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O novo Museu do Ipiranga e o caótico Museu Paranaense

23/04/2024
museu

O novo Museu do Ipiranga se refere a histórica instituição fundada em 1895 na cidade de São Paulo (SP) e que esteve fechada para extensas reformas entre 2013 e 2023. Desde que foi reaberto já atraiu mais de um milhão de visitantes. O Museu Paranaense foi fundado em 1876 em Curitiba (PR) e em 1978 incorporou o Museu do Mate e Parque Histórico do Mate no município de Campo Largo (PR). Esta última entidade está sob enorme risco de desaparecer como denunciado na coluna “Pela reabertura do Museu do Mate e do Parque Histórico do Mate” disponível aqui e a exposição presente na sede da capital do Estado mergulhou num caos incompreensível. É importante examinar a experiência bem-sucedida do Novo Museu do Ipiranga a fim de pensar soluções para superar o lamentável estado a que atualmente se encontra relegado o Museu Paranaense – e com urgência.

 

O atual formato do Museu do Ipiranga foi definido entre 1917 e 1945, cabendo destacar a extensa reorganização promovida para as comemorações do 1º Centenário da Independência em 1922. A exposição permanente construída naquele período foi pensada por um representante da elite paulista conservadora. Seu objetivo era ajudar a forjar uma identidade coletiva com foco na atuação da classe politicamente dominante em diferentes contextos históricos. A exposição de longa duração conta com objetos históricos, esculturas, quadros, retratos etc. geralmente ligados as camadas mais ricas da sociedade.

 

A maioria das peças do acervo da exposição de longa duração do Museu do Ipiranga foi ao longo do tempo sendo convertida em memória social brasileira. Trata-se de imagens que tem presença obrigatória nos livros didáticos, paradidáticos e de História do Brasil, aparecendo também em cartões postais, livros de divulgação artística, catálogos turísticos e coleções de figuras históricas, tanto analógicas quanto digitais.

 

Nesta interpretação do passado predomina a harmonia entre diferentes grupos sociais e étnicos: europeus, africanos e indígenas são representados como parceiros trabalhando em prol do futuro da nação. Mesmo os conflitos e lutas ali mostrados são entendidos como fases de um processo na direção da autonomia e independência nacionais, destacando heróis, personagens ilustres e célebres, geralmente das classes politicamente dominantes.

 

O valor da orientação museológica adotada atualmente pelo Museu do Ipiranga reside na preservação deste magnífico acervo histórico e artístico, ao mesmo tempo em que oferece ao seu público de visitantes as necessárias condições para contextualizar e criticar a interpretação da História nele contida. Aos visitantes são oferecidas informações sobre o processo histórico de construção do Museu, a elaboração das obras ali presentes, as determinantes sociais e culturais que presidiram a definição do formato que assumiram, bem como as implicações políticas e estéticas implícitas em cada uma delas. Adicionalmente, outras exposições foram criadas para complementar a mostra permanente como as intituladas “Para Entender o Museu”, “Passados Imaginados”, “Mundos do Trabalho” etc.

 

Ou seja, ao invés de destruir a exposição permanente sob a acusação de tratar-se de produto de um ponto de vista socialmente determinado com a pretensão de ser geral e universal, o que certamente é verdade, o Museu do Ipiranga oferece aos seus frequentadores as necessárias condições para que eles próprios percebam tais determinantes. Nesse sentido, os visitantes do Museu do Ipiranga podem tanto apreciar a herança cultural e artística de que ele é portador, quanto perceberem as intenções políticas e as finalidades sociais a que as peças exibidas pela instituição serviam de instrumento. Trata-se de iniciativa importante baseada em historiografia atualizada e pesquisa histórica do próprio acervo, de grande alcance social e cultural e que está em conformidade com a legislação educacional, museal e patrimonial histórica vigente.

 

O Museu Paranaense, por outro lado, atravessa profunda crise como denunciado na coluna “A crise do Museu Paranaense” disponível aqui. Na inexistência de qualquer orientação teórica coerente ou de recurso à historiografia atualizada, observa-se a subserviência alienada e alienante para com a ideologia identitária patrocinada pelo imperialismo cultural estrangeiro e os grandes interesses econômicos. Na atual gestão do Museu Paranaense estabeleceu-se o princípio da “representatividade” de “novos sujeitos históricos” tidos como “invisibilizados”, se constituindo numa mistura de negacionismo histórico com anti-ciência.

 

A vital tarefa de pesquisar o próprio acervo, composto por mais de uma centena de milhar de peças, foi abandonada em favor da exposição de obras de arte de gosto duvidoso e de nenhuma utilidade para educação do povo em sua própria História. A exposição permanente de História do Paraná foi praticamente destruída e seus vestígios desfigurados. Aparentemente, tal iniciativa decorre tanto do repudio a materialidade histórica representada pelo acervo de fontes, condenadas pelo seu vício de origem particularista, quanto do desejo de promover as carreiras de indivíduos sem conexão com as áreas de atuação do Museu como são as artes plásticas e a arquitetura. O resultado foi a conversão do que deveria ser nosso mais importante museu histórico em um caos incompreensível.

 

É gravíssima a crise do Museu Paranaense e extremamente alto o risco que venha a se perder totalmente o Museu do Mate e Parque Histórico do Mate. É necessário e urgente questionar as infelizes e funestas opções tomadas pela atual diretoria do Museu Paranaense e considerar tomar como exemplo os casos bem-sucedidos de gestão de museus históricos como é o Museu do Ipiranga.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e organizador da obra “Memorial do Museu Paranaense” para baixar clique aqui.

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