Quando a mulher entra na menopausa, uma das principais queixas está relacionada ao surgimento dos sintomas vasomotores – as famosas ondas de calor, popularmente chamadas de “fogachos”, que causam intenso desconforto. Acredita-se que pelo menos 90% delas experimentarão esses sintomas de forma leve (uma sensação de calor sem suor, que não chega a ser um incômodo completo). No entanto, um novo estudo aponta que um terço das mulheres brasileiras sofrerá com a intensidade moderada ou grave, o que impacta negativamente na qualidade de vida e tem influência direta no sono.
As ondas de calor durante a menopausa estão ligadas à diminuição do estrogênio, o principal hormônio feminino. Normalmente, elas surgem de maneira súbita, especialmente durante a noite, enquanto a mulher está dormindo, provocando um calor intenso na região do tórax e uma sensação de opressão. O desconforto pode ser tão intenso que algumas mulheres relatam sentir o rosto “queimando” e o suor escorrendo.
A pesquisa avaliou dados de 12.268 mulheres com idades entre 40 e 65 anos no Brasil, Canadá, México, além de quatro países nórdicos: Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. Para obter os resultados, os autores administraram um questionário online com perguntas específicas sobre qualidade de vida durante a menopausa, produtividade no trabalho, comprometimento das atividades e avaliação de possíveis distúrbios do sono. As participantes também forneceram informações sobre as atitudes adotadas em relação aos sintomas e os tratamentos disponíveis.
Desconforto da brasileira é acima da média
Os resultados indicam uma prevalência geral de sintomas moderados a graves de 15,6% entre todas as mulheres avaliadas. Entretanto, essa prevalência foi significativamente maior entre as brasileiras (36,2%, equivalente a um terço) em comparação com as mulheres nórdicas (11,6%). Os pesquisadores também constataram que os fogachos prejudicaram o desempenho no trabalho em até 30% dos casos, sendo que a maior gravidade dos sintomas foi observada em relação ao sono.
Ainda de acordo com o estudo, muitas mulheres procuraram aconselhamento médico, mas a maioria (56,9%) não estava em tratamento contra os sintomas vasomotores. O artigo foi publicado na revista Menopause, periódico da Sociedade Americana de Menopausa.
Segundo Rogério Bonassi Machado, um dos autores, presidente da Sociedade Brasileira do Climatério (Sobrac) e professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí, o fato de as mulheres brasileiras relatarem sintomas mais intensos do que as nórdicas chamou a atenção – e uma das possíveis explicações é a diferença de temperatura entre os países. “Somos um país muito mais quente, então muito provavelmente as mulheres brasileiras sofrem também por causa da influência do clima”, disse.
Outro fato que chamou a atenção dos pesquisadores é que as mulheres mexicanas relataram menos fogachos – somente 16% delas disseram sentir sintomas vasomotores de moderado a grave –, sendo que elas vivem em condições de clima semelhantes às do Brasil. “Esse é um dado que precisamos entender melhor. Mas, conversando com o pesquisador do México, uma das possíveis explicações envolve a questão cultural. As mulheres mexicanas teriam uma tendência de não reportar tanto os casos quanto as brasileiras: ou seja, elas reclamam menos para seus médicos”, sugeriu Machado.
Por que os fogachos acontecem?
As ondas de calor aparecem por causa da diminuição da ação do estrogênio no hipotálamo, que possui uma região que é responsável pela regulação da temperatura no corpo e trabalha como se fosse um termostato: “No hipotálamo existe um centro termorregulador que atua com faixas de normalidade para trocar ou não o calor. Se a temperatura de fora estiver muito quente, nosso organismo vai querer trocar calor na tentativa de reduzir a temperatura. Quando está frio, mecanismos do hipotálamo levam à retenção do calor. Quando o nível do estrogênio está diminuído, qualquer variação de temperatura ativa o centro termorregulador e faz ele querer perder calor. É como se esse termostato estivesse desregulado”, explicou Machado.
Na maioria das vezes, a sensação leva a mulher a despertar do sono – ela é acordada pela onda de calor e tem dificuldade para voltar a dormir, causando um impacto importante na qualidade do sono. O calorão costuma durar de 30 segundos a um minuto, podendo ser mais prolongado em alguns casos.
Segundo Machado, o que definiu os sintomas como leves, moderados ou graves é o impacto sobre as atividades diárias da mulher. No estudo, os sintomas leves foram definidos como sensação de calor com sudorese, porém mantendo a capacidade de continuar uma atividade. Os sintomas moderados e graves foram definidos como aqueles com sensação de calor com sudorese excessiva, causando a interrupção da rotina da mulher. Além disso, o especialista ressalta que o número de episódios relatados pela paciente também é um fator importante.
“Tem mulheres que relatam 50 episódios de onda de calor por dia. É muito ruim porque interfere na qualidade de vida, nas atividades do dia a dia e, principalmente, na qualidade do sono”, disse o pesquisador.
Tem como evitar?
As ondas de calor são um componente da menopausa e, em geral, os sintomas costumam durar de três a quatro anos. Eles tendem a se resolver espontaneamente, mas há casos em que se tornam persistentes e se prolongam por mais de dez anos.
O tratamento padrão ouro é a terapia de reposição hormonal (reposição de estrogênio) – essa é a linha mais tradicional, segura e recomendada porque costuma trazer bastante alívio para os sintomas vasomotores. Pode ser usado em forma de gel, em adesivos e via oral.
“A reposição hormonal é o tratamento mais efetivo para ondas de calor e, em geral, são justamente as ondas de calor que motivam as pacientes a buscarem o tratamento, especialmente nos casos em que as ondas sãos mais intensas”, diz o ginecologista e obstetra Sérgio Podgaec, do Hospital Israelita Albert Einstein.
O problema é que nem todas as mulheres podem fazer a reposição hormonal – há contraindicações especificamente para aquelas que tiveram câncer de mama. Por isso, é preciso de uma avaliação médica para análise dos riscos e indicação correta de tratamento.
“Muitas mulheres têm medo de fazer a reposição hormonal porque o uso de estrogênio e de progesterona para aquelas que ainda têm o útero pode aumentar o risco de câncer de mama. É um risco bem pequeno, mas existe. As mulheres que não têm útero devem fazer a reposição apenas com estrogênio e, nesses casos, o risco de câncer não é aumentado”, disse Podgaec.
O ginecologista e obstetra do Einstein ressalta que a contraindicação da reposição hormonal é somente para as mulheres que tiveram câncer de mama, de endométrio ou de ovário. Para esses casos, existem tratamentos farmacológicos alternativos, como o uso de antidepressivos em doses mais baixas que podem aliviar um pouco as ondas de calor, mas eles nem sempre resolvem. Existem ainda as terapias comportamentais, como ioga, acupuntura e exercícios físicos.
“Este estudo é muito importante porque nos ajuda a conhecer a epidemiologia e os dados populacionais da doença no Brasil. Isso nos ajuda a conhecer melhor o perfil das mulheres e entender do ponto de vista prático o que se deve estudar e seguir para tratamentos”, finalizou Podgaec.
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