Gerou um entusiasmo generalizado, e até meio exagerado, a aprovação pela Câmara Federal da regulamentação da reforma tributária, que ainda deverá ser submetida ao crivo do Senado.
Justifica-se o otimismo: afinal de contas, foram mais de 30 anos de espera, marcados por idas e vindas, marchas e contramarchas, até que se chegasse a um consenso mínimo para dotar o país de um novo arcabouço de impostos, mais moderno e racional, que deverá entrar em vigor paulatinamente ao longo dos próximos anos.
Mesmo com as inúmeras alterações que modificaram profundamente o texto original e apesar da imensa quantidade de exceções envolvendo produtos, serviços e segmentos inteiros que, fruto da atuação de seus lobbies no Congresso Nacional, terão tarifas menores ou serão totalmente isentos de tributos, o espírito central da reforma, a ideia de unificar impostos e simplificar a arrecadação, parece ter sido mantido.
E ainda que a alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) venha a ficar, como vem se propalando, acima dos 27% praticados na Hungria, hoje a maior taxa do mundo, a carga tributária como um todo, na avaliação de quem entende do assunto, não será superior à atual, que era um pré-requisito essencial do projeto.
Há, sim, grandes virtudes na reforma, como, por exemplo, a extinção do cipoal burocrático da arrecadação, o chamado “manicômio tributário” que enlouquece a rotina administrativa das empresas e tira a competividade da economia brasileira, mas existem também notórios defeitos.
Vejamos o que dizem os especialistas da área em um resumo das opiniões publicadas nos últimos dias:
Pontos positivos
1. Visualização do tributo na nota fiscal.
– Insere o Brasil em um seleto grupo de 175 países com imposto único, conhecido internacionalmente como “transparente”, condição que aumenta a competição entre produtos e atrai investidores estrangeiros.
2. Não cumulatividade de impostos.
– Isso permitirá baixar o preço dos produtos apenas pelo fato de não haver o chamado “efeito cascata” de tributos ao longo da cadeia. Prevê-se impacto econômico relevante em todos os setores.
3. Instituição do cashback.
– Trata-se da devolução do imposto pago em forma de crédito para famílias carentes. O Uruguai, por exemplo, tem esse sistema. Lá, a pessoa pobre já nem paga tributo sobre serviços.
4. Alíquota travada em 26,5%.
– O estabelecimento de um teto máximo para o IVA tem o objetivo de barrar a elevação do tributo, impedindo que o executivo, em algum momento, sinta-se tentado a fazê-lo, como é comum no Brasil.
Pontos negativos
1. Imposto seletivo.
– Idealizado para desestimular o consumo de artigos nocivos à saúde e ao meio ambiente, ele foi instituído com finalidade arrecadatória, o que provocará várias distorções. Terá pouca efetividade se não vir acompanhado de política pública, de conscientização à saúde e ao meio ambiente.
2. Alíquota zero para carne, queijo e demais itens.
– Em geral, produtos mais caros são consumidos em maior volume por famílias mais ricas, que deveriam pagar o imposto. O sistema de cashback seria mais eficiente porque é uma desoneração apenas para famílias cadastradas nos programas sociais do governo.
3. Transição muito demorada.
– O longo período para implantação plena da reforma, que vai de 2026 a 2032, terá custos elevados. Os gastos dessa mudança serão computados nos preços finais dos produtos por se tratar de uma adequação complexa.
De resto, como nada na vida é perfeito, ficaram diversas brechas a serem sanadas futuramente e pairam muitas dúvidas sobre a real eficácia da reforma, que só o tempo conseguirá responder.
Viu-se, aliás, que os deputados, já cansados da novela, resolveram acelerar os trâmites da sessão sem pensar muito no que estavam votando para se livrar logo do pepino e começarem a curtir as férias de julho, que ninguém é de ferro.
E se a coisa não der certo, um governo lá na frente que descasque o abacaxi.