Eu sei que o Oscar está batendo na porta, com a cerimônia marcada para este domingo (10). E pode até parecer heresia escrever uma coluna de cinema e ignorar completamente este fato, mas nesta sexta (8), o Dia das Mulheres também está aí. Entre os buquês de flores toscos e as promoções de anticoncepcional, nosso papo de hoje é sobre um filme brasileiro que deixaria os produtores de Barbie (2023) de castigo no cantinho da sala pensando onde foi que eles erraram. A Mulher de Todos (1969), de Rogério Sganzerla, é a pedida da vez.
No longa, Ângela Carne e Osso (interpretada pela maravilhosa Helena Ignez) vive sua vida no ritmo que manda sua ninfomania, se aventurando na Ilha dos Prazeres. Casada com Doktor Plirtz (Jô Soares), um milionário excêntrico e ciumento, a “mulher dos homens boçais” se envolve com vários caras – do pior e do melhor tipo – que encontra pelo caminho, inclusive com o detetive pessoal Polenguinho (Renato Correa de Castro), contratado para investigar sua infidelidade. E aí vem a vingança do marido…
Já falamos de Sganzerla por aqui. O cara mandava muito bem. E depois de dirigir sua estreia, O Bandido da Luz Vermelha (1968), a ideia era fugir da mesmice na base do improviso. Apesar de contar com o mesmo diretor de fotografia, Peter Overbeck, e do repeteco no elenco, com Paulo Villaça e a estrela Helena Ignez, Sganzerla decidiu se arriscar em A Mulher de Todos. Foram 25 dias de filmagens e sete latas de negativo para capturar as cenas que iam sendo escritas na hora. O roteiro freestyle somado a participação ativa dos atores escolhidos a dedo pelo cineasta formaram uma peça única do cinema nacional (e Marginal).
A própria Helena é uma atriz/ autora nessa história toda. Apesar de sempre desconfiar da representação de personagens femininas em filmes dirigidos por homens – ainda mais nos anos 60 – o longa surpreende muito neste sentido. Ignez tinha na mão a chance de transformar Ângela em quem ela quisesse. E através da mistura poderosa de sarcasmo e erotismo, ganhamos uma anti-heroína sexy que é a cara do Brasil, a terra da pornochanchada.
É como o próprio Sganzerla falou para a imprensa no lançamento do filme: “Corri um último grande risco: evitar o galanteio e a homenagem fácil à Helena Ignez. Fotografando com cuidado, quis mostrar também o lado neurótico, incômodo e dificil da mulher moderna. Descobri o grande talento dela, agora uma atriz completamente nova; pela primeira vez no nosso cinema, uma mulher canta, berra, bate, dança, deda, faz o diabo”.
A personagem Ângela carne e Osso está muito longe de cair nos estereótipos femininos clássicos que dominam a cinema até hoje, seja de histérica, promíscua ou algo do tipo megera domada. Nossa protagonista é esperta, engraçada e independente. No maior estilo da segunda onda do feminismo e com um charutinho na boca, A Mulher de Todos é um ode à libertação feminina. Bom demais.
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