Da foz do Rio Oiapoque ao litoral norte do Rio Grande do Norte, a Margem Equatorial é apontada como a nova fronteira petrolífera brasileira e se tornou a promessa do “novo pré-sal”. O local logo virou foco da Petrobras (PETR4), ao passo que também dividiu duas importantes áreas do governo: a energética e a ambiental. Isso porque o bloco FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas, há mais de um ano aguarda pela aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para avançar na pesquisa exploratória para comprovar a existência de reservas de petróleo. Mas esse é um perigo que o investidor de PETR4 deve ter no radar?
Desde que assumiu a presidência da petrolífera, Magda Chambriard não tem poupado críticas a essa demora. “Já perdemos 10 anos”, disse, referindo-se ao fato de a concessão do bloco ter ocorrido em 2013. Inclusive, quando ela era diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Além disso, Chambriard destaca que as reservas de petróleo da companhia têm prazo, visto que o declínio da produção do pré-sal deve começar em 2030. “Temos de pensar em repor e produzir petróleo em águas ultraprofundas, é o que sabemos. O foco não poderia ser outro.”
Não é somente a estatal que está de olho em todo o potencial petrolífero da região. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também defende o avanço dos trabalhos. “Queremos fazer um processo de medição para saber se tem [petróleo] e qual a quantidade de riqueza que tem lá embaixo”, declarou. Junto ao chefe do Executivo, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, juntou-se ao coro de vozes favoráveis à exploração na Foz do Amazonas, afirmando que “os brasileiros têm o direito de conhecer suas potencialidades energéticas.”
Ainda assim, os críticos da decisão sobre a Petrobras explorar a Margem Equatorial sublinham uma dissonância do governo e da própria empresa, que são comprometidos com a transição energética, por ainda baterem na tecla do combustível fóssil — um dos responsáveis pelo aquecimento do planeta e por eventos climáticos extremos, como o ocorrido no Rio Grande do Sul.
Outro motivo é justamente por aquela ser uma região que abriga uma biodiversidade pouco estudada e comunidades tradicionais, que podem sofrer danos irreversíveis no caso de um derramamento de óleo que chegue à costa.
Na negativa ao pedido de licença, em maio de 2023, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, relacionou inconsistências técnicas nos estudos da empresa. “Inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”, afirmou no despacho.
O que é a Margem Equatorial?
A região litorânea dos Estados do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte forma a chamada Margem Equatorial. Nela, há cinco bacias sedimentares que podem ter reservas de petróleo:
Foz do Amazonas;
Maranhão;
Barreirinhas;
Ceará;
Potiguar.
A defesa em explorar a região é sustentada devido às semelhanças geológicas com nossos vizinhos e suas descobertas recentes: na Guiana, as americanas ExxonMobil (EXXO34) e Chevron (CHVX34), com a chinesa CNOOC (C1EO34), descobriram 11 bilhões de barris de petróleo de 2015 para cá; no Suriname, a francesa TotalEnergies e a americana APA Corporation (A1PA34) detêm dois reservatórios com quase 700 milhões de barris.
Na Margem Equatorial brasileira, há 42 blocos exploratórios concedidos pela ANP. O Plano Estratégico 2024-2028 da Petrobras prevê o investimento de US$ 3,1 bilhão na região, com a perfuração de 16 poços. Se o tamanho das reservas for comercialmente viável, a companhia buscará manter ou até aumentar a sua produção de petróleo nos próximos anos.
Por que a Petrobras (PETR4) não começou a explorar a bacia do Foz do Amazonas?
A Margem Equatorial tem início onde o rio Oiapoque, no Amapá, deságua no oceano Atlântico, local que abriga a maior faixa contínua de manguezais no mundo. A biodiversidade de seu ecossistema é composta por animais da fauna de ambientes terrestre, marinho e estuarino (transitam entre o rio e o mar), assim como espécies da flora. Porém, os ambientalistas alertam para o déficit de informações da região devido à falta de pesquisas e dados científicos. Deste modo, torna-se mais complexo antever e propor medidas de mitigação de risco e danos em caso de vazamentos de óleo e derivados.
“Não são estudos feitos em 2 ou 3 anos, estamos falando do monitoramento de um ambiente que pode levar entre 5 e 15 anos. No horizonte da indústria de óleo e gás, as empresas não podem contar com essa demora”, explica Nils Asp, oceanógrafo, doutor em Geologia Costeira e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mas ele reconhece que a Petrobras financia projetos ambientais e sociais relevantes, contribuindo para o desenvolvimento científico e tecnológico na costa amazônica. Só que isso não a impede de querer explorar os recursos naturais da região.
Tanto é que o lote 59 da bacia do Foz do Amazonas, que fica a 179 quilômetros da costa da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa, virou uma dor de cabeça para a companhia e seu acionista controlador, o Estado. Ele é o mais avançado em termos de licenciamento ambiental, contudo há um ano espera pela autorização do Ibama para iniciar as atividades de perfuração para a exploração de petróleo. Ao negar o pedido de licença ambiental à Petrobras, os analistas técnicos escreveram que há a “latente necessidade de se elaborar avaliações mais amplas e aprofundadas para atestar a adequabilidade da cadeia produtiva da indústria de petróleo e gás na região.”
No parecer técnico nº128/2023, o órgão destaca que no município de Oiapoque, território brasileiro mais próximo ao bloco de exploração da Petrobras, as marés lamosas dos manguezais são fonte de alimentação e renda com a pesca artesanal. A presença dos corais amazônicos também é um ponto de atenção do relatório — descobertos em 2016 e ainda pouco estudados, são considerados raros por estarem a uma profundidade de até 220 metros do mar.
O levantamento prévio da licença de operação ainda apontou que o aeródromo da cidade sofrerá um aumento de 3000% no número de voos realizados. A poluição sonora e infraestrutura demandada levanta preocupações com os povos indígenas Arukwayene, Galibi Kali’na, Galibi Marworno, Galibi, Karipuna, Karipuna e Palikur, que vivem em um raio médio de aproximadamente 10 quilômetros dali.
Em nota ao E-Investidor, a Petrobras afirma que estão previstas no projeto do Amapá sete embarcações equipadas para contenção e recolhimento de óleo, com duas delas próximas à unidade marítima de perfuração. Há ainda três aeronaves para o resgate médico e veterinário, bem como outras cinco embarcações e um centro de atendimento e reabilitação em Belém (PA).
A estatal brasileira do petróleo frisa que está prevista a instalação de uma outra Unidade de Atendimento à fauna em Oiapoque. “Com profissionais, recursos e equipamentos tendo o objetivo de prover atendimento veterinário a animais eventualmente oleados, em caso de evento acidental. Ao todo, serão mais de 100 profissionais dedicados à proteção animal, incluindo médicos veterinários, biólogos e outros profissionais habilitados para atuar com fauna”, diz a companhia.
Como a estatal dividiu a opinião no governo Lula
Até 2028, a Petrobras vai investir R$ 3,9 bilhões em projetos de descarbonização visando a transição energética. Para tanto, a atual gestão da companhia criou a área de Transição Energética e Sustentabilidade, dirigida por Maurício Tolmasquim. Acontece que o petróleo é um recurso finito e não-renovável. Além de precisarem se adequarem às exigências ambientais e uma gradual demanda por fontes renováveis de energia, as petrolíferas estão buscando alternativas visto que suas reservas têm um determinado limite de produção.
No mais recente relatório de Reservas Provadas, a estatal informou ter 10,9 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), colocando a relação entre as reservas e a produção (indicador R/P) em 12,2 anos. Ainda assim, em sua primeira entrevista coletiva, a presidente da estatal afirmou que o foco de sua gestão vai ser acelerar as atividades de exploração e procura de petróleo. “É essencial repor reservas, continuar explorando petróleo no litoral brasileiro. A Margem Equatorial, no litoral do Amapá, está nesse contexto e também no litoral do Rio Grande do Sul [na bacia de Pelotas]”, disse. Os investimentos previstos para Exploração e Produção (E&P) são de R$ 7,5 bilhões e 41% desse montante foi destinado à Margem Equatorial.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal que realiza pesquisas nas frentes de energia elétrica, petróleo, gás natural e biocombustíveis ao Ministério de Minas e Energia (MME), também defende a necessidade da realização de estudos na Margem Equatorial. Porém, o viés é o energético. No estudo Zoneamento Nacional de Recursos de Óleo e Gás, a EPE elaborou um gráfico de evidência de hidrocarbonetos (substâncias orgânicas presentes no petróleo, formadas por carbono e hidrogênio) na costa do Amapá, com potenciais reservas de petróleo e gás. “Isso foi identificado ali há algum tempo, só que a geologia é uma ciência que trabalha com uma série de estudos até chegar à perfuração do poço”, diz Heloísa Borges, diretora de Petróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE.
Em relação aos impactos econômico e sociais da produção de petróleo na Margem Equatorial, um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima a criação de 326.049 empregos formais no País, além de um acréscimo de R$ 65 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) e de R$ 3,87 bilhões à arrecadação indireta. O ministro do MME, Alexandre Silveira, ainda levanta a bandeira da soberania nacional. “Devemos conhecer o potencial dessa que talvez seja a nossa última fronteira de óleo e gás. Isso porque até a consolidação e conclusão da transição energética, que ninguém sabe ao certo quando se dará, essas reservas serão fundamentais para sermos autossuficientes [em petróleo]”, disse o ministro, durante a posse de Chambriard como presidente da Petrobras.
Ministério do Meio Ambiente versus Ministério das Minas e Energias
Se de um lado a posição do MME é pela exploração, o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas tem se oposto à operação. A chefe da pasta, Marina Silva, tem mantido apoio à decisão técnica do Ibama. Aliás, um dos argumentos da autarquia para negar ao pedido de licenciamento de perfuração na Foz do Amazonas é a inexistência da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). “Traria segurança técnica e jurídica para o processo de licenciamento”, diz o despacho. Trata-se de um conjunto de estudos que visam identificar e avaliar os riscos aos ecossistemas e à saúde humana com a presença da exploração nos sedimentos das bacias. A responsabilidade de elaborá-lo, contudo, não é da Petrobras, mas do MMA e do MME.
Embora a estatal não tenha culpa da falta desse documento, o oceanógrafo e professor da UFPA, Nils Asp, lembra que houve também falhas no estudo de impacto ambiental e precariedades na modelagem numérica para dispersão de óleo no eventual caso de acidente. “Existe uma falta de clareza em relação às consultas dos povos tradicionais (indígenas e quilombolas) e ribeirinhos que seriam afetados por vazamentos. A atividade de extração ou pesquisa de óleo e gás pode tornar a pesca e extrativismo complicados ou até incompatíveis”, afirma.
Além disso, o ambientalista diz que a Petrobras fez poucos avanços sobre os estudos elaborados pela BP (B1PP34) — que em 2021 desistiu de explorar a Foz da Amazônia e a estatal, cotista minoritária da parceria, assumiu os seus blocos. “Eu duvido que se o processo tivesse sido conduzido desde o início pela Petrobras que ocorreriam essas precariedades. A companhia tem grande experiência em licenciamento ambiental com o Ibama. Se a BP desistiu de continuar, é porque havia dificuldades na região.”
Vale destacar que as modelagens e simulações de vazamentos do bloco FZA-M-59 indicam que 8 países vizinhos e 2 distritos franceses teriam suas costas afetadas. O litoral brasileiro não faz parte dessa lista, mas os ambientalistas não descartam que isso possa acontecer. A Petrobras argumenta que já perfurou mais de 3 mil poços em águas profundas, “sem ocorrência de qualquer acidente com danos ambientais.”
No Relatório de Sustentabilidade, as ocorrências de vazamentos demonstram que a companhia não apresentou grandes acidentes ao longo dos últimos 10 anos (gráfico acima). Entretanto, em 2019, período de maior volume derramado acidentalmente, o Ibama apontou que a estatal teria demorado a comunicar uma ocorrência em Arraial do Cabo (RJ) e ainda teria reportado um volume menor. Mesmo assim, os números registrados ainda são inferiores a grandes acidentes de vazamento, sendo que o maior da companhia ocorreu em 2000, quando um oleoduto da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) derramou 25 mil barris de óleo no rios Barigui e Iguaçu, em Araucária (PR).
Transição energética versus petróleo
Especialistas da área energética e ambiental estimam que apesar da busca por um maior consumo de fontes renováveis, o consumo de combustíveis fósseis no Brasil e no mundo deve se estender até os próximos 25 anos. O oceanógrafo e professor da UFPA, Nils Asp, acredita que há contradição sobre a Petrobras e o próprio governo, de financiarem esse período de transição com a exploração dos recursos naturais da Amazônia. “Faz parecer que o que está debaixo d’água não é parte da Amazônia. Fala-se muito em árvore e floresta, mas vida marinha e costeira são negligenciadas”, diz. Mesmo assim, ele frisa que até países comprometidos em interromper suas produções de óleo e gás até 2050, como França, Inglaterra e Noruega, atualmente mantêm suas explorações a todo vapor.
Do ponto de vista energético, a diretora da EPE, Heloísa Borges, afirma que o cenário de neutralidade de emissões não significa que o petróleo será completamente banido. “O futuro descarbonizado não é um futuro sem hidrocarbonetos, mas de redução das emissões relacionadas ao combustível fóssil”, explica. Ainda segundo ela, os países que lideram o debate energético têm encontrado um equilíbrio no movimento rumo à transição energética com o aproveitamento desses recursos não-renováveis.
Ao E-Investidor, a Petrobras afirma que ainda aguarda a resposta do Ibama ao pedido de reconsideração do indeferimento da emissão da licença, protocolado em maio de 2023. “A companhia segue empenhando todos os esforços na obtenção da referida licença e avalia que todas as exigências feitas pelo Ibama foram atendidas” diz a nota. O Ibama, que desde 1º de julho está em paralisação nacional, não retornou ao contato da reportagem.
Foto: Reprodução/Petrobras
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