Por Ivo Pugnaloni
Segundo estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos últimos 60 anos, as chuvas no Sul aumentaram em 30%, e diminuíram até 40% no Norte, Nordeste e Sudeste. Controlar a velocidade de escoamento de toda essa água no Sul e garantir água nos rios nas outras regiões precisa ser a nossa prioridade imediata.
Os mapas e gráficos que ilustram o excelente artigo publicado pela SECOM, dirigida pelo ministro da reconstrução do Rio Grande do Sul, o técnico agrícola e jornalista Paulo Pimenta, não deixam margem a dúvida. Existiu vigoroso aumento das chuvas no sul e brutal redução das mesmas no norte e no centro oeste.
Embora as causas da mudança nas chuvas possam ser controversas, minha opinião de engenheiro é que devemos focar-nos em encontrar origens mais óbvias para adaptar nossas atividades à gravíssima alteração do regime de chuvas.
Devemos aplicar-nos, como um só povo, do sul ao norte, para aplicar as soluções mais eficientes, conhecidas e provadas em outros pontos do país e do mundo. Deixemos aos tribunais decidirem quem são os culpados, responsabilizando-os, mas com todos os diretos de defesa assegurados por lei, altamente didáticos, muito úteis para evitar novas ilusões.
Aos desprezíveis gritos racistas de “O Sul é o meu país”, devemos numa autêntica rede nacional de solidariedade, responder com uma atitude afirmativa que prove que do Sul ao Norte, o Brasil é o nosso país. O país de um povo forte e soberano, que sabe vencer grandes desafios através da sua união.
Esse artigo foi escrito no sentido de demonstrar que soluções técnicas já existem, assim como as evidências físicas não apenas do fenômeno climático, mas também dos delitos cometidos por aqueles que, por riqueza e poder, conseguiram quase destruir todas as formas de mitigação que a ciência já encontrou há mais de 130 anos.
“Isso é culpa do agronegócio e do transporte rodoviário” dirão alguns. “Não, isso não tem nada a ver com a ação do homem!”, dirão outros.
Quando as certezas de parte a parte são assim extremas, a melhor resposta pode vir de fazer perguntas.
1. O que acontece com a velocidade de escoamento da água no solo e nos rios, quando derrubamos florestas para formar pasto ou plantar soja para exportar?
2. O que acontece com a quantidade de água absorvida pelo solo, quando dobramos a velocidade do escoamento depois de removidas as raízes das florestas?
3. O que acontece com a erosão do solo quando a velocidade de escoamento aumenta? O que acontece com o leito dos rios, se a erosão aumentar?
4. Se a erosão e o assoreamento dos rios aumentarem, será que o fluxo da água vai continuar preso na caixa dos rios ou vai transbordar para fora de seu leito, criando áreas úmidas?
5. O que acontecerá, com a evaporação da água, quando aumentarem as áreas úmidas nas margens dos rios?
6. O que terá acontecido com a evaporação quando as conhecidas mudanças cíclicas no eixo de rotação da Terra e no seu percurso em torno do Sol, fizeram mais radiação solar incidir numa área que permanece encharcada por mais tempo?
As respostas podem ser resumidas numa poderosa combinação de efeitos cumulativos na qual o aumento da velocidade de escoamento reduziu a água absorvida pelo subsolo, aumentou a erosão e a evaporação de água. E tudo isso junto, aumentando os riscos de novas e grandes enchentes.
É nisso que temos que nos focar: precisamos diminuir a velocidade com que a água da chuva corre de volta em direção ao mar, donde em boa arte ela veio, por ação do Sol. Como fazer isso, veremos adiante nas próprias perguntas que se entrelaçam.
“Vocês são contra o agronegócio e a produção de alimentos!”, dirão alguns. “Vocês só pensam em lucro máximo a qualquer custo!” dirão outros.
Novamente, boas perguntas trazem as melhores respostas.
1. O que aconteceu com a produção de alimentos para exportação, quando a carga tributária do agronegócio caiu para 6,75% e com a produção industrial quando os tributos sobre a indústria chegaram em 44%?
2. Por que o PIB da indústria em 1976 era 21% do total e caiu para apenas 9% do PIB em 2023?
3. O que acontece quando a ANEEL e o Ministério de Minas e Energia, assistem passivamente as distribuidoras comprando a energia 10 vezes mais cara das termelétricas, repassando esse custo aos consumidores e não comprando das hidrelétricas, dez vezes mais barata?
4. O que aconteceu com as tarifas de energia quando a capacidade de geração das termelétricas fósseis, subiu mais de 660% entre 1995 e 2022?
5. O que aconteceu com a produção industrial quando o custo da energia para a indústria subiu 174% acima da inflação entre 1995 e 2023 e para as demais classes “só 73%”, segundo a FIRJAN?
6. Por que a Empresa de Pesquisa Energética não considerou as perdas elétricas e nem as tendencias hidrológicas, no cálculo da garantia física de energia das hidrelétricas, cometendo erro que impediu novos investimentos na construção de hidrelétricas, favorecendo a emissão de 600% mais gases de efeito estufa?
“Vocês querem que o Brasil tenha outro apagão sem as termelétricas?”, dirão alguns.
Novamente, as melhores respostas vêm de boas perguntas, que quase ninguém faz:
1. Quais as fontes permanentes de energia que podem assumir a carga depois das 18 horas quando a geração fotovoltaica entra em colapso por falta de Sol?
2. Dessas duas fontes permanentes, que são as termelétricas fósseis e as hidrelétricas, as únicas que podem operar 24 horas, qual delas tem preço maior, mais impactos negativos sobre a atmosfera e as chuvas?
3. Qual das fontes de energia tem maiores efeitos benéficos para a redução da velocidade de escoamento das águas de forma a evitar a erosão, o assoreamento, prevenindo as enchentes? A fonte solar? As termoelétricas, as eólicas? Ou as hidrelétricas?
4. Por que no Paraná, estado que sofreu o mesmo aumento de chuvas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, não existem agora enchentes nos terços baixo e médio do rio Iguaçu, depois de construídas seis grandes hidrelétricas pela COPEL? Terá sido isso fruto de uma coincidência?
5. Será que a pressão dos proprietários das minas de carvão que alimentam as grandes termelétricas gaúchas e catarinenses tem relação com o pequeno grau de desenvolvimento das usinas hidrelétricas nos dois estados?
6. Será que grande quantidade de enchentes que a cada três ou quatro anos atingem os gaúchos e catarinenses não tem nada a ver com o pequeno número e pouca capacidade de armazenamento de suas hidrelétricas?
As soluções são conhecidas.
É hora da primazia da solidariedade, da consciência e da ciência. O tempo das bravatas passou. Assim como passou o tempo dos bravateiros, do elogio do egoísmo e do individualismo, seja ele regional, sexual, de cor da pele ou de idade.
Passou da hora de abandonarmos a influência dos que querem dividirmos em times que gritam “slogans”, gerados em pequenas bolhas e laboratórios de opinião pública dos gabinetes do ódio e de mídia.
Está na hora de começarmos a fazer, as perguntas que precisam ser respondidas antes que seja tarde, para que os governos deixem da letargia e da pequena política para entrar na grande política. A política pública.
Acumular pequenas quantidades de água nas propriedades e gerar energia com ela. Uma solução para já.
Pequenas barragens em cada propriedade rural, em cada arroio, em cada riacho, podem ser construídas em poucos meses com capacidade adicional de reserva para ser preenchida em caso de enchentes ou de secas.
Ao mesmo tempo, elas podem produzir pescado, hortaliças e mesmo energia elétrica, sendo ligadas diretamente à rede das distribuidoras como acontece com as placas solares. Mas com a vantagem de operar durante 24 horas, armazenarem energia elétrica na forma de água doce prevenindo-nos de enchentes e de secas. Uma solução quase óbvia, já adotada em muitos países, classificadas pela ANEEL como micro centrais hidrelétricas, servindo como compensação ambiental ao desmatamento já incorrido ou futuro.
Além desses benefícios elas ainda vão gerar energia barata para o produtor rural, armazenarão água doce, produzirão receita e alimentos de alta qualidade, em toda parte. Tanto no Sul como no Norte.
Essas barragens, construídas dentro da técnica e da legislação ambiental, projetadas e instaladas por profissionais habilitados, seriam financiadas pelo BNDES com juros que levem em conta os seus benefícios para a sociedade. Elas irão nos ajudar a nos adaptarmos melhor às enchentes no sul e às secas no norte, nordeste e sudeste.
Tudo isso com equipamentos 100% nacionais e mais de 30% dos serviços disponíveis no local. Com os menores investimentos. Aliás, qual seria o preço da “não-existência” de uma enchente como essa do Rio Grande do Sul?
Para ajudar tudo isso a acontecer, além das secretarias estaduais da agricultura e do meio ambiente mobilizarem-se, vamos precisar que o ministério de minas e energia convença as distribuidoras e cumprirem os regulamentos que criaram a modalidade de geração distribuída.
Essas concessionárias de serviço público precisam investir mais na proteção de suas redes com relação ao fluxo reverso de potência gerado pelas placas solares, como previsto em lei. E deixem de usar seu próprio despreparo técnico para negar acesso às suas redes aos pequenos geradores particulares, tirando proveito da própria torpeza, como vedado por princípio da lei pátria.
Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni é engenheiro eletricista e foi diretor de planejamento da COPEL e diretor presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, do Instituto Estratégico do Setor Elétrico (ILUMINA), fundador e primeiro presidente da ABRAPCH, associação brasileira de pequenas hidrelétricas, secretário adjunto de transportes de Curitiba, membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia do Paraná. professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Hoje Ivo é o presidente da ENERCONS Consultoria em Energias Renováveis. www.enercons.com.br