Todas as regiões do mundo têm suas maneiras próprias de expressão. As pessoas falam de forma diferente, embora muitas vezes compartilhem o mesmo idioma. Por exemplo, novelas dubladas na Venezuela são rechaçadas na Argentina por conta do sotaque, que lhes soa estranho.
O Brasil, com seus mais de oito milhões de km², abriga diferentes maneiras de falar o português. Pesquisas antigas davam o Maranhão como o local em que melhor se usava a língua pátria, porque os cariocas chiam – e falam “culégio’ –, os paulistas têm o hábito de colocar um “i” onde ele não existe: “eveinto” em vez de evento. No interior de Pernambuco, a palavra muito pode ser pronunciada como “muitcho”. Em partes do Ceará, o terminativo “inho” transforma-se em “inio”. E assim por diante. Paulo Leminski dizia que todas as formas de comunicação eram válidas, não havia sotaque feio ou bonito.
Mas existem expressões regionais que dificultam o entendimento. Confesso que quando meus primos catarinenses danam a falar rápido, entendo uns 50% do que dizem. É como se estivesse ouvindo catalão.
O gauchês tende a ser um desafio, resultado na influência castelhana. Vejam este trecho de autoria de Jaime Caetano Braun, o maior poeta do Rio Grande campeiro. O poema tem como título ‘A última clavada”, cujo significado desconheço:
“Depois de tudo
Na carpeta grande
Onde o destino se tornou coimero
Na volta e meia do calor do sande
Morreu a fala, já não tem parceiro”.
Há mais de três décadas, por artes do matrimônio, passei a conviver com a região missioneira. Tânia é de Santo Ângelo, onde vive boa parte de sua família, incluindo diversas e queridas tias, maternas e paternas.
Uma delas, Tia Eloína, sempre muito atenciosa, como os gaúchos tendem a ser, certa vez nos esperou com pompa e circunstância. Fizemos conexão em Porto Alegre, embarcando em um avião menor com escala em Santa Maria. A viagem estava atrasada. Da ardente Santa Maria da Boca do Monte, Tânia ligou para a tia e me contou a conversa:
– É para não nos preocuparmos, ela está com a galinha picada.
Ali, naquele pequeno aeroporto, pensei: caramba, que tipo de doença será essa?
– É sério, está medicada? perguntei.
Nenhum problema. É que ela estava preparando uma galinhada para nos esperar. A dita galinha já tinha sido cortada. Assim que o avião aterrizasse no Aeroporto Sepé Tiaraju, em Santo Ângelo, ela colocaria a iguaria no fogo. Simples, mas não para mim, iniciante no linguajar da terra, em que picada podia ser a da agulha ou uma trilha dos tempos jesuíticos.
Pois este mês, sua Tia Eloína completa 80 anos e não poderemos comparecer à festa. Espero que ela faça uma bela galinhada para seu imenso grupo de familiares e amigos e que, por favor, não corra o risco de pegar outra vez o mal da galinha picada. Nestes tempos de dengue e covid é bom tomar todos os cuidados.
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