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Mariana de Moraes

16/05/2024
moraes

Uma das últimas polêmicas culturais a acontecer nos Estados Unidos é conhecida pelo nome de “nepo baby”, um termo que se refere a celebridades cujos pais tiveram sucesso nas mesmas carreiras. A implicação é que, como os seus pais já tinham ligações a uma indústria cultural, a criança foi capaz de usar essas ligações para construir uma carreira nessa mesma indústria. Geralmente é usado de forma pejorativa para indicar uma celebridade cuja fama e sucesso são percebidos como imerecidos. Depois que a revista New York decretou 2022 como o ‘ano dos bebês do nepotismo’, brasileiros ficaram curiosos sobre quem são as celebridades do Brasil que são filhos de famosos ou têm pais na mesma profissão. Um perfil do Twitter fez uma lista com os ‘nepo babies’ e viralizou com mais de 11,4 mil curtidas. A publicação abre com uma foto das atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha. “Começando pelas maiores, aquelas que fazem a gente agradecer pelo nepotismo existir”, escreveu o autor do post.

Mariana de Moraes poderia ser facilmente classificada como nepo baby, uma vez que é neta do poeta Vinicius de Moraes, filha de Pedro de Moraes, um dos maiores fotógrafos de sua geração e de Vera Barreto Leite, simplesmente a primeira top model brasileira a fazer carreira em Paris, única a desfilar para a própria Coco Chanel. No seu Instagram, Mariana conta que: “Mãe era filha de Ogum. Uma amiga de minha mãe me contou que quando eu era bem pequena ela me disse: Sua mãe é uma gata, ao que eu respondi: Não, minha mãe é uma fera!”

No seu livro “Ela é carioca”, Ruy Castro conta ainda que a bisavó de Mariana teve uma longa relação com Monteiro Lobato, de quem ela pode ser descendente. Imaginem a pressão de tanta ascendência artística junta para uma menina que estava se iniciando no meio. Mas Mariana de Moraes tirou isto de letra e fez do limão uma salada de frutas: desde criança teve sua carreira influenciada positivamente pelos inúmeros artistas que frequentavam sua casa. Nessa época, era levada por Gal Costa para assistir aos seus shows e aprendia com Caetano Veloso vários sambas de décadas anteriores.

Em 1974, contando apenas cinco anos de idade, participou, como atriz, do filme “Anchieta José do Brasil”, de Paulo César Sarraceni. De 1976 a 1980, morou em Paris, onde participou de uma montagem de “Pastoril”, obra do folclore brasileiro, e atuou, aos oito anos de idade, em um show realizado no Olympia por Vinicius de Moraes, que a chamava de “parceirinha”. O poeta sempre a instigou a cantar e lhe presenteou com um gravador para que registrasse suas canções. Aos 11 anos de idade, já de volta ao Brasil, iniciou seus estudos musicais e participou do filme “Luz del Fuego” (1980), de David Neves, protagonizado por Lucélia Santos. Na adolescência estudou piano com Luiz Eça e técnica vocal com Vera Canto e Mello e Eduardo Álvares. Compôs, com Éricsom e Marcio Menezes, a canção “Boca de ouro”, incluída na trilha sonora da peça homônima de Nélson Rodrigues, encenada no Teatro Oficina (SP), com direção de José Celso Martinez Corrêa.

Em 1984, iniciou sua carreira profissional, como atriz, protagonizando, ao lado de Cláudio Marzo, o filme de David Neves “Fulaninha”, no qual cantou, com Bebel Gilberto, a música “Smile” (Charles Chaplin, versão de Geraldo Carneiro). Nesse mesmo ano, trabalhou, como atriz e cantora, ao lado de Janaína Diniz Guerra, no musical infantil “Joana, a menina dos sinos”, de Lígia Diniz, com trilha sonora da parceria de Edu Lobo, João Donato e Novelli com o poeta Cacaso.

Atuou, também nos filmes “O homem da capa preta” (1984), de Sérgio Resende, “Banana Split” (1985), de Paulo Sérgio de Almeida, e “Leila Diniz” (1985), de Luiz Carlos Lacerda.

Foi considerada pela mídia a Musa do Verão de 1986, nos seus dezessete anos.

No ano seguinte, atuou no musical “Bacantes”, de José Celso Martinez Corrêa, e no filme “Nem tudo é verdade”, de Rogério Sganzela. Ainda em 1987, apresentou um programa sobre o Rio de Janeiro, gravado para a BBC de Londres.

Integrou, em 1988, o elenco das novelas “Vale tudo” (Rede Globo) e “Olho por olho” (Rede Manchete), e do programa “Juba e Lula” (Rede Globo).

Em 1989, atuou no filme “Matou a família e foi ao cinema”, de Neville d’Almeida. Nesse mesmo ano, mudou-se para São Paulo, onde estudou, durante um ano e meio, na Escola de Teatro Antunes Filho e, já decidida a tornar-se cantora, ingressou na Escola de Leyvi Miranda, onde estudou, durante quatro anos, violão, piano e canto.

Atuou, em 1992, na peça teatral “Kasper”, de Rubens Rush, em 1992 e 1993, na peça teatral “Luar em preto e branco”, de Sérgio Mamberti, e, em 1993, na peça teatral “Mistérios gososos”, de José Celso Martinez Corrêa, e no filme “Alma corsária, alma gêmea”, de Carlos Reinchenba.

Em 1995, voltou para o Rio de Janeiro, realizando, nesse mesmo ano, seu primeiro show, no qual cantou, acompanhada por Aldro Lages, ao violão, músicas de Cartola, Lupicínio Rodrigues, Vinicius de Moraes (“Beija-me”), Edu Lobo e Caetano Veloso, entre outros, no projeto “Filhos de Peixe”, realizado no Espaço Cultural Sérgio Porto (RJ).

No ano seguinte, apresentou-se, ao lado de Nelson Ângelo, no Teatro Bamerindus, em Curitiba, seguindo em turnê de shows por outras cidades do Paraná. Também em 1996, participou, ao lado de Luiz Melodia, do projeto “Encontros Notáveis”, realizado no Teatro Rival (RJ), cantando músicas de Wilson Batista, Jorge Mautner e Luiz Melodia, entre outros compositores. Também nesse ano, gravou um vídeo sobre poema de Augusto de Campos, dirigido por Júlio Bressani. Ainda em 1996, participou de um episódio do programa “Você decide” (Rede Globo),

No ano seguinte, procurou se inteirar sobre obras dos grandes sambistas das décadas de 30 e 40, realizando pesquisa no Museu da Imagem e do Som (RJ). Em seguida, fez seu primeiro show solo, interpretando, no Hipódramo Up (RJ), sambas de Cartola, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Ary Barroso, Bororó, Paulinho da Viola, Vinicius de Moraes (“Medo de amar”), Noel Rosa e Assis Valente. Ainda em 1997, apresentou-se no Bar do Alípio, em Maceió, acompanhada pelo violonista Audro Lajes.

De 1997 a 1999, comandou o programa “Revista Cultural -Caderno 2” (TV E). Em 1998, participou, como convidada especial, do show da Velha Guarda da Mangueira, realizado no Ballroom (RJ). Nesse mesmo ano, atuou na peça teatral “A Vênus das peles”, de Maurício Abud. Também em 1998, dividiu o palco do Centro Cultural Banco do Brasil (RJ) com João Nogueira, no “Projeto Noel Rosa”. Ainda nesse ano, atuou em vários shows de Zé Renato e esteve em Nova York, onde apresentou-se, como convidada especial, em show da cantora Bebel Gilberto. Também em 1998, realizou um show na Livraria Argumento (RJ), por ocasião do lançamento das “Obras completas de Vinicius de Moraes” (Editora Nova Aguilar).

Em 1998 e 1999, realizou, ao lado de Élton Medeiros e Zé Renato, o show “A alegria continua”, apresentado nos palcos de vários espaços, como Mistura Fina, Teatro de Arena e Teatro Rival, no Rio de Janeiro, e Tom Brasil, em São Paulo, entre outros. O espetáculo, considerado pelo jornal “O Globo” como o Melhor Show de 1998, foi gravado ao vivo no Teatro Rival, gerando um especial veiculado pela TVE e um CD homônimo.

Em 1999, cantou músicas do repertório da musa da bossa nova no projeto “Nara Leão”, dirigido por Túlio Feliciano e apresentado no Sesc Pompéia (SP), tendo como convidados Erasmo Carlos, Dominguinhos, Edu Lobo, João Donato, Carlos Lyra, Kleyton e Kledir, Zé Renato e Fernanda Abreu.

No ano seguinte, dividiu o palco do Bar do Tom (RJ) com João Donato, cantando músicas do compositor. Ainda em 2000, participou de um show em homenagem a Tom Jobim e Vinícius de Moraes no Hotel Intercontinental, ao lado de Paulo Jobim (violão e voz) e João Donato (piano). Também nesse ano, participou do Festival da Música Brasileira (TV Globo), interpretando a canção “Tempestade e calmaria” (Pedro Holanda). Ainda em 2000, gravou um CD nos Estados Unidos, contendo as canções “Fotografia” (Tom Jobim) e “Meu samba, meu lamento” (Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro), entre outras. O disco, produzido por Guilherme Vergueiro, foi lançado no ano seguinte.

Em 2001, participou da nova montagem da peça teatral “Bacantes”, de José Celso Martinez Corrêa, encenada no Teatro Oficina (SP). O espetáculo foi gravado para lançamento em DVD. Nesse mesmo ano, participou do Projeto Sul América, show em homenagem a Vinícius de Moraes, realizado na Praia de Ipanema (RJ), ao lado de Roberto Menescal, Wanda Sá, Emílio Santiago, Toquinho e Os Cariocas. Ainda em 2001, apresentou-se no Museu do Açude e no Teatro do Planetário da Gávea, com o show “Vivendo Vinícius”, interpretando obras do poeta e seus parceiros. O espetáculo contou com a participação especial de Geraldo Carneiro declamando poemas de Vinicius de Moraes. Nesse mesmo ano, realizou, na Casa de Cultura Laura Alvim (RJ), o show “Se é pecado sambar”, interpretando o repertório do disco lançado no mercado norte-americano. Ainda em 2001, participou do show “Maricotinha”, realizado por Maria Bethânia no Canecão (RJ), cantando, com Carlos Lyra e a cantora baiana, que comemorava seu aniversário de carreira, a canção “Primavera” (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes). O espetáculo foi gravado ao vivo, para lançamento de DVD homônimo. Também nesse ano, apresentou-se na Lona Cultural Sérgio Ricardo, em Niterói, cantando samba e bossa nova, dividindo o palco com Geraldo Carneiro, que declamou poemas próprios.

Em 2002, realizou temporada de shows no Vinicius Piano Bar (RJ). Nesse mesmo ano, gravou a faixa “Soneto a quatro mãos”, música de Francis Hime sobre letra de Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos, incluída como bônus track no CD “Choro rasgado”, de Francis Hime. Cantou no evento que registrou o lançamento do disco, realizado na sede da gravadora Biscoito Fino. Ainda em 2002, apresentou-se nas cidades mineiras de Belo Horizonte e Tiradentes, em Rio das Ostras (RJ), no Bar Semente, reduto tradicional de samba e choro da Lapa (RJ), em show que homenageou Ciro Monteiro, e voltou a realizar temporada de shows no Vinicius Piano Bar (RJ).

Em 2003, cantou no sarau “Te vejo na Laura”, realizado na Casa de Cultura Laura Alvim, em homenagem aos 90 anos Vinicius de Moraes. Nessa oportunidade, foi apresentado o documentário produzido, pouco antes da morte do poeta, por Suzana e Pedro de Moraes. Participou do documentário “Vinicius de Moraes”, de Miguel Faria Jr., lançado no circuito cinematográfico em 2006.

No ano seguinte, lançou, no Brasil, o CD “Se é pecado sambar”, gravado ao vivo em Los Angeles, com a participação de Guilherme Vergueiro (piano) e Carlinhos Sete Cordas (violões e cordas), foi lançado originalmente nos Estados Unidos, em 2001, e no Japão, em 2003.

Lançado em 2014, “Desejo” é o terceiro e mais autoral CD de Mariana de Moraes. Trata-se de uma delicada reunião de ritmos brasileiros e universais, na qual ela percorre com elegância o caminho aberto a partir de sua relação com o samba e a bossa nova. Fruto do amadurecimento de sua carreira na música, teatro e cinema, o projeto aponta para novas influências e busca estabelecer um diálogo que vai além de um estilo musical. O CD conta com as participações especiais do saudoso Dominguinhos, além de Guilherme Arantes, Lincoln Olivetti, Jessé Sadock, Sacha Amback e José Miguel Wisnik. Marcelo Costa, Guto Wirtti, Marcelo Miranda e Mikael Muti estão no DNA do disco e também participam como músicos em todas as faixas.

Como vemos pela sua sólida carreira no Cinema, Teatro e Música, apesar de carregar o sobrenome de grandes ícones da cultura brasileira, Mariana está determinada a trilhar seu próprio caminho, honrando ao mesmo tempo o legado de sua família.

Além de seu talento inegável, Mariana é muito gentil pessoalmente e também se destaca por seu compromisso com questões sociais e ambientais. Como ativista cultural, ela utiliza sua plataforma para promover a conscientização sobre questões como a preservação da natureza e os direitos dos povos indígenas, demonstrando assim uma consciência cívica e humanitária que ecoa os ideais de seu avô. Seu trabalho inspirador e sua dedicação à causa cultural estão deixando uma marca indelével na cena artística contemporânea, provando que o talento e a paixão transcendem as fronteiras do tempo e da linhagem.

Pra finalizar, quero contar uma história sobre Vinicius de Moraes e sua ligação com Curitiba, que talvez pouca gente saiba.

O Teatro do Paiol foi inaugurado com pompa e circunstância em 27 de dezembro de 1971, primeira noite de uma temporada de 3 dias de Vinícius de Moraes, Toquinho, Marília Medalha e o Trio Mocotó. Vinicius o batizou quando mostrou na última noite a canção Paiol de Pólvora, que criou com seu então novo parceiro Toquinho. Reza a lenda que Vinicius teria benzido o teatro com uísque. Quando o poeta morreu, o teatro não mudou de nome, mas o espaço passou a ser chamado de Sala Vinicius de Moraes. A abertura do novo teatro possibilitou o sonho de trazer Vinícius a Curitiba. Neste tempo poeta já tinha sido aposentado (compulsoriamente pela ditadura militar, diga-se) do serviço diplomático e tinha virado uma espécie de hippie no litoral baiano. Coube ao jornalista Aramis Millarch localizar o telefone de um vizinho de Vinícius em Itapoã e fazer o convite que para a surpresa geral, foi aceito. Em seus arquivos, Aramis relatou assim a chegada:

“No dia 26 de dezembro, um domingo, o poeta e seus amigos chegaram a Curitiba. Com atraso de 2 voos, para aflição de todos… Rosto vermelho, garrafa de Chivas Regal debaixo do braço e boné cobrindo seus cabelos brancos, o poeta desceu do avião, perguntando por Jaime Lerner, com que havia falado duas vezes ao telefone…”. E assim foi inaugurado o Paiol, que ainda é um dos palcos mais queridos por artistas de todo o país pela proximidade que eles têm do público e todas as circunstâncias que envolveram a sua criação.

Pois bem, no início deste ano a Fundação Cultural de Curitiba lançou um edital no formato: artista local convida um artista de fora famoso para um show no Teatro do Paiol. Na minha ingenuidade, achei que para comemorarmos a rica história deste teatro, logo depois de sua última reforma, seria difícil encontrar uma artista convidada mais apropriada do que Mariana de Moraes. Ainda mais agora que estava lançando, pela primeira vez, um álbum só de músicas de Vinícius. É seu quinto disco, chamado: “Vinicius de Mariana”, uma celebração aos 110 anos do nascimento do avô. São 12 faixas — número de Xangô, orixá favorito do poetinha — e um repertório inspirado em seus amigos, de Pixinguinha a Chico Buarque, de Carlos Lyra a Baden Powell. Entre as canções escolhidas estão Arrastão, Maria Moita, e Eu Não Existo sem Você. Veja o clipe de Maria Moita, filmado no Teatro Oficina, aqui.

“Procurei evitar as canções tristes, pois estávamos vivendo uma situação delicada. A solução foi buscar inspiração na cultura africana, que celebra o luto cantando e dançando”, afirma Mariana.

No projeto que montei para o edital do Paiol, a conceituada banda curitibana ZiriGdansk convidava Mariana de Moraes para um show que tinha tudo para ser antológico e emocionante, pela justa homenagem ao artista que estreou o Teatro do Paiol, mas os pareceristas da Fundação Cultural não acharam o mesmo e acabaram escolhendo artistas locais que sempre ganham esses editais. Parece choro de perdedor, mas é mesmo. Choro por não poder ver aqui ao vivo uma artista como Mariana de Moraes, em sua melhor forma, cantar este poderoso repertório.

A despeito dessas pequenezas, Mariana de Moraes continuará a trilhar seu caminho e seu nome está destinado a permanecer entre as fileiras dos grandes artistas brasileiros, uma inspiração para as gerações futuras e um lembrete do poder duradouro da arte para unir, provocar reflexões e transformar o mundo ao nosso redor.

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