Durante muito tempo fui considerado o inimigo número um do carnaval curitibano. A história começou com uma crônica em que eu desancava a, digamos assim, folia da nossa capital, usando não só a ironia, mas seus aumentativos, como o sarcasmo e a mordacidade.
Alguns leitores, como os jornalistas Ney Hamilton e Luiz Geraldo Mazza, gostaram da brincadeira. Mas os sambistas, não. A Fundação Cultural chegou a promover um seminário no Solar do Barão para discutir o tema. Mazza e eu contra Glauco Souza Lobo, então diretor da FCC e carnavalesco emérito. Na saída, fui atacado a golpes de umbigada por três baianas de escola de samba. Encurralado em um canto, não adiantou nada eu arrolar o espírito brincalhão da minha tese. Elas estavam de péssimo humor.
A partir dali, passei a ser chamado para entrevistas a cada período carnavalesco. Jornais e revistas me encomendavam crônicas. Escrevi a experiência que tive, ao lado do Fernando Ghignone, um dos nossos comandantes aqui neste portal, em um domingo chuvoso de carnaval, assistindo à grotesca apresentação de alguns blocos na Marechal Deodoro – era de chorar de pena. Glauco foi a um baile (acho que no Operário), transmitido pela CNT, vestido de preto, com vastas olheiras e cara de vampiro, e uma frase escrita em branco na frente e nas costas da fantasia: “Meu nome é Ernani Buchmann e eu odeio carnaval”.
Houve também um debate na TV Educativa, em que fui atacado de dedo em riste. Pelo telefone de casa ouvi ameaças contra a minha família. Foi o suficiente para a Tânia pedir que eu parasse com as provocações. Obediente que sou, nunca mais falei mal do carnaval de Curitiba.
Hoje vejo tudo com outros olhos. A festa ganhou outros contornos: há diversos segmentos, como o dos mortos vivos (Zombie Walk), os bloquinhos saem nos fins de semana pré-carnaval, o grito de carnaval de O Distinto Cavalheiro, na quinta-feira anterior, as festas nos bairros e até o desfile das escolas ficou mais animado. Embora ainda seja comum chover e fazer frio – nos antigamentes, havia até passista desfilando de jogging e espirrando no asfalto.
O tempo (não estou falando do clima, já citado acima) fez as coisas evoluírem. O repertório também foi modernizado, embora no ano passado a lenta canção da dupla Roberto e Erasmo, Gatinha Manhosa, tenha feito as pessoas quase dormirem na esquina da Visconde do Rio Branco com Saldanha Marinho.
De minha parte, todos os anos tenho tomado um chope ou outro no Distinto. Saúdo a folia e os foliões e tenho a impressão de que o humor reinante está muito mais palatável. Até a Academia Paranaense de Letras anda prometendo sair na avenida em 2025, o que me parece alucinação de quem bebeu todas no carnaval deste ano.
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