Além das medidas de socorro imediato, que mobilizam instituições de estado e ações voluntárias; além da solidariedade e da empatia com o sofrimento das vítimas, tragédias como a que vive a população do Rio Grande do Sul remetem invariavelmente à pergunta: o que o poder público poderia e deveria ter feito antes, para prevenir e evitar? A mesma indagação era feita em janeiro de 2011, quando o maior desastre ocorrido até então no Brasil atingiu a região serrana do Rio, com deslizamentos que deixaram mais de 900 mortos e desalojaram 300 mil pessoas, e cabe hoje revisitar as respostas de então.
O governo recém-iniciado da presidenta Dilma Rousseff reagiu à tragédia do Rio implantando um sistema de prevenção e respostas a desastres naturais, que simplesmente nunca havia existido no país. Enquanto esteve fortalecido, com investimentos, pessoal e uma diretriz de integração ministerial e federativa, aquele plano deu resultados concretos e abriu um caminho virtuoso. E teria hoje inestimável valia, se não tivesse sido esvaziado pelo arrocho fiscal, o negacionismo e o descaso que se impuseram depois do golpe de 2016.
O Plano Nacional de Gestão de Crises e Resposta a Desastres Naturais estruturou-se em torno de quatro eixos: monitoramento e alerta, mapeamento, respostas e prevenção. Seu funcionamento prático se deu a partir da criação, em 2011, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden.
Com mais de 200 servidores e especialistas, o Cemaden dotou o país da maior rede de monitoramento de riscos hídricos, geológicos e climáticos do hemisfério sul. Foram instalados 9 radares novos, inclusive da Aeronáutica, adquiridos e instalados 2.688 pluviômetros automáticos e 135 sensores de umidade do solo, além de 105 estações hidrológicas e estações robotizadas. O mapeamento de setores de risco foi concluído em áreas urbanizadas de 1.123 municípios, incluindo os 821 considerados prioritários pelo histórico de eventos e desastres, além do mapeamento de áreas de deslizamentos e enxurradas em parceria com a CPRM.
O sistema de resposta aos desastres começou pela reestruturação do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desatres – Cenad, na esfera do Ministério da Integração, com reforço de funcionários para atuar 24 horas por dia, mediante alertas do Cemaden, na articulação com órgãos federais, estaduais e municipais. Foram fortalecidas as Defesas Civis municipais. Para 106 cidades foram adquiridos coletes, caminhonetes, GPSs, computadores e outros equipamentos. Até 2016, foram capacitados 31.500 agentes de defesa civil em todo o país, inclusive 6.500 cidadãs e cidadãos voluntários. Para socorro e resgate, foi formada a Força Nacional do SUS, com 30 equipes e 1.400 servidores. Seis hospitais de campanha e três infláveis de reserva foram adquiridos, além de kits de medicamentos para situações de desastre.
As Forças Armadas foram equipadas com pontes móveis, receberam ambulâncias com tração quatro rodas, pequenas embarcações e muitos outros equipamentos. Para a transferência rápida de recursos federais aos municípios foi criado o cartão de pagamento da Defesa Civil, além dos kits de Apoio Humanitário, com compra facilitada pelas atas de registro de preços. E foi instituída a Força Nacional de Emergência, articulando em comitês regionais CPRM, Cemaden, ANA, Cenade e MDS.
O conhecimento científico acumulado pelo Cemaden foi empregado também para orientar as ações do governo na grande seca que afetou o Nordeste em 2012 e na crise hídrica de 2014, a mais grave da história do país. E foi a articulação com Cenad, Força Nacional do SUS e Fiocruz que garantiu o combate eficaz, em apenas oito meses, da epidemia do zikavírus, que além de ameaçar a saúde da população também colocava em risco a realização das Olimpíadas do Rio em 2016.
Infelizmente para o país, o Plano instituído no governo Dilma perdeu recursos orçamentários e operacionais nos dois governos seguintes, o que foi denunciado pela equipe de transição para o governo Lula. Resgatar aquela iniciativa é o que está fazendo o presidente Lula a partir desse desastre no RS. Prevenir e atuar emergencialmente sobre desastres é uma determinação de prioridade política e orçamentária. Os imensos recursos públicos que serão investidos na reconstrução do Rio Grande são incomparavelmente maiores do que teria sido necessário na indispensável ação preventiva do Estado. Sempre é tempo de fazer a coisa certa.
Gleisi Hoffmann, presidenta Nacional do PT e deputada federal (PT-PR)