gravando o CD número 71.
Sérgio Viralobos: É um recorde mundial. E você consegue viver disso?
Plá: Não vivo disso, eu vivo isso. O fato de viver o que eu faço me dá o retorno naturalmente. E continuo indo pras ruas, todos os dias.
Sérgio Viralobos: Já te aconteceu de dar um branco, um bloqueio criativo?
Plá: Nunca, faço músicas quase todos os dias.
GG Valentino: Você chegou a conhecer o Paulo Leminski?
Plá: Conheci sim. Ele me chamava de poeta. O Leminski quando chegava pra falar comigo estava sempre embalado. Ele partiu cedo. Ele detonou o fígado. Uma pena. Bebia muito. Desses personagens de rua curitibanos conheci alguns como a Gilda. Ela sempre me cumprimentava quando passava. Eu ficava meio na minha. Aquela parada era bem louca, né? Ela chegava nos caras e pedia dinheiro, se não dava o dinheiro, ela falava, vou te beijar. O cara dava o dinheiro pra não ganhar o beijo dela. É, teve muita gente que já passou ali pela Boca Maldita… Aquela mulher vestida de roxo, tu lembra daquela mulher? Ah, é! Ela sumiu, pois então… Ela sempre tava por ali, vestida toda de roxo… Muito louca a roupa dela. Coisa louca. A Borboleta 13, se era minha amiga? Ah, eu sou amigo dela. É mesmo, a Borboleta 13 já partiu, né?
Sérgio Viralobos: Qual teu próximo projeto?
Plá: Esse próximo projeto aí é mais uma ideia do GG, né, mas eu tô apoiando, eu acho que é uma ideia que vale a pena experimentar. Eles já estão treinando umas músicas minhas e vai ser a primeira vez que vai ter uma banda tocando comigo. É bom porque vai dar uma base, um suporte. E é uma experiência boa. Aí eu vou escolher 12 músicas, assim, nossa, eu tenho quase mil músicas gravadas, mais de oitocentas músicas gravadas. Daí eu vou escolher 12 músicas: as que mais me marcaram.
Sérgio Viralobos: Qual das tuas músicas que fazem mais sucesso?
Plá: Ah, é difícil saber, né? Tem uma que a galera gosta que é a “Eu gosto de rock, mas não falo inglês”. É bem power a letra dela: “Não sou mais marionete da estupidez/ Se tu não está pra ajudar/ Sai da frente, que chegou a minha vez/ Lava bem teus ouvidos, o teu caso não é surdez/ Eu gosto de rock, mas não falo inglês”. O pessoal do Psicodália sempre pede para eu cantar. Toquei em todos os festivais Psicodália, eles gostam também de “Metanóicos” e “Maluco de Cara”, sempre cantam comigo. Em 2007 foi meu show no Psicodália que eu mais gostei, foi em São Martinho, perto de Floripa, numa chácara enorme, tinha umas 3 mil pessoas lá. O show durou mais de 2 horas sem parar e vários músicos que estavam no festival entraram no palco e começaram a tocar comigo de improviso. Foi minha apresentação com maior participação, interação e conteúdo. Felizmente foi filmado.
GG Valentino: Explica pra nós o “Maluco de Cara”. Você é o Maluco do Cara? Quem é o Maluco de Cara?
Sérgio Viralobos: O Raul Seixas fez o “Maluco Beleza”, qual é a diferença pro “Maluco de Cara”?
Plá: Tem muita diferença. “O barato sai caro/Tô maluco de cara/ Daí se entrou THC/ Algo mais entrou em você/ E não deixou você ver/ O que pode nascer/ O que pode morrer/ O barato sai caro/ Tô maluco de cara/ A viagem sem fim/ É a que estou afim/ A viagem presente/ A viagem contente/ Queimando as pontas /Das pontes passadas/ Entrei na vida/ Mergulhei nessa ida”.
GG Valentino: A galera pensa que o Plá é muito louco… Ele é totalmente maluco de cara, isso que é a letra.
Plá: É, porque eu não uso nada. Nada, nada? Nada. Nunca? Não, já experimentei para conhecer, mas nunca fui de chegar lá. Não, não. Nada. Mas para conhecer já, assim, foi. Chá de cogumelo, gostei muito, né? Porque eu tomei. Só pra conhecer a viagem. Depois não precisa mais, prefiro ficar de cara. Outra coisa que eu queria te falar é sobre o movimento das bicicletas. Semana passada estive em Floripa para o Bicicultura, uma reunião de ciclistas do Brasil todo, de quarta até domingo, no campus da Universidade. Aí o pessoal sempre me convida pra tocar… Eu tenho três CDs que falam só sobre o bike, né? Pra galera pedalar, usar menos o carro. Este é o meu objetivo.
Terminada a entrevista, Plá RocknRoll (é assim o seu nome nas redes sociais) e GG Valentino partiram a toda velocidade para outra sessão de gravação no estúdio Pequena Garagem Que Grava do seu álbum de número 71, chamado de “Nova Estação”. Clique aqui para ouvir o clipe da música “Distração”, feita em parceria com Pedro Hey Branco.
Boa sorte aos artistas que acreditam em si!
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