Ano passado escrevi um artigo sobre o Beto Bruel, maior iluminador do Teatro brasileiro. Desde então, conversamos algumas vezes e descobri outra faceta deste ativista cultural: a de pesquisador sobre o teatro paranaense.
Ele já tinha me enviado um material sobre sua experiência como um dos dirigentes do espaço denominado Teatro da Classe, também conhecido como Teatro 13 de Maio ou Teatro José Maria Santos. Estou preparando uma outra matéria que contará esta fascinante aventura. Mas agora, Beto Bruel me veio com um levantamento sobre outra de nossas histórias perdidas: a do Theatro Hauer, localizado no início da rua Mateus Leme, esquina com a rua Treze de Maio. Aproveitei pra dar uma fuçada na Wikipédia e descobri tudo isto:
“Os primórdios do teatro em Curitiba
A população curitibana não possuía um local de referência para espetáculos teatrais até meados do século XIX e as primeiras ações para transformar este cenário ocorrem, timidamente, por alguns entusiastas como Domingos Martins de Souza que em 1855 improvisa algumas apresentações ou pelo grupo teatral Sociedade Dramática Sete de Setembro que encenam algumas peças em um teatro provisório. Curitiba ganha, oficialmente, o primeiro teatro em 28 de setembro de 1884 quando é inaugurado o Teatro São Teodoro.
O Teatro Hauer passa a ser a segunda opção dos curitibanos, ao abrir, em 1891, como um local específico para apresentações artísticas. O edifício onde funcionou o Teatro Hauer foi construído em 1889 pelo imigrante e comerciante alemão Joseph Hauer e em 1891 o também alemão Ludovico Carlos Egg inicia as atividades do teatro, que foi inaugurado com a apresentação da Companhia Dramática Alemã.
Quando a Revolução Federalista bate as portas de Curitiba, no ano de 1894, o Teatro São Teodoro é transformado em prisão legalista, ocorrendo ali torturas, fuzilamento e degolas, e mesmo após o término do conflito este teatro ficou fechado e abandonado por alguns anos. Neste período o Teatro Hauer é o único teatro em atividade na cidade.
O início do cinema no Paraná
Em 1897 ocorreu um fato, de proporções históricas para o estado do Paraná. Em 25 de agosto daquele ano aconteceu a primeira exibição de imagens em movimento do estado e o local escolhido foi o Teatro Hauer. Nesta data foi apresentada ao público curitibano a novidade mundial que apenas um ano e oito meses antes parou a cidade de Paris na exibição pública dos irmãos Lumière no Grand Café. Esta novidade era o cinematógrafo. O equipamento que inaugurou o cinema paranaense era de propriedade da Companhia de Variedades de Faure Nicolay que viajava o Brasil fazendo apresentações “cinematográficas”.
Em meio à novidade do cinematógrafo, surgiram algumas companhias com equipamentos similares, que utilizavam o princípio da ótica para fins de entretenimento ou simplesmente o mesmo cinematógrafo, só que com arranjos nominativos diferentes com o intuito de lotar teatros, mundo afora, com mais uma “nova maravilha”. Em 1903, o Teatro Hauer anunciou uma destas “maravilhas” como sendo um espetáculo imperdível. É o Bioscopo Inglês que apresenta imagens fixas e animadas, da Companhia de Arte de José Filippi, um italiano que percorreu o Brasil “filmando” e apresentando as imagens.
A partir de 1897 e ao longo de sua existência, o Hauer dividiu seu espaço entre apresentações artísticas, como as zarzuelas das companhias espanholas, espetáculos de música e teatro, especialmente os alemães, os inúmeros saraus dançantes do Grêmio Carlos Gomes, com as exibições de cinematógrafos e sessões de cinema, quando na evolução desta nova tecnologia.
Nasce o futebol paranaense
Em 1909, o Hauer foi palco de mais um fato histórico para a cidade de Curitiba e o estado do Paraná. No dia 12 de outubro deste ano, nas dependências do teatro, ocorre uma reunião entre alguns curitibanos, na maioria alemães, que discorrem sobre uma excursão a cidade de Ponta Grossa a fim de realizarem uma partida de futebol, que na época era mais uma grande novidade. Nos meses seguintes o mesmo grupo, e utilizando o mesmo espaço, realizam algum encontro para discutir, agora, na criação de um clube de futebol. Em 30 de janeiro de 1910, novamente no Hauer, é fundado o Coritybano Foot Ball Club (pouco depois é feita uma pequena alteração no nome do clube, ficando Coritiba F.C.), primeiro clube de futebol do estado do Paraná. A data da fundação foi determinada, na ata de 30 de janeiro, como sendo na primeira reunião do grupo em outubro de 1909.
O declínio e o fechamento do Hauer
Transcorridos mais de duas décadas depois do nascimento do Coritiba, o Teatro Hauer passou por maus momentos; momentos estes decorrentes da falta de bons espetáculos na cidade e também da falta de iniciativa dos governantes em desenvolver o estímulo da cultura teatral como forma de atividade ou entretenimento aos mais jovens, haja vista que neste período o outro teatro da cidade, o Teatro Guayra (que sucedeu o Teatro São Teodoro), sofreu abandono total e conviveu com espetáculos e sessões de cinema com o risco de algumas paredes ruírem durante as apresentações. O Guayra foi interditado para grandes espetáculos em 1935 e o seu prédio foi demolido em 1937.
Em meio a este cenário de desolação na capital paranaense, o Teatro Hauer, palco de inúmeras e variadas atrações e cenário de fatos históricos do Paraná, fechou as portas durante a década de 1930.
O imóvel após o Hauer
O imóvel, após o fechamento do teatro, virou o cinema Marabá, do empresário Paulo Sá Filho entre os anos de 1947 e 1965. Em 1970, o empresário João Aracheski Filho investe no imóvel e inaugura o Cine Bristol que funcionou até 1995 e logo após o ambiente foi transformado para receber o Bristol Golden Bingo, que, ao fechar, em virtude de lei federal proibindo este tipo de empresa, virou uma igreja evangélica.”
A ideia de Beto Bruel é que a Prefeitura de Curitiba recupere este patrimônio cultural para seus moradores e visitantes. Em sua pesquisa in loco, ele descobriu que as urdiduras do teatro estão lá ainda, podendo ser reaproveitadas. Esta ideia não é inédita e aparece num artigo de Aramis Millarch escrita para o Estado do Paraná, em 06/11/1980:
“Teatro Hauer poderá renascer no Bristol
A historia do Cine Bristol ex-Marabá, ex-Teatro Hauer se perde no inicio do século. As pesquisas que fizemos em torno da historia do antigo teatro, inaugurado pelo imigrante Egg, ainda em fins do século passado, esbarram na falta de dados mais precisos, necessários de serem garimpados nas raras fontes, uma tarefa para a equipe que trabalha na casa Romário Martins. O fato é que no prédio localizado na esquina da Mateus Leme com 13 de Maio funcionou um café concerto, teatro e onde tiveram lugar algumas das primeiras experiências do “cinematografo”. Esteve fechado por alguns anos, reabriu na década de 40, já então por iniciativa de Paulo Sá Pinto, da Empresa Cinematográfica Sul e, nos últimos 30 anos, sofreu pelo menos três grandes reformas em tentativas de atrair um público que vem escasseando cada vez mais, a tal ponto que se tornou uma das mais ociosas casas de projeção de Curitiba. Uma das razões pelas quais não será surpresa se, ao menos nas atuais condições, deixar de funcionar como cinema já que as bilheterias de todas as salas sofreram uma incrível redução nestas últimas semanas, alcançando pontos mais graves em cinemas tradicionalmente de pouca frequência, como o Bristol e o Cinema 1. A pedido de Orlando Miranda, diretor do Serviço Nacional de Teatro, há duas semanas o diretor de arte e programação da Fundação Teatro Guaíra, Marcelo Marchioro, fez uma demorada visita ao Cine Bristol, verificando as possibilidades de sua reciclagem para teatro voltando, aliás, à sua função original. Posteriormente, o cenógrafo e experto em arquitetura teatral, Pernambuco de Oliveira, também visitou o mesmo espaço. Embora o relatório final ao SNT ainda não tenha sido divulgado, acredita-se que o mesmo será positivo: mediante investimentos razoáveis, especialmente na adaptação do palco e camarins, o antigo Teatro Hauer poderá ressurgir como um espaço alternativo, localizado em área privilegiada pleno setor histórico e oferecendo também condições de continuar a projetar filmes, embora, numa programação integrada aos seus interesses de teatro. A maior preocupação do SNT caso venha fazer reciclagem do espaço é garanti-lo prioritariamente para atividades teatrais (e musicais), atendendo inclusive a reivindicação da classe artística que inclusive chega a pleitear sua administração através de entidades como a Associação dos Profissionais em Espetáculos Artísticos do Estado do Paraná. Pertencente a meia-dúzia de herdeiros, da família Seiller, imóvel do Cine Bristol, por se localizar no setor histórico-tradicional, não pode ser demolido ou reformado sem autorização especial. Com isto, está evitado o risco dele vir a ser derrubado para dar lugar a mais um disforme espigão, como tantos que tem sido construídos na cidade.”
Outro ilustre curitibano que é admirador da história do Teatro Hauer chama-se Rafael Greca de Macedo. No seu livro “Curitiba – Luz dos Pinhais” escreveu o seguinte: “pede a coragem de administradores públicos honrarem o local histórico, reabrindo ali o Theatro Hauer, a sala por onde a sétima arte entrou em Curitiba.”
Dei uma modesta contribuição para este debate, lembrando que o IPPUC está propondo uma reforma na travessa Nestor de Castro, no Centro histórico da cidade, que vai mudar bastante a região.
A Travessa Nestor de Castro vai se transformar na “Rua da Memória”, fazendo a conexão entre o Memorial de Curitiba e a Casa da Memória. Prevê o fortalecimento da mobilidade ativa, com calçadas e estrutura cicloviária integradas a um sistema de transporte renovado. Isso vai resultar em mudança na logística das paradas de ônibus na região. Além disso, a Rua da Memória vai contar a história da cidade com recursos digitais nas paredes das edificações. A primeira etapa do projeto da Rua da Memória foi concluída pelo Ippuc e encaminhada à Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) para análise do orçamento e posterior licitação da obra.
Concluídas as obras da Rua da Memória, o Ippuc pretende dar continuidade à grande mudança na Travessa Nestor de Castro. A ideia é que a via seja um novo calçadão no Centro de Curitiba. A proposta é prolongar a trincheira a que liga a Nestor de Castro à Alameda Augusto Stellfeld. Hoje a trincheira começa na Rua do Rosário, mas o projeto do Ippuc pretende estendê-la para que ela comece na rua Barão do Cerro Azul. Atualmente, para atravessar a Travessa Nestor de Castro, pedestres precisam passar pela Galeria Júlio Moreira, no subterrâneo. Na proposta futura, deve haver uma inversão de fluxos: os carros passariam pela trincheira, enquanto os pedestres poderiam caminhar pelo calçadão. Segundo a diretora de projetos do Ippuc, a arquiteta Célia Bim, o objetivo é conectar o Centro Histórico com a Praça Tiradentes, em uma “costura urbana”. “Hoje a Nestor de Castro é quase uma barreira, é uma rua larga com movimento intenso de carros. Então nós teríamos uma conexão melhor desses dois sítios históricos”, afirma.
Achei o projeto interessante, mas ele tem um porém que poucas pessoas estão percebendo: com a construção da trincheira na Travessa Nestor de Castro, acaba-se a Galeria subterrânea Julio Moreira, e com isto extingue-se o querido TUC – Teatro Universitário de Curitiba, local de tantos shows históricos de rock, como o último show da Chave e um dos primeiros do novo Blindagem, que assisti por acaso. Não à toa, o TUC hoje chama-se Sala Ivo Rodrigues. Leia este informe da própria Fundação Cultural de Curitiba sobre o teatro:
“O subterrâneo do centro histórico guarda uma história interessante: em 29 de setembro de 1976, a galeria Júlio Moreira ganhou o Teatro do Estudante, um espaço para atividades estudantis relacionadas à cultura. A cena curitibana cultural se mostrou tão rica que o espaço começou a abrigar troca de informações e mostra de compositores, fotógrafos e artistas plásticos. O nome foi mudado para Teatro Universitário de Curitiba (TUC) e, a partir de 1985, começou a sediar a tradicional Canja de Viola, reunião de grupos de música sertaneja e popular, que acontece até hoje nas tardes de domingo. Revitalizado em 2008, o TUC, com capacidade de 99 lugares, retoma a sua característica de espaço multiuso com uma programação que contempla desde bandas de garagem a manifestações populares, apresentando o que há de melhor na capital paranaense nos âmbitos artístico e cultural. O auditório ganhou o nome de Ivo Rodrigues, em homenagem ao vocalista da banda Blindagem, que morreu em 2010.”
A meu ver, é mais um motivo relevante para a Prefeitura adquirir o antigo Theatro Hauer, em substituição ao espaço perdido do TUC, mantendo o nome de Sala Ivo Rodrigues. O foco do novo Hauer poderia ser a música curitibana, em especial o rock, que é muito carente de locais para shows, assim como o teatro experimental, que sempre teve guarida no TUC. O espaço multicultural também poderia exibir filmes de vanguarda, em homenagem às primeiras exibições cinematográficas realizadas naquele lugar em Curitiba.
O Beto Bruel achou boa a proposta e está levando o projeto adiante junto ao meio cultural curitibano e aos canais políticos, como a Câmera de Vereadores. Esperamos o apoio de todos que amam esta cidade de coração.
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